- O Globo
Com a confusão que está montada na recomposição do Ministério, cuja mais recente crise, e certamente não a última, é o caso da deputada Cristiane Brasil, que ainda não conseguiu assumir o Ministério do Trabalho por questões de “moralidade”, segundo o Judiciário, fica demonstrado que não temos um sistema de governo, e sim um simulacro de presidencialismo que o próprio presidente chama de “governo semiparlamentar”.
Cristiane Brasil pode ocupar um ministério dias antes da desincompatibilização porque não vai se candidatar à reeleição. Quer dizer, não temos nem presidencialismo nem parlamentarismo. Volta e meia surgem conversas, e até mesmo propostas, para reimplantar o parlamentarismo ou seu simulacro, o semipresidencialismo.
Enquanto não conseguimos sair do lugar na reforma político-eleitoral, vamos vivendo de acordo com as circunstâncias. Para reforçar a base parlamentar do presidente em dias de votações importantes, vários ministros (às vezes dez deles) são exonerados num dia, votam e voltam a seus lugares no Ministério.
No presidencialismo de verdade, se um parlamentar abre mão de seu cargo no Legislativo, para o qual foi eleito, para ocupar um ministério ou uma secretaria no Executivo, tem que renunciar ao mandato. Foi assim com a senadora Hillary Clinton, por exemplo, que abriu mão de seu mandato para assumir como secretária de Estado do governo de Barack Obama.
Não poder ocupar simultaneamente um cargo ministerial e um lugar no Legislativo corresponde à rígida separação de Poderes inerente ao sistema presidencialista, ao contrário do que ocorre no parlamentarismo, que permite o acúmulo de funções. Mas não no Brasil.
O presidencialismo brasileiro foi copiado por Rui Barbosa da Constituição americana em 1891, para substituir o parlamentarismo já “flexibilizado” que existia no Segundo Império. Na renúncia de Jânio em agosto de 1961, implantou-se o sistema “parlamentarista” para solucionar a crise institucional, já que os militares não aceitavam a posse do vice-presidente João Goulart.
Parlamentarismo abrasileirado e incongruente. O deputado Tancredo Neves foi feito primeiro-ministro em setembro de 1961, e outros deputados, como Ulysses Guimarães e Franco Montoro, também viraram ministros. Mas, como haveria em outubro de 1962 eleição para a Câmara dos Deputados, houve uma gritaria dos parlamentares exigindo a “desincompatibilização” de Tancredo do cargo de primeiro-ministro, para que houvesse igualdade de condições eleitorais entre todos.
Tancredo renunciou em julho de 1962, e assumiu Brochado da Rocha, que não era deputado, quer dizer, não era parlamentar. No parlamentarismo abrasileirado, ou no atual regime semiparlamentar, não valem as características do verdadeiro parlamentarismo.
Aliás, o presidencialismo no Brasil já começou “vice-presidencialismo”, com o marechal Floriano Peixoto, primeiro vicepresidente do Brasil, assumindo o governo com a renúncia do marechal Deodoro. O cargo de vicepresidente foi oficialmente criado pela Constituição de 1891, extinto nas Constituições de 1934 e 1937 e restabelecido pela Constituição de 1946.
A proposta defendida por Michel Temer e Gilmar Mendes de semipresidencialismo acaba com o cargo de vice-presidente, o que deixa o presidente da Câmara como o primeiro da linha sucessória. Esse fortalecimento da Câmara seria um empecilho à eventual aprovação do sistema pelo Senado, mas o ministro Gilmar Mendes já deu a solução: volta o cargo de vicepresidente. Oito dos 37 presidentes que o Brasil teve ao longo de sua História republicana foram vices que assumiram o cargo: Floriano Peixoto, Nilo Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer.
Houve época em que o vice-presidente era eleito diretamente, e foi assim que João Goulart acabou fazendo uma dupla extemporânea com Jânio Quadros. Com a crise institucional, mudou-se a fórmula, e hoje o vice está na chapa presidencial, mas aparece na urna eletrônica como coadjuvante, só quem é votado é o candidato a presidente. A crise institucional aparece sempre que um vice-presidente tem voo próprio. Como aconteceu com Jango, vice de Juscelino e Jânio pelo voto direto, e com Michel Temer, uma raposa política que lidera o (P)MDB há muitos anos e presidiu a Câmara três vezes. De coadjuvante de uma presidente que nunca disputara uma eleição na vida, virou protagonista com o impeachment.
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