- Valor Econômico
PT demonstra a mesma obsessão de seus perseguidores
Faz quase quatro meses que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que abandonara a categoria de ser humano para se transformar numa ideia. Não haveria como prendê-lo porque já estaria pairando no ar. Se um dia parasse de sonhar, milhões de brasileiros sonhariam por ele. Se tivesse um infarto, seu coração bateria no de seus compatriotas.
A ideia que está para prevalecer é que não apenas o PT mas todo o campo da esquerda deve ser refém das grades de Curitiba. Uma ideia não precisa de registro eleitoral, programa de governo ou aliados. Basta ter a pretensão de que nenhuma outra prospere à sua sombra.
A decisão de ontem da executiva nacional não poderia ter sido mais clara. O PT abriu mão da candidatura mais competitiva que o partido já teve na disputa pelo governo de Pernambuco. Como todos os carcereiros de Curitiba sabem, não o fez pelo apoio do PSB na disputa presidencial, mas para evitar que Ciro Gomes o tivesse.
A estratégia de Lula de levar sua candidatura adiante, ainda que inviável, já estava traçada muito antes de a prisão ser dada como desfecho inevitável. Mas sua execução, num momento em que a campanha entra na fase de debates e entrevistas, explicita o alcance da ausência.
Pouco importa se o partido não participa do confronto de posições sobre os rumos do país. Tampouco interessa se candidatos com os quais o PT divide um ideário comum se estapeiem por segundos no horário eleitoral. O que o partido não pode é abrir mão da ideia. A de que Lula vem antes de tudo, da eleição e do país.
É um laranja de Lula que o PT prepara para ser ungido candidato no prazo limite dos recursos, a 20 dias do primeiro turno. O partido confia que o consagrará, a despeito do pouco tempo para fazê-lo conhecido da grande maioria do eleitorado, pela transferência de voto, ou melhor, da ideia.
E ninguém pode dizer que Lula não avisou o que estava em curso. A rigor, daria para dispensar até os eleitores, uma vez que o coração, os sonhos e, principalmente, a ideia, já está consubstanciada em milhões de brasileiros.
Por enquanto, a única ideia que, de fato, move milhões de eleitores é a escolha de um candidato que culpa mães que não escovam os dentes pela morte de crianças miseráveis e os negros por seu próprio infortúnio.
Com a decisão de ontem, o PT não comete apenas mais um dedaço que, ao longo dos últimos trinta anos, condenou sucessivas lideranças regionais promissoras ao limbo. O partido inviabiliza uma candidata que se impõe no manejo de três mitos, Lula, o avô, Miguel Arraes, e o primo Eduardo Campos. Mostra-se capaz de mobilizar militância num momento em que os partidos já não conseguem mais encher praças públicas. O partido de Marília Arraes parece ignorar qualquer outra chance de revitalizar a esquerda que não seja o #LulaLivre. Não é a toa que o deputado Jair Bolsonaro hoje disponha de exércitos mais do que virtuais.
Os petistas deixaram para a reta final a participação na disputa eleitoral que, desde a redemocratização, mais colocou o futuro do país em xeque. Estão tomados pela mesma obsessão dos adversários do ex-presidente. Se magistrados e procuradores têm a ideia fixa de mantê-lo preso em processos que acumulam pedaladas jurídicas, o PT também tem a sua. Na outra ponta da corda que resolveu esticar, também resiste a democracia.
Janela de oportunidade
Aterrisou na Câmara dos Deputados um projeto de lei que trata da tributação do imposto de renda sobre os fundos fechados de investimento. A proposta preenche uma das maiores lacunas da tributação incidente sobre os muito ricos. Quem tem R$ 100 mil investidos em fundos abertos, paga imposto a cada seis meses. Quem tem R$ 100 milhões o faz apenas no resgate.
A expectativa de arrecadação de R$ 10 bilhões anuais justifica o interesse no tema pelo governo de um país quebrado. O que parece injustificado é o momento de seu envio, quando o Congresso Nacional está às moscas. É quase tão enigmático quanto o esquecimento de medida provisória, de mesmo teor, no ano passado.
Relatada por um deputado do PR, egresso da tropa de choque do ex-deputado Eduardo Cunha, a MP foi aprovada em comissão com uma mudança que atendia à demanda de investidores, entre os quais, muitos parlamentares. A tributação apenas incidiria sobre rendimentos a partir de 1o de janeiro de 2019.
A mudança poderia ser revertida ao longo da tramitação, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), contrário à tributação, demonstrou pouco interesse em colaborar. Aprovada em comissão em março, a MP caducou em abril do ano passado.
Como o tema já frequenta programas de candidatos à Presidência da República de todo o espectro ideológico, é provável que viesse a integrar a pauta de propostas legislativas do eleito. O projeto pode ter sido enviado agora para que sua receita venha a ser incluída na previsão orçamentária de 2019, mas isso poderia ter sido feito ao longo do primeiro semestre quando havia tempo hábil para aprová-lo.
O calendário de seu envio levará a que o inicío, efetivo, de sua tramitação coincida com o retorno dos parlamentares ao batente. Deputados e senadores que voltarão ao Congresso mais endividados do que nunca, depois da primeira eleição sem financiamento empresarial oficial, ganharão uma importante proposta legislativa, a afetar afortunados interesses, sobre a qual poderão se debruçar.
A maturidade do eleitor e a previdência
O eleitor brasileiro envelheceu e fez do debate da reforma da Previdência sua primeira vítima. O maior vagão de eleitores que vai às urnas em outubro é aquele que tem entre 45 e 59 anos. Responde por quase um quarto do eleitorado nacional. Há apenas oito anos, vinha a reboque do vagão dos jovens adultos, entre 25 e 34 anos, que liderava a locomotiva.
Este eleitorado mais maduro também é aquele a ser mais diretamente afetado pelas regras de transição da reforma da Previdência e, portanto, estará mais atento aos seus impactos. Como uma proposta de mudança virá, seja qual for o ungido, o que se deve esperar da campanha que ora se inicia é a reprise, ainda mais aguda, da mistificação.
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