Governo de menos – Editorial | Folha de S. Paulo
Gestão Bolsonaro carece de planos e articulação; não raro, para o bem do país
É difícil, ou quase ingênuo, fazer uma avaliação puramente administrativa do governo Jair Bolsonaro, tamanha a carga ideológica que este faz questão de despejar até sobre iniciativas comezinhas. Ademais, a indigência do programa apresentado na campanha eleitoral torna árdua a comparação entre planos e resultados obtidos.
Esta Folha publicou no domingo (16) um balanço da evolução de indicadores econômicos, sociais, institucionais e ambientais no primeiro ano de mandato do presidente —que expõem um quadro, sem dúvida, desolador.
Cumpre apontar, decerto, que muitos dos dados desfavoráveis derivam de erros de gestões passadas. A ruína orçamentária herdada por Bolsonaro, em particular, está associada a deficiências nas ações de educação e saúde, à paralisia do salário mínimo e à escassez de obras públicas.
Do mesmo modo, parte dos avanços também representa continuidade de processos que já estavam em curso, como o controle da inflação, o corte dos juros, a criação gradual de vagas no mercado de trabalho e a queda dos homicídios.
Importa identificar, assim, o que o governo faz de concreto para enfrentar os desafios inescapáveis —a estagnação da renda nacional e a iniquidade em sua distribuição, o Estado ineficiente e em situação falimentar, o atraso no ensino, as taxas alarmantes de violência.
O saldo, até aqui, está longe de animador. A área econômica permanece a única que reúne quadros qualificados, conhecimento acumulado e alguma coerência programática. Mesmo assim, a capacidade operacional e política de levar adiante a ambiciosa agenda pós-reforma da Previdência ainda está por ser demonstrada.
Nos setores entregues à linha-dura bolsonarista, o desmonte predomina. A administração tem sido capaz de sabotar políticas públicas de que não gosta em educação, cultura, meio ambiente e relações exteriores, mas não de substitui-las por alternativas viáveis ou ao menos compreensíveis.
Não é preciso, por exemplo, discordar das ideias de Abraham Weintraub, titular do MEC, para notar sua inépcia escancarada no vaivém de subordinados e em propostas natimortas. Tampouco se pode dissociar a ofensiva antiambiental do ministro Ricardo Salles da piora aguda da imagem do país.
O despreparo e a desarticulação se fazem perceber, ademais, na quantidade anômala de decretos, projetos e medidas provisórias que morrem no Congresso Nacional ou no Poder Judiciário, por vício jurídico, inadequação técnica ou falta de diálogo político.
O que se tem, pois, é governo de menos. Tratando-se de Bolsonaro, esse talvez seja o menor dos males.
Síria versus Turquia – Editorial | Folha de S. Paulo
Confronto em torno da cidade de Idlib gera nova catástrofe humanitária na região
Depois dos massacres de civis, dos ataques com armas químicas, dos bombardeios de escolas e hospitais, das múltiplas levas de refugiados e da destruição de cidades históricas, a guerra da Síria continua produzindo tragédias.
O confronto das tropas do ditador Bashar Al-Assad, apoiado por Rússia e Irã, com rebeldes aliados à Turquia na província de Idlib, último bastião resistente ao regime, resulta em catástrofe humanitária.
De acordo com a ONU, quase 900 mil sírios, a maioria mulheres e crianças, abandonaram a região desde o fim de 2019. Apenas nas duas últimas semanas, mais de 150 mil foram forçados a deixar suas casas.
Trata-se, em muitos casos, de pessoas que já haviam fugido uma ou mais vezes da barbárie instaurada pelos nove anos de guerra, que arruinou a economia e a infraestrutura daquele país e deixou um saldo em torno de 500 mil mortos.
Os deslocados seguem para o norte, rumo à fronteira com a Turquia. Lá, no entanto, se deparam com um cenário desolador. Sem campos com estrutura suficiente para receber todas as famílias, muitas são obrigadas a dormir ao relento. O inverno rígido dessa época do ano, com neve e temperaturas que chegam a 0ºC à noite, torna a experiência ainda mais atroz.
Desde dezembro, as forças de Assad promovem campanha para reconquistar Idlib —investida que, nas últimas semanas, vem opondo diretamente Síria e Turquia.
Embora seja considerada uma zona de distensão militar, a área foi invadida pelos turcos no final do ano passado. Com a iniciativa, o presidente Recep Tayyip Erdogan busca isolar os curdos do local daqueles que participam há décadas de uma feroz disputa separatista.
Do lado sírio, o assalto a Idlib tem sido bem-sucedido. Na semana passada, o exército retomou uma importante rodovia, que liga o norte ao sul do país, após anos sob controle rebelde. Na medida em que avança, a frente de Assad entra em combate com forças turcas.
Não obstante os enfrentamentos, Damasco e Moscou parecem apostar que, ao fim e ao cabo, Erdogan preferirá conter-se e preservar seu relacionamento com o líder russo, Vladimir Putin, a se envolver num confronto total na Síria.
A multidão de desesperados que ora se espreme na fronteira com a Turquia, porém, constitui lembrete sombrio de que, mesmo que o conflito armado venha a terminar em breve, suas sequelas humanas ainda perdurarão por muito tempo.
Coronavírus contamina a economia – Editorial | O Globo
Executivo e Congresso não podem menosprezar efeitos da redução de velocidade da economia chinesa
Circule ou não no Brasil, o coronavírus atinge o país por meio da economia. A China, maior parceiro comercial brasileiro — compra 28% de tudo que é exportado —, terá seu crescimento reduzido este ano, por inevitável. Há estimativas diversas. O certo é que não deverá repetir os 6,1% do ano passado,
A evolução mais lenta do seu PIB, o segundo maior do mundo, implica algum arrefecimento nas importações chinesas. Muito da exportação da soja, por exemplo, já teria sido contratada quando a epidemia começou a ser noticiada, no final de janeiro/início de fevereiro, o que levou ao bloqueio de Wuhan e de outras cidades na província de Hubei. Mas, mesmo a depender de muitas variáveis, não se duvida de que a queda no consumo interno chinês e a redução dos negócios em geral afetarão o crescimento mundial.
Não se trata apenas da soja. A economia chinesa é mais de quatro vezes maior do que era 2002/3, na epidemia da Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave). Importa mais e exporta mais. Por isso, linhas de montagem pelo mundo afora já começaram a enfrentar o problema da falta de componentes produzidos na China.
As indústrias automobilística e de produtos eletrônicos em geral, por exemplo, são atingidas de forma mais direta.
Os mercados na Ásia subiram ontem, depois que o Banco Central chinês cortou a taxa de juros cobrada em uma linha de empréstimo interbancário de médio prazo, de US$ 28,6 bilhões. Medida clássica para se contrapor à redução do crescimento.
Enquanto isso, analistas passam a rever para baixo as estimativas de crescimento mundial. No domingo, a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, disse que, “por enquanto”, a estimativa do Fundo de uma expansão de 3,3% pode ser cortada em 0,1 ou 0,2 ponto percentual. Porém, não quis tratar os números como projeções, mas “cenários”. A única certeza é que algum dano haverá, mas muito em função do tempo com que a China reabrirá fábricas e entrepostos.
Para o caso de o coronavírus circular no Brasil, o Ministério da Saúde, com sua estrutura de laboratórios, tem articulado uma coordenação com as secretarias estaduais para administrar o problema.
Mas é preciso pensar na economia, e os parlamentares também devem incluir em sua agenda esta questão. Em uma situação dessas, potencialmente grave, governo e Congresso têm de atuar de maneira coordenada. É o que exige este momento, em que a economia emite sinais ainda fracos de recuperação.
Uma resposta adequada às incertezas é o Planalto e o Congresso tratarem de ativar a tramitação das reformas. A administrativa estaria pronta para ser enviada. Há outras já no Legislativo.
As reverberações que a epidemia já provoca na economia global, com reflexos previsíveis no Brasil, precisam tirar o Executivo e o Legislativo da letargia.
Furto de estátua histórica na Glória é símbolo de um Rio abandonado – Editorial | O Globo
Falta de zelo com monumentos públicos é apenas parte do desleixo com a conservação
Parte de um monumento histórico localizado na Glória, a estátua de D. Rosa Paulina da Fonseca, mãe do marechal Deodoro da Fonseca, proclamador da República e primeiro presidente do Brasil, sempre foi um símbolo do regime instaurado em 15 de novembro de 1889. Agora, passa a ser também um símbolo do abandono a que o Rio foi relegado. A peça em bronze, com cerca de dois metros de altura e pesando quase meia tonelada, foi arrancada e levada, sabe-se lá quando ou por quem.
Não se deveria esperar tamanho desleixo em se tratando de um monumento que guarda os restos mortais de Deodoro da Fonseca. E que é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) — vê-se que a proteção de pouco adiantou. E também porque o sinal de alerta já havia sido disparado: placas de bronze com figuras históricas tinham sido furtadas de sua base em 2017. Mas, como o poder público não parece ter se incomodado, saqueadores se acharam no direito de dar prosseguimento à pilhagem. E não se imagina que alguém tenha chegado ali e arrancado a estátua. Pelo tamanho e peso, provavelmente usou-se um guindaste, ou algo do tipo, para remover a peça. Isso em plena região central. Lembra o sumiço das vigas da Perimetral, levadas sem deixar rastro.
O furto da estátua de D. Rosa Paulina da Fonseca por si só é absurdo, mas o desatino é ainda maior, à medida que não é caso isolado. Ex-capital federal, segunda maior cidade do pais, o Rio trata com desprezo seus monumentos. Os exemplos do descaso estão por toda parte. Em Vila Isabel, a escultura em homenagem a Noel Rosa, maior ícone do bairro, foi totalmente depredada. Da cena do compositor sentado à mesa de um bar, no início do Boulevard Vinte e Oito de Setembro, pouco restou.
Na Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, a escultura “Menina dos balões encantados” equilibra-se no que sobrou de furtos sucessivos. Já na Praça do Russel, na Glória, ladrões serraram e levaram a estátua “Os Escoteiros”, deixando apenas os pés como testemunha. A peça foi encontrada posteriormente na Marina da Glória, mas estava mutilada.
A bem da verdade, deve-se dizer que os monumentos não são as únicas vítimas do descaso do poder público com os cariocas. A vizinhança dessas esculturas compartilha o mesmo abandono — como toda a cidade. A Praça Paris, na Glória, é um retrato desse desapreço com a conservação. Grama alta, luminárias quebradas, nada que lembre a Cidade Luz que lhe dá nome. Ontem, funcionários da prefeitura estiveram no monumento a Deodoro da Fonseca e fizeram a capina do entorno. Como se isso aparasse o vexame.
A aposta no consumo – Editorial | O Estado de S. Paulo
As famílias estão mais animadas para consumir, segundo a Pesquisa de Intenção de Consumo das Famílias da Confederação Nacional do Comércio (CNC), e essa é a melhor novidade, neste momento, no quadro econômico. O indicador de intenção de consumo atingiu 99,3 pontos em fevereiro, o nível mais alto desde abril de 2015, quando a economia começava a afundar na recessão. Depois de uma queda no fim do ano, quando caíram vários dos principais indicadores econômicos, o consumo pode estar em recuperação, de acordo com o relatório da confederação, divulgado ontem. Mas é preciso torcer por uma recuperação realmente forte: só isso, a julgar pelo andamento da política econômica, poderá dar um empuxo mais sensível aos negócios e, de modo especial, à produção de bens e serviços. No ano passado, o consumo cresceu 1,8%, mas esse movimento foi insuficiente para dinamizar a indústria de transformação. A fabricação de bens de consumo aumentou apenas 1,1% em 2019, enquanto a de bens intermediários diminuiu 2,2% e a de bens de capital caiu 0,4%.
Renda atual, acesso ao crédito e nível atual de consumo são alguns dos itens positivos apontados pelos consumidores na pesquisa. A satisfação indicada em relação aos três itens foi maior que a do mês anterior e a de fevereiro do ano passado. As avaliações de emprego atual e perspectiva profissional foram melhores que as de janeiro, mas inferiores às de um ano antes.
O indicador de intenção de consumo foi obtido a partir da combinação de vários indicadores parciais. O índice de intenção de consumo, de 99,3 pontos, 1,2% superior ao de janeiro, foi alcançado depois de duas quedas mensais. O índice mais amplo, de perspectiva de consumo, chegou a 100,3 pontos, superando ligeiramente a linha divisória (100) entre os territórios positivo e negativo.
Vendas no varejo, produção industrial e oferta de serviços marcaram o mês de dezembro com resultados negativos. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), apelidado de prévia do Produto Interno Bruto (PIB), também recuou no fim do ano. Analistas do mercado reagiram a essas notícias diminuindo suas projeções de crescimento econômico para 2020.
Em uma semana o crescimento do PIB estimado para este ano passou de 2,30% para 2,23%, segundo a pesquisa Focus publicada pelo BC nesta segunda-feira. A expansão prevista para o produto industrial foi mantida em 2,33%, avanço muito modesto depois do recuo de 1,1% em 2019, número divulgado na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Aqueles 2,23% estimados para o PIB são, de fato, a mediana das projeções. Economistas de algumas grandes instituições financeiras anunciaram estimativas bem menores, depois de conhecidos os números parciais de dezembro e o IBC-Br. Houve caso de projeção reduzida de 2,3% para 2%.
Não está claro se a queda dos indicadores da indústria, do varejo e dos serviços, em dezembro, foi apenas uma acomodação temporária. A piora dos números pode ser sinal de algo mais grave, uma perda de fôlego dos negócios. A redução das expectativas de crescimento em 2020 parece indicar uma séria preocupação diante daqueles dados. Uma acomodação temporária poderia ser compensada por uma retomada do impulso nos meses seguintes, mas essa hipótese parece ter sido pouco valorizada.
Se os fatos confirmarem a intenção de consumo apontada pela pesquisa da CNC, talvez o quadro geral se torne mais positivo. Não se pode esperar grande impulso do investimento empresarial, porque a capacidade ociosa no setor privado ainda deve ser muito ampla. Além disso, os dirigentes de empresa precisam de maior segurança para gastar em máquinas, equipamentos e instalações. A área de infraestrutura deve continuar em marcha lenta, porque falta dinheiro ao setor público e as concessões dificilmente resultarão em obras a curto prazo. Por um bom tempo, o empuxo terá mesmo de vir do consumo, até porque as exportações industriais têm andado muito fracas.
As preocupações da ONU – Editorial | O Estado de S. Paulo
A dez anos do prazo para a realização dos seus Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o estado de espírito, por assim dizer, da ONU é de uma apreensão moderadamente otimista. A julgar por seus relatórios econômicos e sociais, a ONU está apreensiva porque, “entre prolongadas disputas comerciais e vastas incertezas políticas, a economia mundial viu uma deterioração significativa e ampla ao longo do último ano” e porque megatendências como a inovação tecnológica, as mudanças climáticas, a urbanização e a imigração têm contribuído para aumentar as desigualdades. Por outro lado, está otimista, porque essas tendências não são fatais: a combinação de políticas domésticas e cooperação internacional pode canalizá-las a favor de um mundo mais sustentável e equânime.
O crescimento do PIB mundial em 2019 não só foi o mais baixo desde a crise de 2008, como há uma insatisfação crescente com a qualidade social e ambiental desse crescimento. Os altos e baixos das tensões comerciais e tarifárias abasteceram incertezas políticas, desidrataram investimentos e fizeram com que o crescimento do comércio fosse o menor em uma década.
A política monetária pós-crise financeira parece ter atingido seus limites. A médio prazo o crescimento da produtividade deve permanecer baixo. E os riscos podem se intensificar, a depender das disputas comerciais, dos atritos geopolíticos e dos impactos climáticos. “Compostos pelo aprofundamento da polarização política, do crescente ceticismo sobre os benefícios do multilateralismo e do espaço limitado de políticas globais, esses difíceis contraventos de curto prazo têm o potencial de infligir danos severos e duradouros”, diz o Departamento de Questões Econômicas da ONU.
Os desafios imediatos são amplificados quando se constata que desde 1990 a desigualdade cresceu na maioria dos países de renda alta e média, cobrindo mais de dois terços da população global. A boa notícia, por outro lado, é que na América Latina, África e Ásia a desigualdade, em geral, declinou.
Nesse aspecto, a revolução tecnológica tem imenso potencial de impacto – para o bem ou para o mal. Contrárias ao temor generalizado, as evidências mostram que os avanços tecnológicos não têm causado desemprego em massa. Mas têm, sim, afetado desproporcionalmente os trabalhadores menos qualificados. Ademais, os ganhos têm sido capturados por um pequeno número de empresas. A tendência é que eles promovam mais polarização e desigualdade de renda na força de trabalho, a menos que se invista mais em capacitação, em apoios às transições profissionais e na eliminação das divisões tecnológicas entre os países.
Pela primeira vez na história a população urbana é maior que a rural. As cidades catalisam crescimento econômico, inovação e emprego, mas são mais desiguais do que o campo. Um em cada quatro habitantes de cidades vive em favelas. Na redução da desigualdade urbana, a ONU destaca quatro ações: assegurar direitos de moradia; melhorar o transporte público; promover acesso ao emprego; e fortalecer as administrações locais.
A imigração simboliza a desigualdade global, mas pode ter um papel na sua redução, especialmente se os imigrantes forem incentivados a reverter parte de seus ganhos de capital e conhecimento para seus países de origem.
Essas megatendências, enfim, podem trazer ganhos distributivos se administradas a partir de três “blocos de construção”: a promoção do acesso às oportunidades; políticas econômicas voltadas para a distribuição equitativa de renda; e programas de inclusão de grupos desfavorecidos.
Em meio a uma agenda de reformas, o Brasil tem a oportunidade de consolidar tais blocos em sua reconstrução. Contudo, “nenhum destes temas pode ser abordado unilateralmente”, alerta a ONU. “Embora o sistema multilateral precise de ajustes, os desafios globais atuais pedem que seja antes fortalecido do que dispensado por completo.”
A multiplicação dos partidos – Editorial | O Estado de S. Paulo
Não é apenas o presidente Jair Bolsonaro que deseja criar seu próprio partido, o Aliança pelo Brasil. Há dezenas de legendas tentando obter registro na Justiça Eleitoral, como o Partido Alternativo do Trabalhador, o Partido Carismático Social, o Partido da Educação Brasileira, o Partido da Frente Favela Brasil, o Partido das Sete Causas, o Partido Nacional Corinthiano, o Partido Nacional Indígena e o Partido Pirata do Brasil. Ao todo, são 77 partidos em formação, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
É um número excessivo, tendo em conta que já existem 33 partidos em funcionamento. Caso esses grupos cumpram todos os requisitos legais e seja autorizada a pretensão de todos eles, o Brasil terá 110 partidos, verdadeira aberração. Em vez de indicar vitalidade democrática, a centena de legendas demonstraria o fracasso de um sistema político-partidário, incapaz de reproduzir de forma minimamente funcional os interesses e posições ideológicas existentes na sociedade.
Certa vez, o presidente Michel Temer, com a experiência de quem participa da vida político-partidária brasileira desde a década de 80, admitiu à revista The Economist: “O Brasil não tem partidos, só siglas”. A essa mesma conclusão se chega quando se veem 77 grupos tentando o registro no TSE. Não são 77 partidos, são 77 siglas.
Os partidos não são dispensáveis numa democracia representativa. Em boa medida, a qualidade de uma democracia depende da vitalidade dos partidos. E essa realidade é reconhecida expressamente pela Constituição de 1988, que define a filiação partidária entre as condições de elegibilidade. Acertadamente, a Carta Magna excluiu a possibilidade de candidaturas avulsas. Formou-se aqui, afinal, uma democracia representativa e não uma democracia direta.
A importância dos partidos para a democracia não se baseia na suposição de que os partidos seriam agrupamentos de pessoas idealistas, que buscam altruisticamente o interesse público. Nada mais distante da realidade. As legendas são importantes para a democracia na medida em que representam e defendem interesses concretos dos diversos grupos sociais. Elas cumprem seu papel democrático ao defender séria e responsavelmente os interesses de seus apoiadores, com propostas e projetos que expressam tais interesses.
O problema dos partidos não é a defesa intransigente dos interesses de seus apoiadores. A questão é outra. Em sua imensa maioria, as legendas não têm ideário e tampouco consistência programática e ideológica. Elas não defendem interesses comuns de seus membros nem foram criadas para isso. Com raríssimas exceções, os partidos são obra de seus caciques, e sua razão de existir é simplesmente servi-los. Tal diagnóstico é confirmado tanto pela baixa renovação das lideranças partidárias como pelas sete dezenas de partidos em formação. No Brasil, ter um partido é um bom negócio.
A democracia precisa dos partidos políticos, mas não porque eles sejam obras de caridade. Eles são agrupamentos de pessoas que defendem seus interesses e, por meio dessa defesa, expressam e realizam o caráter coletivo da política. Todo o poder emana do povo e entre as muitas consequências desse princípio está o fato de que o exercício do poder tem sempre uma dimensão coletiva, envolvendo interlocução, discussão, convencimento, negociação, compartilhamento de ideias, propostas e sonhos. Essas etapas da vida política desenvolvem-se diretamente nos partidos.
A Constituição de 1988 estabelece que “é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana”. Além disso, fixa preceitos como o caráter nacional e o funcionamento parlamentar de acordo com a lei. Que a Justiça Eleitoral esteja atenta: há liberdade para criar partidos políticos, não para multiplicar siglas. O regime é democrático, e não feudal.
Aposta de gastos menores no setor financeiro – Editorial | Valor Econômico
Só em 2019, os brasileiros pagaram aos cinco maiores bancos cerca de R$ 29 bilhões em tarifas de pacotes e serviços de conta corrente
O Banco Central (BC) prepara uma série de mudanças no sistema financeiro tão importantes que devem afetar o balanço dos bancos nos próximos anos. Já há quem diga que os banqueiros terão saudades dos últimos anos. Uma prévia dos resultados de 2019 publicada pelo Valor contabilizou um lucro líquido recorde de R$ 86,6 bilhões com a consolidação dos números dos quatro grandes - Itaú Unibanco, Banco do Brasil (BB), Bradesco e Santander. O bottom line é 18,4% maior do que o registrado em 2018, apesar de a economia continuar se arrastando e de o desemprego ainda estar elevado. A expansão de linhas mais rentáveis de crédito, receita com tarifas e o ajuste das despesas explicam o resultado.
Os próximos balanços devem mostrar um quadro diferente. Não só o juro básico caiu para mínima histórica, reduzindo o ganho real dos bancos, mas também o cheque especial ganhou um colete de força em 8% ao ano, o cadastro positivo saiu do forno e os impostos devem subir. A avaliação é que principalmente o aumento da concorrência vai dificultar a repetição desses números esplendorosos de 2019.
Um conjunto de medidas deve intensificar a competição, não só entre os grandes bancos, mas estimulando a expansão das fintechs. Até o fim do ano deve estar em funcionamento o Pix, sistema de pagamentos instantâneos que o BC está montando para funcionar 24 horas por dia. Segundo os bancos, o sistema permitirá enviar e receber dinheiro em dez segundos.
O Pix realizará a transferência instantânea de valores entre contas, eliminando ganhos dos bancos. No sistema atual, nem mesmo uma operação com cartão de débito resulta em dinheiro em conta imediatamente, embora o dinheiro saia imediatamente da carteira do pagador. Os custos também serão reduzidos para quem paga e quem recebe.
A mudança mais significativa deve ser provocada pelo open banking, a ser implantado até o fim de 2021, que vai promover o compartilhamento entre as instituições financeiras, inclusive bancos pequenos e fintechs, de informações sobre clientes e suas transações.
O receio chega ao ponto de alguns players já terem reclamado que o cronograma do open banking é apertado demais e terem defendido a ampliação do prazo de sua implantação. Fontes ouvidas pelo Valor explicam que o problema não é a primeira etapa, que deve entrar em vigor no segundo semestre, com o compartilhamento de dados sobre canais, produtos e serviços. A preocupação é com a fase seguinte que engloba a troca de informações sobre cadastro de clientes e transações, em consequência dos protocolos de segurança e de questões técnicas envolvendo a padronização da linguagem das instituições financeiras.
Em entrevista ao Valor, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, procurou acalmar os bancos dizendo que as mudanças propostas vão ampliar a inclusão financeira de modo que poderão ter uma fatia menor, mas de uma torta maior.
Outras novidades importantes para o mercado financeiro estão sendo preparadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Uma delas é a revisão das regras de negociação de ativos mobiliários, que pode viabilizar o surgimento de novas bolsas, além da B3. Serão reavaliadas também as normas das ofertas públicas, com vistas ao acesso para pequenas empresas. Também nesse caso, as propostas levam em conta a demanda de transparência e compartilhamento de informações para estimular a concorrência. O pano de fundo é um cenário de maior presença da pessoa física no mercado.
O Brasil já teve mais de uma bolsa no passado, o que nem sempre acarretou maior benefício para o investidor. As bolsas acabaram se fundindo por razões econômicas, com resultado positivo em seus balanços, mas não necessariamente para os clientes. Na atual onda de mudanças é importante que os reguladores fiquem atentos às repercussões para os consumidores dos produtos financeiros. Só em 2019, os brasileiros pagaram aos cinco maiores bancos cerca de R$ 29 bilhões em tarifas de pacotes e serviços de conta corrente. Até mesmo algumas das fintechs exigem fidelidade extrema em troca das recompensas oferecidas, e chegam a despertar alguma desconfiança.
Analistas importantes como a Standard & Poor’s (S&P) avaliam que o grandes bancos estão bem preparados para defender sua posição frente às fintechs nas frentes da tecnologia, regulação, indústria e preferência do consumidor.
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