Perdão foi aprovado pelo Congresso, depois de negociado por líderes da oposição, e incluído na Constituição
O assassinato do jornalista Vladimir Herzog, nas dependências do DOI- Codi, um dos braços da repressão política durante a ditadura militar, em 1975, em São Paulo, passou a ser um referencial histórico daqueles tempos inomináveis. Que se pretende deixar no passado.
O assunto, que não pode mesmo ser esquecido, costuma voltar, porém, embalado na resistência que persiste, em certos grupos, à Lei da Anistia, aprovada pelo Congresso, de forma livre, em 1979, embora ainda em um governo militar, de João Baptista Figueiredo, mas como regime nos estertores.
No Brasil, ao contrário de outras ditaduras no continente, a redemocratização negociada — é sempre melhor assim — envolveu amplos espectros da oposição e da sociedade em geral, o que concedeu à mudança do regime elevada dosagem de legitimidade.
O mesmo aconteceu com a Lei da Anistia, responsável por abrir as portas do país para a volta dos refugiados, um símbolo da reconciliação nacional. Mas esses processos são mesmo difíceis, embora o tempo ajude a diluir heranças indesejáveis.
Nem todas, como é o caso do assassinato de Herzog por meio de tortura, morte simulada de forma tosca. Sequer o deputado Jair Bolsonaro (PSL), militar reformado, candidato da extrema-direita na campanha presidencial, leva a sério o suicídio simulado de Herzog, como demonstrou na entrevista que concedeu ao “Roda Viva”, na segunda-feira.
Entre os bolsões que resistem à anistia de 79, estão familiares das vítimas. Muito compreensível. O Ministério Público Federal insiste em reabrir o caso, mesma posição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, à qual o Brasil não deve obediência. Até porque o Supremo já rejeitou a revisão da lei.
É importante saber que a Lei da Anistia, além da legitimidade que tem, está lastreada em sólida institucionalidade. Entre os que a defendem, está o insuspeito advogado José Paulo Cavalcanti, membro da Comissão da Verdade, instituída para tratar dos crimes da ditadura militar.
Cavalcanti lembra que, ao contrário do que aconteceu em outros países latino-americanos, a transição para a democracia no Brasil não ocorreu para grupos civis do velho regime. Alguns se mantiveram na política, como José Sarney, mas o poder foi ocupado pelos que resistiram à ditadura.
Além disso, a própria lei foi incluída na Constituição pela Emenda 26, em 1985, de forma negociada com os militares, por líderes como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Raymundo Faoro. Assim, os militares conseguiram anistiar os autores do atentado ao Riocentro, em 81, um deles ainda vivo. Foi um preço baixo para garantir a redemocratização.
Não faz, portanto, sentido, quando o Brasil completa três décadas de estabilidade na democracia, o mais longo período ininterrupto na República, tentar trazer de volta um passado já digerido pelas instituições.
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