A capitulação integral do governo transfere custos para a sociedade, inclusive na forma de mais intervenção, e repete o alerta de que não existe presente tributário
Além de sofrimento para a população, a greve de caminhoneiros trouxe rico material para cientistas políticos, economistas e analistas em geral. O impacto no movimento do uso de meios digitais de comunicação instantânea; a inapetência do Congresso para enfrentar a crise, salvo exemplos de oportunismo eleitoreiro; a dificuldade de um governo dessintonizado da realidade para identificar seus interlocutores e assim por diante.
Em um aspecto da crise, não há divergências: o governo capitulou e transferiu a conta da capitulação para um contribuinte já sufocado sob uma carga tributária na faixa de 35% do PIB, a mais elevada entre os emergentes. Os prejuízos não vêm apenas na forma de tributos e/ou corte de isenções — alguns justificáveis, mas só dentro de um amplo programa de revisão criteriosa de incentivos. As perdas da sociedade também ocorrerão na forma de mais interferência do Estado.
Ela ocorrerá no controle de preços nas bombas de diesel e na fiscalização do cumprimento de uma anacrônica reserva de mercado criada na alocação para autônomos de 30% dos fretes pagos pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). E também na vigilância de postos de pedágio, obrigados a não cobrar pelo terceiro eixo de caminhões vazios. Em uma das entrevistas coletivas de ministros, caminhoneiros chegaram a ser convocados para fiscalizar o preço do diesel, quase um lançamento dos “fiscais do Temer". Quando foram “do Sarney”, fracassaram.
O custo tributário da capitulação ainda abastecerá discussões. O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, que tem demonstrado desenvoltura no imbróglio, teve de voltar atrás ontem na previsão feita no dia anterior de aumento de impostos para compensar a despesa de R$ 13,5 bilhões estimada para este ano a fim de cobrir as benesses — a primeira projeção fora de R$ 9,5 bilhões.
Na correção, Guardia garantiu que o dinheiro virá do fim de isenções. Mas não se deve confiar em que mais impostos não aparecerão, porque as estimativas de crescimento da economia começam a ser revistas para baixo, mais próximas dos 2%, com reflexo direto numa arrecadação menor.
A promessa de corte de R$ 0,46 no preço do diesel na bomba passa por zerar a Cide e reduzir o PIS/Cofins. Como a Lei de Responsabilidade Fiscal exige que corte de impostos seja compensado por outros gravames, está sendo feita a reoneração da folha de salários de vários setores. O que talvez não feche a conta.
O momento de inflação baixa, muito positivo para todos, principalmente as famílias de renda mais baixa, cria problemas para os administradores públicos, que não podem mascarar déficits via aumento dos preços, que artificialmente eleva a coleta de impostos.
Sob o peso de um déficit de R$ 159 bilhões, meta deste ano, o ministro precisa ser rigoroso nas contas. Para a sociedade fica mais um alerta de que nenhum presente tributário sai de graça. O próprio caminhoneiro pagará algum preço.
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