Entender
resultado das urnas exige mergulho nos dados
Nas
últimas semanas vocês foram inundados com números sobre as eleições municipais.
Fechadas as urnas, no calor da apuração, produzimos uma profusão de análises
apontando vencedores e derrotados. A partir do sobe-e-desce das prefeituras
obtidas por cada partido, generalizamos os resultados e projetamos seus
impactos para a eleição presidencial de 2022. E em geral a história termina aí.
Mas
o Brasil é muito grande e diverso. Entender o que houve em 2020 e tentar
extrair lições para o futuro exige um mergulho nos dados que a maioria de nós
não faz - e mesmo os que desejam fazê-lo, esbarram na baixa qualidade dos
dados.
O TSE até merece elogios por divulgar os dados das votações na unidade mais desagregada possível (a seção eleitoral). O problema é que as planilhas são extremamente pesadas e de difícil manuseio, além de os dados do perfil dos eleitores não serem atualizados periodicamente - o que os torna inúteis com o passar do tempo, pois as pessoas envelhecem, mudam de cidade, continuam estudando e até escolhem trocar de gênero.
Porém,
como muitas cidades brasileiras realizaram o recadastramento biométrico de sua
população recentemente, abriu-se uma breve janela de oportunidade para se
analisar o comportamento do eleitor no microcosmo de cada seção eleitoral
Brasil afora com dados pouco defasados. E quando nos aprofundamos nessa
pesquisa, a realidade se mostra muito mais complexa do que os grandes números
fazem parecer, como pode ser visto nos gráficos a seguir.
Muito
se falou sobre o efeito da pandemia sobre a disposição do eleitor em votar.
Analisando o comparecimento às urnas em Belém e Vitória no primeiro turno,
podemos constatar que o medo de contrair covid-19 pode ter sido a razão para a
alta abstenção na capital do Pará - pois lá houve maior abstenção nas seções
com maior presença de idosos -, mas não em Vitória, onde praticamente não se
observou essa correlação.
Do
ponto de vista da disputa eleitoral, as duas capitais tinham um cenário
bastante parecido: em ambas ex-prefeitos de esquerda (Edmilson Rodrigues, em
Belém, e João Coser, em Vitória) enfrentaram numa disputa apertada com
candidatos apoiados por Jair Bolsonaro - Delegado Federal Eguchi e Delegado
Pazolini, respectivamente.
Quando
comparamos o desempenho dos candidatos bolsonaristas em cada seção eleitoral no
primeiro turno com o nível educacional dos seus eleitores (uma boa proxy para
nível de renda), também chegamos a resultados díspares: na capital paraense o
preferido do presidente foi menos votado nas seções eleitorais com maior
percentual de analfabetos e pessoas com instrução até o ensino fundamental,
enquanto entre os capixabas ocorreu justamente o contrário.
Os
dados de Belém e de Vitória indicam ser precipitado generalizar se houve um
deslocamento da base eleitoral de Bolsonaro dos mais ricos para os mais pobres
em função do auxílio-emergencial.
Entender
o Brasil não é fácil - e dá trabalho.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
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