A partir das delações de Paulo Roberto Costa, diretor da Petrobras, e do doleiro Alberto Yousseff, há 4 anos, começou a ser desvendado o maior escândalo de corrupção da história republicana moderna. A sequência das delações revelou intensa e extensa relação entre grupos empresariais, principalmente as maiores empreiteiras do país, e políticos de quase todos os partidos. A sequência da operação mostrou que o assalto ao dinheiro público foi muito além da Petrobras, atingiu várias estatais e ministérios, alojando-se também no Congresso, onde parlamentares venderam seu voto em deliberações que favoreceram os setores interessados. O desenrolar dos processos, no entanto, mostram um resultado bem mais sóbrio do que prometeram as 50 fases da Operação Lava-Jato e seus presos ilustres.
A ação perseverante de procuradores do Ministério Público permitiu quebrar uma barreira crucial da impunidade, ao denunciar em grande escala os corruptores, e não só os corruptos, e levar empresários poderosos à cadeia. O tempo mostrou, porém, as fragilidades desse esforço inédito. Houve açodamento na apresentação de várias denúncias, ênfase exagerada e exclusiva nas delações, em detrimento das provas, que se revelaram precárias e tendência ao espetáculo midiático.
Levantamento de O Globo (29 de julho) mostra que dos 22 inquéritos abertos há três anos na esteira das investigações da Lava-Jato, 10 já foram julgados e desses, apenas um resultou em condenação, o do deputado Nelson Meurer. Em três casos, entre eles o da senadora Gleisi Hoffmann (PT), o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou as provas insuficientes. Nos demais, que foram arquivados, houve absolvição ou arquivamento de processos por falta de provas suficientes que os justificassem - em alguns casos, reconhecida pelos próprios investigadores.
Além disso, processos envolvendo 25 políticos foram encerrados por ausência de motivos relevantes, entre eles 7 abertos a partir da delação de Paulo Roberto Costa, envolvendo, por exemplo, o ex-ministro Edison Lobão, o senador Renan Calheiros e a ex-governadora Roseana Sarney. Em balanço da Polícia Federal dos 4 anos do início da Lava-Jato, registram-se mais pessoas envolvidas na colaboração premiada (187) do que condenadas em primeira instância (160), o que sugere que os principais corruptores e vários dos maiores beneficiários do roubo tenham conseguido penas mais brandas após confissões e devolução de recursos obtidos indevidamente - aqueles que a Justiça conseguiu rastrear.
O polêmico uso preferencial da delação premiada foi abertamente questionado depois das vantagens oferecidas aos donos da JBS, Wesley e Joesley Batista, após o escândalo da divulgação do encontro nada republicano de Joesley com o presidente Michel Temer. O episódio se desdobrou, em seguida, na discórdia sobre o poder exclusivo do MP de fazer acordos do tipo e terminou com o STF decidindo que a Polícia Federal também tem a prerrogativa de celebrar acordos.
A PF tem entendimento distinto do MP a respeito - os benefícios não seriam acertados a priori e desde o início, mas seriam, como nos EUA, condicionados aos resultados positivos decorrentes da delação, com o delator tendo apenas uma ideia do que poderia obter se tudo o que disser se confirmar. A delação do ex-ministro petista Antonio Palocci pode ser um divisor de águas na questão - a PF a aceitou, o MP não.
Além do vigor investigativo do MP, foi decisivo para o sucesso das operações, para os que não têm foro privilegiado, a decisão do Supremo sobre a possibilidade de prisão já após o julgamento em segunda instância, que rompeu com tradição de recursos infinitos por réus poderosos em liberdade até a prescrição legal. Mas o STF se inclina a voltar atrás nesse juízo, se e quando a questão for a plenário.
Há vários riscos para a continuidade do combate à corrupção. O Congresso, apesar das ameaças, não ousou mudar leis para frear a Lava-Jato. A prepotência de alguns procuradores e o sucessivo descarte dos processos por falta de provas ameaçam potencialmente desmoralizar a delação premiada, a partir do qual tanto se descobriu. O que detém as investidas contrárias é o enorme apoio popular à luta contra a corrupção. Na última pesquisa sobre o assunto, feita pelo Datafolha em abril, dois terços dos eleitores a aprovavam. O apoio veio temperado com sábio ceticismo - 67% disseram que a maioria dos acusados não acabaria atrás das grades.
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