Um governo irrelevante – Opinião | O Estado de S. Paulo
O MEC continuará irrelevante, quando é mais necessário. Nada surpreendente. Tudo à imagem e semelhança do chefe
O ministro da Educação,
Milton Ribeiro, disse, em espantosa entrevista ao Estado, que temas como a
volta às aulas em meio à pandemia de covid-19 e a dificuldade de muitos alunos
pobres de acompanhar aulas a distância por limitações técnicas não dizem respeito
ao MEC.
“A lei é clara. Quem tem
jurisdição sobre escolas são o Estado e o município. Não temos esse tipo de
interferência. Se eu começo a falar demais, (governadores e prefeitos) dizem
que estou querendo interferir; se eu fico calado, dizem que se sentem
abandonados”, declarou o ministro.
De fato, a lei é clara: no
artigo 211 da Constituição está escrito que “a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de
ensino”. Ou seja, a interpretação dada pelo ministro Milton Ribeiro ignorou a
obrigatoriedade da colaboração entre os entes da Federação, resguardados os
princípios federativos. O MEC não pode simplesmente lavar as mãos como sugeriu
o ministro. Deve, ao contrário, como parte do governo federal, coordenar-se com
os entes federados para superar tão graves desafios, que prejudicam a educação
brasileira há muitos anos. Se isso não é tema para o MEC, é difícil saber qual
seria a serventia desse Ministério.
Mas a atitude do ministro
Milton Ribeiro não surpreende, num governo cujo próprio presidente da República
frequentemente rejeita as responsabilidades inerentes a seu cargo. O presidente
Jair Bolsonaro vive a dizer, por exemplo, que nada pode fazer em relação aos
esforços para conter a pandemia de covid-19 nos Estados e municípios porque foi
impedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que é uma grossa mentira – mas
muito conveniente.
Dentro da estratégia
demagógica bolsonarista, o presidente tratou a pandemia como coisa sem
importância, e as medidas de isolamento social adotadas pelos Estados como
parte de uma conspiração para prejudicar seu governo. Na verdade, Bolsonaro
queria poder total para ordenar o relaxamento das medidas, em nome de alegados
imperativos econômicos. Quando o STF lhe negou esse poder, por ser
inconstitucional, passou a posar de defensor dos pobres que precisavam
trabalhar e, segundo dizia, estavam sendo impedidos por governadores
inescrupulosos e por juízes inconsequentes.
Agora é a vez dos
estudantes: “Não tínhamos por que fechar as escolas, mas as medidas restritivas
não estavam mais nas mãos da Presidência da República. Por decisão judicial,
elas competiam exclusivamente aos governadores e prefeitos”, declarou
recentemente Bolsonaro.
Em vez de assumir seu papel
como chefe do Poder Executivo federal, responsável pela articulação dos entes
subnacionais e pela negociação com o Congresso especialmente em tempos de
crise, o presidente Bolsonaro preferiu o caminho fácil do populismo e da
irresponsabilidade – que lhe parece natural, dado seu histórico na política.
Age assim tanto em relação à pandemia como em relação a todo o resto: sem ter
qualquer ideia do que é governar e do que pretende para o País, ausenta-se do
debate das grandes questões nacionais e espera viver do lucro eleitoreiro de
ações demagógicas e, no mais das vezes, desimportantes.
É com esse espírito que
trabalha seu ministro da Educação. Na entrevista, Milton Ribeiro disse que “são
o Estado e o município que têm de cuidar disso aí” e “não foi um problema
criado por nós”, referindo-se à desigualdade educacional que afeta estudantes
sem acesso à internet. Ao mesmo tempo, pareceu muito mais preocupado com a
orientação sexual dos alunos, tema que mobiliza a militância bolsonarista nas
redes sociais, do que com seu bem-estar e seu aprendizado em meio à pandemia.
Assim, o MEC – que já está em seu terceiro ministro – continuará irrelevante, justamente no momento em que é mais necessário. Nada surpreendente, num governo em que o Ministério da Saúde se ausenta em plena pandemia e em que o Ministério do Meio Ambiente se omite em meio a queimadas e ao avanço do desmatamento, entre outras barbaridades. Tudo à imagem e semelhança de seu chefe.
Novatos na berlinda – Opinião
| Folha de S. Paulo
Processos de impeachment
contra governadores põem em xeque eleitos com a onda da antipolítica
Até a semana passada, apenas um governador de estado havia sido impedido no Brasil, o alagoano Muniz Falcão, no longíquo 1957.
Hoje, dois chefes estaduais
sofrem processo de impeachment. O caso mais sério é o
de Wilson Witzel (PSC), no Rio de Janeiro, contra quem pesam evidências
contundentes de desvios na área da saúde.
O governador, que já tinha
sido afastado por ordem judicial, teve seu processo de
impedimento aberto pela Assembleia Legislativa por 69 votos a 0 na quarta (23).
Ele faz companhia agora
a Carlos Moisés (PSL), de Santa Catarina.
No dia 17, a abertura do seu processo registrou 33 deputados favoráveis, 6
contrários e 1 abstenção.
A acusação contra Moisés se
estende à vice e diz respeito a um reajuste salarial concedido a procuradores
por decreto, sem aval legislativo.
O que une ambos os episódios
é a origem dos atingidos. Tanto o fluminense quanto o catarinense eram novatos
na política cujas chances eleitorais pareciam desprezíveis no início da disputa
de 2018.
Os dois se elegeram
associados à onda conservadora que acabou por levar
Jair Bolsonaro ao Planalto.
Os governadores
representavam bem duas das forças simbólicas que impulsionaram a maré
bolsonarista. Witzel era juiz, e Moisés usava sua denominação como bombeiro
militar, comandante, para compor o nome apresentado na urna.
Em ambos os casos, além da
derrocada política, há fatores de disputa intestina no bolsonarismo a temperar
os enredos em curso.
Witzel rompeu com o
presidente e se lançou candidato à sua cadeira antes de completar o primeiro
ano de mandato. Ele acusa os órgãos investigativos de perseguição e aponta
Bolsonaro como maior interessado em sua ruína política.
Ao se defender na Assembleia
Legislativa na quarta, o ex-juiz moralista usou argumentos semelhantes aos que ouvia de
adversários no passado: "Se essa Casa aderir ao lavajatismo, não haverá
mais quem possa defender a sociedade".
No caso de Moisés, a
acusação de improbidade surgiu após seu afastamento de Bolsonaro e uma
aproximação com João Doria (PSDB-SP), que se movimenta para concorrer à
Presidência em 2022.
Lideranças ligadas ao
presidente trabalham para que a vice-governadora Daniela Reinehr seja isentada
de responsabilidade e assuma o posto de Moisés se ele for removido.
Outros governantes eleitos
em 2018 como novidade na política também enfrentam agruras no cargo, Romeu Zema (Novo-MG) à frente.
Se tudo isso pode oferecer
alívio para os atores tradicionais, trucidados nas urnas dois anos atrás,
deveria servir também como lição para todos que se desviam da responsabilidade
de governar --e não só para os que surfam na antipolítica.
Trem da alegria
da AGU ficou parado na estação – Opinião | O Globo
Mesmo
suspensa, a promoção absurda de 607 procuradores prova a urgência da reforma
administrativa
Existe o Brasil real: é o país onde a pandemia fez a economia encolher
quase 10%, salários foram cortados, empresas fecharam as portas, houve ondas de
demissões, o desemprego cresceu 28% e atinge quase 13 milhões. E existe um
Brasil paralelo, o Brasil do funcionalismo público: é o país onde nenhum
salário foi cortado, ninguém foi demitido e onde, não fosse uma investigação da
imprensa, 607 procuradores federais teriam sido promovidos, 606 ao topo da
carreira, passando a ganhar R$ 27,3 mil por mês.
O trem da alegria na Advocacia-Geral da União (AGU), resultado de uma
canetada do procurador-geral Leonardo Fernandes na última sexta-feira, só foi
suspenso depois de revelado pelo site Poder360. O episódio, além de revelar a
importância da imprensa profissional, é mais uma prova eloquente — como se
provas ainda faltassem — da necessidade urgente da reforma administrativa. Dos
passageiros do comboio que ficou preso na estação, 303 cumpririam a regra
estapafúrdia que prevê promoções automáticas a cada cinco anos. Outros 303
entrariam no vagão daqueles que, no entender de Fernandes, são dignos de
“merecimento”. Depois das promoções, 93% dos 3.783 procuradores da AGU estariam
no nível mais alto de uma carreira cujo salário inicial, de R$ 21 mil, já os
coloca entre os 2% de maior renda no país.
Em nenhum governo ou empresa, em nenhum lugar do mundo, uma medida
dessas faria sentido. Era tão somente uma manobra artificial para dar aumento a
servidores públicos cujo salário está congelado até o final de 2021 — e cujos
privilégios estão ameaçados pela reforma administrativa. O mais intrigante é
que os procuradores que seriam beneficiados foram excluídos da reforma, pois
são, como os juízes, considerados “membros de poder”.
Fica também claro, pelo episódio, por que não faz sentido excluir de uma
reforma que se propõe a trazer um mínimo de racionalidade à gestão pública
justamente as carreiras que desfrutam os privilégios mais escandalosos. É o
caso, na AGU, dos “honorários de sucumbência” pagos a advogados que vencem
causas em favor do governo. Não há, da parte deles, risco comparável aos da
advocacia privada para justificar a prebenda que custou, em 2019, R$ 590
milhões aos cofres públicos.
O presidente da associação dos advogados públicos chegou a definir as
promoções como “procedimento padrão”. Pior é que são mesmo. A AGU informou que
as realiza a cada seis meses. Assim como todos os privilégios do alto
funcionalismo, promoções por tempo de serviço nada têm de ilegal. A lei precisa
mudar, entre tantos motivos, justamente para barrar esse tipo de absurdo.
Para categorias como juízes ou procuradores, é justo preservar a
estabilidade como garantia contra pressões políticas ou financeiras. Mas todos
os descalabros assegurados pela lei — licença-prêmio, promoções automáticas,
férias de 60 dias, auxílios-paletó, honorários de sucumbência e penduricalhos —
deveriam ser revistos. O episódio ilustra à perfeição por que o Estado
brasileiro precisa da reforma administrativa com urgência urgentíssima.
Alta da inflação é episódica e juros baixos serão mantidos – Opinião | Valor Econômico
Uma política frouxa de gastos não seria vista como
um incômodo por um presidente em busca da reeleição
O Banco Central está confiante de que o galope inflacionário dos
alimentos dos últimos meses mal chegará até o fim do ano e não atravessará o
calendário.
Este é um dos poucos pontos relevantes do Relatório Trimestral de Inflação que não traz a marca das incertezas. O BC está também mais otimista que os investidores em suas projeções para o desempenho da economia no ano que vem - 3,9% ante 3,5% da mediana das instituições consultadas no Focus.
No curto prazo a inflação vai subir e não apenas pela elevação dos preços dos alimentos que, por sinal, já arrefeceu. No trimestre encerrado em agosto, a alta foi de 1,75%, substancialmente menor que os 4,1% do trimestre anterior. Com a volta da mobilidade e redução do distanciamento social, os preços por eles afetados devem se recuperar, caso dos setores de vestuário, alimentação fora do domicílio, passagens aéreas, hotelaria e vários serviços pessoais. Com isso, a inflação, que nos doze meses encerrados em agosto foi de 2,44%, chegará em novembro a 2,85%, pela previsão do BC. Dezembro deve fechar o ano com IPCA de 2,1%, no piso do sistema de metas.
A dinâmica dos preços dos serviços continua deflacionária. Os preços do setor caíram 0,34% no trimestre anterior e 0,84% no trimestre encerrado em agosto. Os reajustes dos planos de saúde foram suspensos em setembro e o preço dos combustíveis, estima o BC, cairão a partir de outubro.
A recuperação econômica foi mais rápida do que o previsto pelo BC, e a contração deste ano será menos intensa (-5%, ante -6,4% da projeção anterior). Com inflação muito baixa e juros ligeiramente negativos, que deverão permanecer assim no médio prazo, a economia ganhará impeto em 2021, com avanço de 4,5% da indústria, 3,7% dos serviços e 3,4% da agricultura. Pelo lado da demanda, o consumo do governo, muito negativo na pandemia, crescerá 3,8%, o das famílias subirá 5,1% e a formação bruta de capital fixo, 3,9%.
O setor externo deve contribuir para a performance positiva, embora com menor intensidade do que faz em 2020. Pelos cálculos do BC, neste ano a demanda interna caiu 6,4 pontos percentuais, mas a externa foi positiva (1,4 ponto). O saldo da balança comercial aumentou mais que o inicialmente antecipado, de US$ 39 bilhões para US$ 45,3 bilhões e deve atingir US$ 52,7 bilhões em 2021. Os investimentos diretos no país, que encolherão para US$ 50 bilhões, terão substancial melhora no ano que vem - US$ 65 bilhões.
Mas todos os cenários estão marcados por alto grau de incerteza. Para o crescimento, o fim das transferências extraordinárias do auxílio emergencial e, em especial, a lenta evolução do emprego pode trazer “restrições à velocidade futura da recuperação da economia”. A pressão sobre os preços, na ausência de algum desastre, será bem comportada, porque a capacidade ociosa geral da economia é grande. Em novo modelo agregado do BC com “estimação bayesiana”, simulações mostram que o hiato do produto ronda os 6%, o que significa que o país pode crescer um par de anos muito acima de sua capacidade sem jogar para cima a inflação. O hiato já era substancial antes da pandemia, dado o crescimento rastejante da economia.
É em parte a magnitude e o intervalo necessário para que esse hiato do produto seja fechado que dão conforto ao BC em asseverar a manutenção, espera-se que por tempo prolongado, das baixas taxas de juros. Em um dos cenários do relatório, em que se mantém a taxa Selic a 2% e o câmbio constante a R$ 5,30 por dólar, a inflação só ultrapassaria o centro da meta em 2022 (3,8%, ante 3,5%).
Mesmo com pressões dos distúrbios na produção, distribuição e venda de bens e serviços na pandemia, a média dos núcleos de inflação não atingiram sequer o piso da meta, de 2% - subiram para 1,97%. A inflação subjacente permanece, segundo o Banco Central, “abaixo dos níveis compatíveis com o cumprimento da meta de inflação no horizonte relevante”, isto é 2021 e em parte 2022.
A prescrição futura, como já constava da ata do Copom, será mantida porque não houve alteração do regime fiscal e as expectativas de inflação seguem bem ancoradas, duas condições que poderiam levar o BC a elevar os juros. O risco mais evidente vem da primeira condição, por iniciativas para romper com o teto de gastos vindas do interior do governo e que teriam apoio de sua nova base, o Centrão. Uma política frouxa de gastos, ademais, não seria vista como incômodo por um presidente em busca da reeleição.
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