- Valor Econômico
Oitenta anos da campanha “O petróleo é nosso”, fracasso em atrair estrangeiros para leilão provocou lamento de que o petróleo também não seja deles
Durou menos de 24 horas o fôlego alcançado pelo governo com o pacote fiscal. A ausência dos estrangeiros do leilão do pré-sal ofuscou a estratégia montada pelo governo para marcar uma virada no jogo.
Não era uma estratégia de todo amadora. Ainda que a ambição do pacote seja incompatível com a capacidade de articulação de um presidente que nem partido tem, esta desproporção parecia rimar com o conjunto da obra. Do congelamento do salário-mínimo à redução dos repasses ao BNDES, passando pelo gatilho que bloqueia o gasto com funcionalismo, o pacote, com tudo junto e misturado, não inviabiliza apenas a articulação do governo como a de uma reação em bloco ao seu conjunto.
Ainda que derrubem pontos como aquele que ameaça os grotões insustentáveis, os parlamentares podem acabar presenteando Bolsonaro com o discurso de que a tentativa de fazer a coisa certa esbarra na resistência de políticos que se alimentam da máquina estatal.
Ao privilegiar o Senado como porta de entrada do pacote, o governo também busca esvaziar o balão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. A preferência foi dada ao senador Davi Alcolumbre, cujos planos regionais em 2022 não ofuscam as ambições presidenciais. A passagem fugidia de Maia pela cerimônia de entrega do projeto por Bolsonaro foi registrada pelo entorno do presidente da República como o recibo passado com firma reconhecida pelo deputado. Por mais que a pauta da Câmara seja mantida, é natural que as atenções se voltem para o Senado, Casa que primeiro se debruçará sobre o pacote, um conjunto de medidas que, no essencial, não colidem com a agenda de Maia.
À condição de principal avalista de investidores, o presidente da Câmara tem buscado adicionar um público mais amplo como o fez ao reagir sem demora à declaração do deputado Eduardo Bolsonaro sobre o AI-5. Pois no evento dos 300 dias do governo, celebrado junto com a entrega do pacote fiscal ao Congresso, o presidente, num discurso em que cada vírgula parecia pensada para se contrapor àquela medonha fala da madrugada na Arábia Saudita, fez da crítica de Maia a seu filho uma escada: “Na Câmara, respondi a uns 30 processos. Espero que Eduardo não chegue a tanto. A Câmara respeitou o sagrado direito de opinião, seja ela qual for”. Neste discurso, Bolsonaro também foi hábil em tentar desmontar as armadilhas do caso Marielle Franco. “Que razão eu teria, contrariando meus atos cristãos, para matar aquela moça? Em que ela me atrapalhava?”
O presidente que terminou a terça-feira aparentando ter retomado as rédeas do seu destino e de seu governo, já almoçou, no dia seguinte, com o tempero amargo da derrota no leilão. O discurso que marcou toda sua viagem, da Ásia ao Oriente Médio, foi pautado pela ideia de que o Brasil tinha mudado para melhor, estava abrindo sua economia e pronto para receber investimentos. Ante a mais escancarada das portas, porém, cantada em verso e prosa como a “fronteira petrolífera mais atraente do mundo”, o investidor passou reto.
O motivo mais difundido para o fracasso ao longo do dia de ontem foi também aquele que se encaixa nos propósitos de quem desistiu da compra. A Petrobras, que já gastara nos campos licitados, teria cobrado ressarcimentos mais elevados do que os investidores estavam dispostos a pagar. Ao se queixarem do preço com a direção da estatal teriam sido tratados com frieza inaudita, o que aumentaria a indisposição.
Para o consumo da política, a versão que ganha terreno é a da insegurança sobre o que virá. O radicalismo e o isolamento político do governo farão com que, quem quer que o suceda, mude, de maneira substantiva, os rumos hoje impressos na economia e nos negócios do Estado. Some-se aí a labareda do Chile, que o próprio presidente da República não cansa em dizer que ameaça tocar fogo no Brasil, e tem-se aí um governo de fôlego curto e um continente em baixa.
A fuga do investidor estrangeiro já projeta dúvidas sobre o futuro da Petrobras. A estatal viu o leilão transformar sua expectativa de redução de endividamento em mais dívidas, uma vez que terá que arcar com 90% do investimento nos campos. A mudança no modelo de exploração ou, até mesmo, a venda da estatal, que o ministro Paulo Guedes já havia jogado “para um segundo mandato”, pode voltar à pauta numa condição desfavorável porque desprovida de subsidiárias lucrativas como a BR Distribuidora. A ver se o pacote da semana, que tornou governadores, prefeitos e parlamentares sócios bilionários dos royalties, abraçarão a causa.
Oitenta anos depois de bradar “o petróleo é nosso”, o Brasil nunca lamentou tanto que o petróleo também não fosse deles.
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Ao acompanhar o presidente Jair Bolsonaro no primeiro dos três encontros oficiais de sua viagem à China, o ministro do Gabinete da Segurança Institucional, Augusto Heleno Ribeiro, passou direto pelo presidente da Assembleia, Li Zhanshu. O que por pouco não inundou as redes como ato de rebeldia acabou se conformando aos seus devidos limites de lapso de um general de 72 anos submetido ao cansaço de uma viagem planetária. No encontro seguinte, o ministro não apenas cumprimentou como bateu continência para Xi Jinping, que, além de presidente, é secretário-geral do Partido Comunista Chinês.
A continência do general ficou como a imagem da rendição deste governo ao pragmatismo. Naquela viagem, Bolsonaro, frente a frente com Xi, na parte aberta à imprensa do encontro, pediu com todas as letras para a China participar do leilão da Petrobras. Ainda que numa participação minoritária, as estatais CNODC e CNOOC vieram. Com sua presença, evitaram que o leilão zerasse a participação estrangeira. Com mínimo esforço, Xi Jinping calou o grito de guerra da batalha de Salamina que o chanceler Ernesto Araújo fez ecoar em seu discurso de posse como um abre alas para um Ocidente que, dez meses depois, deu WO.
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