O novo rebaixamento do Brasil por uma agência de classificação de risco pode ter vindo antes do previsto, mas, fora isso, ninguém pode alegar surpresa. Há pouco tempo o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tentou convencer dirigentes das principais agências a adiar qualquer decisão pelo menos até a votação da reforma da Previdência, programada para fevereiro. Não deu certo. Ao anunciar mais um corte da nota brasileira, de BB para BB-, a Standard & Poor’s (S&P) citou o adiamento da votação, antes prevista para o fim do ano passado, como um dos sinais considerados na reavaliação do País. Não custaria, dirão alguns, ter esperado um pouco mais. É possível, mas até a surpresa, se a palavra couber neste caso, pode ser instrutiva. As autoridades brasileiras podem fixar sua agenda e seu calendário, mas são incapazes de impor seu cronograma a analistas de crédito, financiadores e investidores, especialmente quando estrangeiros.
Com mais uma nota negativa, o Brasil fica três níveis abaixo do grau de investimento, reservado a países e agentes considerados seguros para seus credores. A S&P adiantou-se às concorrentes, mas apontou um caminho para a Moody’s e a Fitch, as outras duas componentes da trindade mais importante do setor. Os efeitos imediatos no mercado financeiro foram limitados. Os dois cortes anteriores da nota brasileira, em 2015 e 2016, podem ter afetado alguns fluxos financeiros, mas o ingresso de investimentos diretos continuou vigoroso, bem mais que suficiente para as necessidades do balanço de pagamentos. Mas convém conter o otimismo e levar a sério o perigo implícito no rebaixamento da nota.
Sobrou dinheiro no mercado internacional, nos últimos anos, e o Brasil ofereceu boas perspectivas de retorno. Essas condições tendem a mudar. Ninguém deveria menosprezar, por exemplo, a elevação gradual dos juros nos Estados Unidos. Internamente, a economia começou a recuperar-se no ano passado e, além disso, durante algum tempo houve sinais de avanço no programa de ajustes e reformas. O balanço econômico de 2017 foi favorável, com inflação abaixo da meta, reação do consumo e crescimento da produção maior que o estimado no início do ano. Esses dados foram reconhecidos pelos analistas da S&P. Mas há importantes sinais de perigo e o governo tem sido um dos primeiros a reconhecê-los.
Segundo a equipe econômica, o governo conseguirá respeitar a meta fiscal neste ano, cumprir a regra de ouro e evitar o rompimento do teto de gastos. Mas, de acordo com as mesmas autoridades, será difícil evitar um desastre fiscal em 2019, por causa do descompasso, hoje inevitável, entre os gastos obrigatórios e a receita líquida. Daí a ideia, por enquanto posta em segundo plano, de suspender temporariamente a regra de ouro, isto é, a proibição de tomar crédito para cobrir despesas de custeio.
Pode-se pensar em outras soluções legais, também provisórias, para poupar o próximo presidente de um crime de responsabilidade, mas nenhuma evitará o agravamento dos problemas. A dívida bruta do governo continuará crescente e o controle só será possível quando houver um superávit primário significativo, suficiente para liquidar a conta de juros.
A reforma da Previdência continua prioritária e indispensável para conter o aumento das despesas obrigatórias. Enquanto se adia sua aprovação, torna-se mais difícil a gestão das finanças públicas e cresce o risco de insolvência. Esse risco é o ponto de convergência das análises de crédito produzidas pela S&P e por outras agências. Com a retomada econômica e o aumento da receita fiscal, a deterioração das contas até poderá ser um pouco mais lenta, mas a tendência persistirá. Além disso, como assinalou a S&P, o País cresce mais devagar que outros emergentes.
O novo rebaixamento poderá, segundo analistas, mobilizar os políticos para a reforma previdenciária. Com a reforma, disse o ministro Henrique Meirelles, poderá haver revisão da nota. Mas nada autoriza, hoje, prever essa reação positiva dos políticos, como se eles pudessem, de repente, ser tomados de brios. O compromisso dos parlamentares com projetos fundamentais para o País tem sido escasso e frequentemente comprado a preço alto. Se isso mudar, será essa a única surpresa real nesta história.
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