- Valor Econômico (13/3/2020)
Foi-se a ideia de tentar encolher o governo: os gastos totais aumentarão de 39,3% do PIB para 40,7% em 2024-2025. Foi-se a ideia de impostos baixos. Foi-se o objetivo de orçamento equilibrado: a captação do setor público subirá de 1,8% para 2,2% do PIB
Rishi Sunak, ministro das Finanças do Reino Unido há menos de um mês, fez exatamente aquilo para o que foi indicado pelo primeiro-ministro Boris Johnson. Cumpriu o compromisso de elevar o gasto governamental, em especial, os investimentos, e o de “equilibrar” a situação nas regiões do país mais atrasadas economicamente. Também arquitetou uma reação sensata contra o coronavírus.
O fato de esta estrela conservadora em ascensão ser um filho brilhante de imigrantes indianos mostra a tradicional incorporação de novos talentos pelo partido. Tal flexibilidade fica ainda mais visível no repúdio que se vê no novo orçamento britânico ao que o partido defendeu nos governos de David Cameron e George Osborne. Saíram de cena a austeridade e o Estado mínimo: agora, este é o partido dos altos gastos e do Estado grande. Seu programa é o “nacionalismo de bem-estar social”.
Acertadamente, o ministro começou com a covid-19. Ele ressaltou a alta coordenação com as bem-vindas medidas do Banco da Inglaterra, autoridade monetária do país. Há certas coisas, no entanto, que apenas um governo pode fazer. O Estado é o protetor e garantidor de última instância. Uma pandemia é precisamente o tipo de situação para a qual o Estado existe. Sunak prometeu ao Serviço Nacional de Saúde britânico “quaisquer recursos extras” necessários. Graças aos céus, o Reino Unido, assim como outros países civilizados, reconhece que a saúde é um bem público de suma importância. Nunca deveríamos esperar que pessoas se recusem a ir ao médico ou ao hospital por falta de dinheiro, em especial durante epidemias de doenças altamente contagiosas.
No total, Sunak anunciou a disponibilidade de 7 bilhões de libras esterlinas para auxiliar empresas e pessoas físicas, 5 bilhões de libras para o Serviço Nacional de Saúde e outros departamentos públicos e 18 bilhões de libras adicionais em afrouxamento fiscal para dar sustentação à economia, somando 30 bilhões de libras (US$ 38,5 bilhões). Essas quantias representam um afrouxamento fiscal total em torno a 1,5% do PIB.
Ninguém sabe se esse dinheiro será suficiente. Ninguém sabe que rumo a doença vai tomar. Ninguém sabe até que ponto vai prejudicar a economia. Sunak está certo ao dizer que o choque será “temporário”. Um choque temporário, porém, pode ter efeitos prejudiciais permanentes se a reação não for forte e persistente o suficiente. O governo de coalizão de 2010 a 2015 não foi o único, infelizmente, a não ter percebido isso depois da crise financeira mundial de 2008. O que se espera é que este governo tome as ações econômicas e sanitárias necessárias para guiar o país do melhor modo possível durante este choque.
Embora a epidemia de coronavírus seja a preocupação imediata, a característica mais marcante na nova abordagem do governo está descrita de forma bem direta pelo Gabinete de Responsabilidade Orçamentária (OBR): “O governo propôs o maior afrouxamento fiscal sustentado desde o orçamento pré-eleitoral de março de 1992 [...] Em relação a nossa projeção básica prévia às medidas, as decisões de política econômica do governo aumentam o déficit no orçamento em 0,9% do PIB em média nos próximos cinco anos, adicionando 125 bilhões de libras (4,6% do PIB) à dívida líquida do setor público até 2024-2025”.
Foi-se a ideia de tentar encolher o governo: segundo o OBR, os gastos administrados totais aumentarão de 39,3% do PIB em 2018-2019 para 40,7% em 2024-2025. Foi-se a ideia de impostos baixos: a atual arrecadação do setor público passará de 37,5% para 38,5% do PIB no mesmo período. Foi-se o objetivo de orçamento equilibrado: a captação do setor público subirá de 1,8% para 2,2% do PIB. Foi-se, também, a meta de reduzir a dívida líquida: cairá de 80,6% do PIB em 2018-2019 para 75% em 2021-2022, mas a partir daí se estabilizará.
Trata-se de uma mudança de rumo notável. O governo provavelmente conseguirá cumprir suas metas públicas do atual orçamento, quanto à elevação do investimento líquido e à proporção entre juros da dívida e arrecadação. Mas não cumprirá nenhuma das três metas que foram transformadas em lei.
O ministro, acertadamente, anunciou uma revisão do arcabouço fiscal. A grande decisão, no entanto, já foi tomada: em tempos de taxas de juros reais baixíssimas, faz sentido que o governo capte dinheiro para gastar, em especial, em investimentos. Venho argumentando a favor disso há dez anos. A decisão de reduzir os investimentos logo depois da crise financeira foi um caso clássico de estupidez no que se refere a medidas do Tesouro.
Agora, que o Reino Unido está perto do pleno emprego e ostenta um grande déficit em conta corrente, o momento para elevar os investimentos de forma acentuada não é mais o ideal. Ainda assim, é um risco que vale a pena assumir, desde que o dinheiro seja bem gasto. Sim, as taxas de juros podem subir e o acesso a financiamento, tornar-se mais difícil, como o OBR destaca. Mas esses riscos deveriam ser administráveis.
O impulso representado pelos gastos adicionais - em saúde, educação, pesquisa científica, inovação e infraestrutura - é bem-vindo. Ainda assim, nada disso parece ter grandes chances de mudar as perspectivas econômicas no curto prazo. Projeta-se crescimento médio de apenas 1,4% por ano até 2024, praticamente o máximo que seria possível. A expansão fiscal representa um impulso, em grande medida, temporário. Na questão crucial do Brexit, o OBR informa que reduz o PIB potencial em cerca de 2% em relação ao que seria de outra forma.
Quando o Reino Unido sair da transição no fim do ano, os custos vão subir ainda mais, particularmente se, como parece bem possível, nenhum acordo de comércio exterior for alcançado com a União Europeia. Os aspectos nacionalistas da nova agenda do Partido Conservador ainda têm grandes danos por infligir.
Fora isso, talvez o traço mais marcante do orçamento é sua timidez na tributação das emissões de carbono e em qualquer outro aspecto importante da reforma fiscal. O sistema fiscal do Reino Unido é uma bagunça. Precisa de uma remodelação geral. Sunak tem a inteligência para conseguir cumprir a tarefa.
Então, onde estamos agora? Em um ano de temores e incertezas das quais é impossível escapar, é a resposta imediata. Também temos um governo que está seguindo um caminho novo e radical de nacionalismo e bem-estar social, sensato em certos aspectos, mais notavelmente nos gastos e investimentos públicos, mas tolo em outros, mais notavelmente o Brexit.
O ministro, como nos disse diversas vezes, empenhou-se em cumprir a missão dada. Mas há incertezas grandes e preocupantes, algumas externas, algumas autoprovocadas. A missão não está cumprida. Nunca está. (Tradução de Sabino Ahumada).
*Martin Wolf é editor e principal analista de economia do FT
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