O
que é bom para a sobrevivência política, é ruim para a reeleição
Um
dos fatores decisivos para o futuro de Bolsonaro é sua relação com o sistema
partidário. Diria que há dois Bolsonaros: o candidato e o institucional. O
primeiro governou até abril, embora desponte em arroubos ocasionais. É uma
persona que mobiliza emoções; ele é reativo à velha, política,
anti-institucional.
O
segundo Bolsonaro é a liderança de um campo partidário que venceu as últimas
eleições. Ocorre que a conversão do primeiro no segundo tem custos. Esta
mutação não ocorreu com nenhuma das lideranças populistas com que Bolsonaro é
comparado: Trump, Orbán, Kackynski.
Bolsonaro ascendeu ao poder sem o apoio de um partido, e se mostrou incapaz de criar um. Trump, por sua vez, conquistou a candidatura através de disputa interna em um partido centenário. E 94% dos eleitores que se declararam apoiadores do partido votaram nele em novembro. O apoio que desfruta mesmo após sua derrota decorre do fato de que Trump gerou ganhos partidários: alavancou o comparecimento às urnas e reverteu perdas junto ao eleitorado latino e negro.
Viktor
Orbán, na Hungria, ascendeu ao poder comandando um partido, o Fidesz, que
tornou-se o maior do país. A agremiação de centro deslocou-se para a direita
radical que já era ocupada por outro partido, o Jobbik. Movimento semelhante
ocorreu na Polônia, onde o PiS, moveu-se do centro para a direita sobre a
liderança de Kaczynski. Ambos partidos são majoritários no parlamento.
Poderá
Bolsonaro reproduzir a estratégia com um bloco com cerca de 175 deputados
(menos de 1/3 da Câmara), do PP, PSL, PL, Solidariedade, Avante, PTB, PROS,
Republicanos)?
O
multipartidarismo brasileiro imprime sua marca nas relações
Executivo-Legislativo: ele exige a formação de coalizões superdimensionadas. Um
chefe do Executivo populista irá se deparar com um sistema institucional que
imporá limites a sua discricionariedade.
As
águas estão voltando ao leito do rio. O presidente sucumbiu à força da
estrutura institucional e não tem apoio na opinião pública para seu
unilateralismo. E a maioria que o elegeu é negativa: forjou-se pela rejeição da
opção rival.
O
fator que permitiu a sobrevivência do Executivo —a formação de uma base
parlamentar— é o que pode levar à perda de seu apelo popular; a negação de sua
persona e suas bandeiras fortes. A política da autenticidade —que é o seu
trunfo— não
sobreviverá quando o líder abraça o que antes renegava.
O
apoio do bloco só existirá se Bolsonaro for popular. Mas o personagem
institucional mata paulatinamente a persona. E esta só será competitiva se a
disputa for fortemente polarizada e a economia não naufragar.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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