- O Globo
Frustração do leilão reduz o dinheiro para o pacto federativo, mas há outras dúvidas nas reformas, como a presença do STF no Conselho Fiscal
O conjunto de reformas econômicas enviadas ao Congresso na terça-feira começa agora sua longa tramitação, mas há pelo menos um ponto estranho: a presença do STF no Conselho Fiscal da República. Será que o Judiciário deve estar presente em avaliações de políticas que ele terá que julgar? Ontem, no segundo dia intenso na área econômica, houve um banho de água fria no leilão do pré-sal. O valor arrecadado foi menor do que o esperado, só a Petrobras comprou. Foi uma verdadeira reestatização. E isso tem tudo a ver com o acordo político em torno das PECs enviadas na terça.
Na economia e na questão institucional, há sinais a serem considerados. Ontem, o mercado deu um aviso. O leilão foi bem mais fraco do que o esperado. Isso significa menos recursos para irrigar a federação, e era com isso que o governo contava para ter a boa vontade na aprovação de algumas medidas mais ásperas. Claro que R$ 70 bilhões é um valor alto, mas R$ 34,6 bilhões terão que ser pagos à Petrobras. E ficou uma dissonância no discurso liberal, porque a grande compradora foi a Petrobras, com uma pequena participação de duas estatais chinesas.
Segundo especialistas no mercado de petróleo, a união do tempo político e do tempo econômico foi ruim. Ao usar esse dinheiro como parte da negociação com o Congresso, houve um prazo curto para se negociar as regras de um leilão complexo. As áreas eram já conhecidas, mas ainda há incertezas, como, por exemplo, sobre como o comprador acertaria contas com a Petrobras. Como foi a estatal brasileira que arrematou não entraram os dólares que se esperava. Além disso, a Petrobras terá que gastar muito para desenvolver os campos, principalmente Búzios, e isso vai atrapalhar o processo de redução de dívida da empresa.
O pacote que está no Congresso para ser esmiuçado, discutido, analisado e votado, nas várias PECs, contém pontos que são vistos como extremamente difíceis, como a extinção dos municípios pequenos e inviáveis. É evidente que isso corrige uma aberração. Houve uma febre de criação de municípios sem condições de existir de forma autônoma. Mas reverter isso é muito difícil. O ganho fiscal é pequeno. A vantagem é principalmente aumentar a racionalidade da organização federativa. Há muitos outros pontos assim, o país não tem ganho imediato, mas fica mais racional. O problema é que ao mexer com muitos interesses ao mesmo tempo o pacote do ministro Paulo Guedes pode provocar a formação do que a ciência política chama de “coalizão de veto”.
A criação do Conselho Fiscal da República foi apresentada como um avanço institucional, porque poderes e órgãos estariam atuando juntos na busca do equilíbrio fiscal. O problema é a presença do presidente do Supremo Tribunal Federal. Esse conselho que vai monitorar os orçamentos públicos pode ter a presença do Judiciário? E se houver questionamento na Justiça decorrente de medidas avaliadas dentro do CFR? Já não é a primeira vez que este governo tenta colocar o Judiciário em um acordo em favor de um projeto econômico. Houve, no começo do ano, o anúncio de que os três poderes fariam um “pacto”. O presidente Bolsonaro chegou a anunciar um pacto dos três poderes para aprovar as reformas, mas ele não saiu do papel exatamente pelo óbvio conflito de interesses de a principal autoridade do Judiciário se comprometer com medidas que, eventualmente, seriam submetidas à Justiça.
Da perspectiva do empresariado, há uma frustração. O governo fez várias propostas, algumas supernecessárias, mas deixou de lado a reforma que a economia acha mais urgente: a tributária. O que o governo vai propor, a união de PIS e Cofins, ou talvez IPI, é pouco. A unificação com outros impostos sobre consumo, ICMS e ISS, tem tramitado em dois projetos de iniciativa do Legislativo. O temor é isso resultar em aumento e não diminuição de impostos, ou uma transição tão lenta que não trará alívio neste momento.
Numa entrevista na Globonews, da qual participei, perguntei ao ministro Paulo Guedes o que aconteceria com os subsídios à Zona Franca de Manaus, caso fosse aprovada uma reforma tributária. Ele respondeu: “Então o Brasil tem que ficar todo ferrado para manter a Zona Franca?” A resposta veio no pacote. Ela foi poupada de tudo.
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