O ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, em memorável decisão, definiu,
ontem, por medida liminar, os critérios para destinação de recursos do fundo
eleitoral aos candidatos negros nas eleições municipais deste ano, com validade
imediata, cabendo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definir outros
critérios, se assim entender. Como o presidente do TSE, ministro Luís Roberto
Barroso, tem feito críticas duras ao racismo estrutural e questionado a
sub-representação da população negra nos partidos e casas legislativas, muito
dificilmente a decisão será revertida na sua essência, ainda que os partidos
aleguem falta de tempo para se ajustar aos novos critérios.
A liminar de Lewandowski é
coerente com decisões anteriores sobre o mesmo tema, bem como a jurisprudência
que vem sendo firmada tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) quanto no
Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a adoção de ações afirmativas com critério
racial. No histórico julgamento da ADPF 186, que questionava o programa de
cotas com critério racial na Universidade de Brasília, em 2011, o Supremo
considerou improcedente o recurso apresentado pelo DEM e considerou as cotas
raciais constitucionais. Relator do processo, Lewandowski sustentou que as
cotas da UnB não eram desproporcionais ou irrazoáveis, mantendo a reserva de
20% das vagas para candidatos negros e indígenas. Os demais ministros
acompanharam seu voto por unanimidade.
Na ocasião, Lewandowski
ponderou que o Estado, com o fito de alcançar a igualdade material, deve
desenvolver tanto políticas universais quanto afirmativas. Na mesma linha, o
ministro Marco Aurélio Mello, interpretando a Constituição de 1988, que
promoveu uma verdadeira revisão sobre a questão racial no Brasil, desenhou:
“Pode-se dizer, sem receio de equívoco, que se passou de uma igualização
estática, meramente negativa, no que se proibia a discriminação, para uma
igualização eficaz, dinâmica, já que os verbos “construir”, “garantir”,
“erradicar” e “promover” implicam mudança de óptica, ao denotar “ação”. Não
basta não discriminar. É preciso viabilizar — e a Carta da República oferece
base para fazê-lo — as mesmas oportunidades. Há de ter-se como página virada o
sistema simplesmente principio lógico. A postura deve ser, acima de tudo,
afirmativa.”
A decisão de ontem é
histórica porque sinaliza para a população negra, principalmente os mais
jovens, que a política pode deixar de ser um instrumento do racismo estrutural
no Brasil para ser uma via de ascensão ao poder e uma alavanca para grandes
mudanças na condição social dos negros brasileiros. Como na questão das cotas,
tem esse papel simbólico, além de ser uma política de reconhecimento, de
compensação pela discriminação e de promoção de novas lideranças negras. No
fundo, é quase uma decorrência da política de cotas nas universidades e,
inevitavelmente, acabará chegando formalmente, também, à contratação de
trabalhadores e à composição da direção das empresas.
Por todos esses precedentes, dificilmente as regras estabelecidas por Lewandowski serão derrubadas pelos partidos. Ao contrário, seus dirigentes terão que rever os critérios de distribuição dos recursos, conforme as novas regras, para evitar problemas futuros com suas próprias candidaturas. Segundo Lewandowski, o volume de recursos destinados às candidaturas de pessoas negras deve ser calculado a partir do percentual dessas vagas dentro de cada gênero, e não de forma global. Isto é, primeiramente, deve-se distribuir as candidaturas em dois grupos — homens e mulheres. Na sequência, deve-se estabelecer o percentual de candidatas negras em relação ao total de femininas, bem como o percentual de candidatos negros em relação ao total de masculinos.
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