- Folha de S. Paulo
Emendas constitucionais têm textos com versões diferentes para os mesmos artigos
Parte das emendas constitucionais do pacotão do governo não conversa entre si ou se contradiz. O texto de pelo menos três artigos, o 37, o 167 e o 167-B, é diferente na emenda dita “emergencial” e na do “pacto federativo”. Além do provável equívoco na redação legal, a diferença cria problemas objetivos.
As dúvidas não param por aí, mas convém começar do mais intrigante. Por exemplo, o proposto novo artigo da Constituição sobre as medidas de emergência de corte de despesas em estados e municípios, o 167-B.
Caso a despesa ultrapasse 95% da receita, em 12 meses, governadores e prefeitos poderão adotar as mesmas medidas de arrocho do governo federal (suspensão de reajustes, contratações e promoções de servidores, reajustes de benefícios, cortes de salários etc.).
“Poderão”, se diz lá. O ajuste emergencial não parece, pois, obrigatório. Mas, caso governadores e prefeitos não façam os cortes de emergência, não terão direito a garantias da União (a operações de crédito, supõe-se), diz-se numa versão do parágrafo 2º do inciso 3 do artigo 167. No entanto, na outra PEC, que contém o mesmo artigo, esse parágrafo não existe, com esse teor.
Qual das versões vale? Faz diferença, pois um governador ou prefeito sujeito a perder garantias da União estaria mais propenso a fazer o arrocho, é razoável especular. O problema não para por aí, porém. O inciso 13 do artigo 167 diz que “são vedadas” ... “a concessão de garantias, pela União, a operações de crédito de Estados, Distrito Federal e Municípios”. Haverá garantias da União para estados e municípios ou não?
O artigo 167 também veda “a vinculação das receitas públicas a órgão, fundo ou despesa”, mas sem ressalvar as despesas mínimas com saúde e educação, que também são artigos da Constituição (ressalva atualmente inscrita no mesmo artigo 167). É problema? Essa nova versão do artigo dá cabo imediato de coisas como o financiamento do Fundo Social do Pré-Sal, que destina dinheiro para saúde e educação?
Aprovada a nova versão do artigo 163, uma lei complementar “disporá sobre” ... “sustentabilidade, indicadores, níveis e trajetória de convergência da dívida, resultados fiscais, limites para despesas e as respectivas medidas de ajuste...”.
O governo diz que não se trata de um limite para a dívida pública. Mas o que quer dizer “níveis” da dívida? Existem países com regras para a trajetória de endividamento, mas não está nada claro como será o método brasileiro e quão determinante tal trajetória será para o nível de gasto público.
O governo parece confiante na recuperação fiscal. Em três anos, vai abrir mão do restante da receita do salário-educação que não repassa a estados e municípios (ora uns R$ 9 bilhões por ano), além de receita ainda não definida de royalties e participações de petróleo (R$ 400 bilhões em 15 anos, diz Paulo Guedes).
Não parece que o governo federal possa abrir mão tão cedo deste dinheiro.
Pode ser que a incongruência dos artigos seja apenas de acidente na redação dos artigos das emendas, digamos, mas sabe-se lá. Quando o governo mandou o texto das emendas para o Congresso, propunha incluir as despensas com inativos no gasto mínimo com saúde e educação. A proposta causou revolta imediata de parlamentares —emenda foi sem nunca ter sido, o governo a retirou.
De qualquer modo, falta muito ainda para entender o alcance e saber dos detalhes dessa reforma constitucional do gasto público.
Nenhum comentário:
Postar um comentário