- Folha de S. Paulo
Debate mistura problemas de implementação com questões de mérito
O vencimento da medida provisória que cria a identidade estudantil do MEC e a visita de músicos sertanejos ao presidente Bolsonaro pedindo o fim da meia-entrada trouxe outra vez para o debate público a pertinência desta política pública.
O debate, importante, infelizmente está viciado, misturando problemas de implementação com questões de mérito.
Ao contrário do que dizem alguns críticos, não são nem produtores nem artistas quem paga o benefício da meia-entrada. A meia-entrada é uma política de subsídio cruzado na qual adultos que ganham mais subsidiam o desconto para jovens e estudantes que estão em idade de formação educacional e cultural e têm menos renda.
Exibidores de cinema ou casas de show calculam o preço do ingresso a partir de uma estimativa dos pagantes do preço cheio e dos pagantes com meia-entrada --o que faz com que o preço cheio suba um pouco em relação ao que seria um preço uniforme sem descontos. Assim, ao pagarem uma espécie de sobrepreço, os adultos cobrem a meia-entrada oferecida aos jovens.
A medida faz muito sentido, porque 62% dos jovens com menos de 24 anos não trabalham (sobretudo os adolescentes com menos de 17 anos, 89%) e, portanto, recebem apenas mesada, que é uma pequena fração da renda dos pais. Já os jovens que trabalham, ganham menos da metade do que ganham os adultos (R$ 1.135 contra R$ 2.487 dos adultos entre 25 e 59 anos, segundo dados da Pnad). Como têm muito menos renda e estão em idade de formação, é justo que os adultos subsidiem o seu acesso à cultura.
Essa discussão de mérito não deveria se misturar aos erros de implementação.
Em vez de oferecer o desconto aos jovens por idade, uma condição fácil de aferir pela aparência e por meio de um documento oficial como o RG, a legislação condicionou o desconto ao estatuto de estudante, apenas para garantir uma fonte de financiamento para entidades estudantis há muito tempo controladas pelo PCdoB. Além disso, novas leis concederam descontos para outras categorias, como idosos, professores e doadores de sangue.
Essa ampliação das categorias que recebem descontos, somada às fraudes com as carteirinhas estudantis, tornou muito complicada a precificação e, em alguns casos, transformou o pagamento do preço cheio em exceção.
Mas os erros de implementação --que devem ser corrigidos-- não deveriam comprometer o mérito da política e tirar dos jovens o direito a pagar menos para ter acesso à cultura. Trata-se de uma política consolidada, justa, razoável e amparada por evidências.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário