sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Rogério Furquim Werneck - Reformas mais difíceis pela frente

- O Globo | O Estado de S. Paulo

No caso da reforma tributária, o governo não lidera. O protagonismo está concentrado no Congresso

Que não seria fácil, já se sabia. Embora tenha deixado a Bolsonaro uma economia incomparavelmente mais arrumada do que a que lhe caíra nas mãos em 2016, o governo Temer mal pôde começar a enfrentar o gigantesco desafio de reconstrução fiscal que o descalabro perpetrado por Dilma Rousseff impôs ao país.

Mas a equipe econômica de Temer deixou um mapa bem delineado do esforço de ajuste fiscal que se fazia necessário. Na verdade, deixou bem mais que isso. Legou ao novo governo um projeto bem concebido de reforma da Previdência, pronto para votação no plenário da Câmara. Embora a equipe de Bolsonaro tenha preferido encaminhar ao Congresso uma proposta de reforma ainda mais ambiciosa, fez bom uso não só do projeto em tramitação na Câmara como de outras propostas já bem formatadas, como a que fora concebida em paralelo por Arminio Fraga e Paulo Tafner.

Mas, no que tange à reforma da Previdência, o principal legado do governo Temer foi outro. Ao tramitar seu projeto no Congresso, o novo governo beneficiou-se em larga medida de mais de dois anos de campanha de convencimento da opinião pública e, claro, de parte substancial da elite política do país, quanto à inevitabilidade da reforma. Foi isso que permitiu que o projeto acabasse avançando com relativa facilidade no Congresso, sob a batuta do presidente da Câmara, apesar de pouco ou nenhum empenho do Planalto.

Essas especificidades da reforma da Previdência ajudam a entender dificuldades que, agora, vêm sendo enfrentadas pela reforma tributária e pelo que o governo vem rotulando de novo pacto federativo. O contraste não poderia ser mais nítido. A reforma da Previdência avançou, por iniciativa do governo, numa trilha batida, claramente definida, movida por objetivos muito claros e amplo consenso sobre o sentido das mudanças. O dissenso estava restrito à abrangência e ao grau de ousadia que deveria ter a reforma.

Nada parecido se observa nas duas outras reformas com que agora começa a se envolver o governo. No caso da reforma tributária, o governo não lidera. O protagonismo está concentrado no Congresso. Na acirrada disputa entre o projeto da Câmara e o do Senado, o que há em comum é a ideia de que a reforma deve estar centrada no reordenamento da caótica tributação de bens e serviços que se tem hoje no país.

Em meio à cacofonia, o governo vem tentando tocar outro tema completamente distinto. Contempla uma reforma centrada na desoneração das folhas de pagamento, movido pela convicção, infundada, de que uma redução nos encargos patronais teria um impacto espetacular sobre o emprego.

Quanto ao que vem sendo rotulado de novo pacto federativo, há ainda desconcertante indefinição das medidas efetivas que, afinal, comporiam esse esforço de reforma. Mas o que preocupa é que a bandeira —“Mais Brasil, menos Brasília” —que vem sendo brandida na defesa do novo pacto, seja ele o que for, é enganadora. Sugere que o arranjo de federalismo fiscal vigente é lesivo aos estados e municípios. Uma baita mistificação. Quem ainda estiver em dúvida sobre isso e puder dispor de cinco minutos para se ilustrar a respeito, tirará bom proveito do primoroso artigo de Marcos Mendes publicado na “Folha de S.Paulo” em 3 de agosto.

Apesar dessa bandeira ilusória, não há a menor dúvida quanto à relevância da preocupação central que, de forma um tanto tortuosa, parece inspirar o discurso do governo sobre o novo pacto federativo: a absurda rigidez orçamentária com que debatem os três níveis de governo.

Mas, se a preocupação é de fato essa, há uma iniciativa da maior importância a ser tomada com urgência. O governo não pode perder a oportunidade, que agora se abriu no Senado, de corrigir o erro fatal de ter deixado que estados e municípios fossem excluídos da reforma da Previdência. Ainda há tempo. Mas não seria prudente deixar o equacionamento dessa questão tão complexa por conta do Congresso. É fundamental que, desta vez, o governo não se omita. A Previdência não pode ficar de fora do novo pacto federativo.

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