- O Estado de S.Paulo
Sufoco fiscal está levando o governo a um notável bate-cabeça
Como indivíduo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, está provando ao mercado que resiste mais a pancadas do que inicialmente se supunha. Mas o que importa para agentes econômicos – a confiança na reputação – foi bastante danificada.
Nem tanto por um presidente errático que só pensa naquilo (reeleição) – isto estava, como se diz em economês, “precificado”. Mas, sobretudo, pela rápida e imprevisível mudança dos dados da realidade que impuseram ao governo uma radical alteração de rumo para adaptar assistencialismo (imperativo imediato político e humanitário) à catástrofe fiscal que o próprio Guedes anunciou (problema que vem de longa data).
Se é que existia anteriormente um rumo claramente definido e sendo implementado. Parece que não havia, além de um conjunto de diagnósticos sobre causas de um país estagnado aliado a frases fortes de efeito eleitoral prometendo “mudar tudo que está aí”. O que se evidencia agora, porém, é a ausência de plano para além da contingência.
Bolsonaro entrou numa armadilha nem um pouco original: obrigado a gastar o que não tem. Está, de fato, tolhido por um orçamento engessado que a falta de vontade e articulação políticas contribuíram para deixar no lugar. Sufocado por uma crise fiscal cujo tratamento depende (sim, é repetitivo) de eficaz movimentação POLÍTICA para superar obstáculos rumo a reformas essenciais, como a tributária e a administrativa.
E pressionado pelo calendário eleitoral dos deputados, já voltados para as eleições municipais, e o dele mesmo, o da reeleição. Nesse ambiente, Bolsonaro se rebela com seus característicos arroubos (“cartão vermelho para quem falar em Renda Brasil”) como quem de repente é confrontado com uma realidade profundamente desagradável: a da situação para a qual não existem saídas mágicas.
Foi essa singela constatação que o levou a esbravejar contra a própria equipe econômica, da qual ele obviamente desconfia que lhe prometeu mais do que seria capaz de entregar. Quer continuar prestando ajuda emergencial, que proporciona excelentes dividendos políticos? Então vai ter de cortar em algum outro lugar. Quer criar um benefício social permanente, para chamar de seu? Então precisa rever outros.
Não se sabe exatamente quanto Bolsonaro ouve do tanto que Guedes fala, mas até aqui o mantra tem sido repetido com ênfase: não haverá furo no teto de gastos. Pode-se chamar investidores internacionais ou detentores de títulos brasileiros de míopes ou abutres (palavra preferida por argentinos, por exemplo), mas é fato que eles estão com a atenção concentrada num só aspecto, que é a questão fiscal.
Vem daí – do acompanhamento da evolução da dívida bruta do País em relação ao PIB, e como a política trata disso – uma outra constatação relevante para a equipe econômica: o principal fiador de sua credibilidade hoje lá fora já não é tanto Paulo Guedes, mas, sim, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. É a supremacia da questão fiscal escrita com letras garrafais.
Como se sabe fartamente, não é um problema técnico, mas de natureza essencialmente política. No sentido de que o governo é obrigado a fazer escolhas, não vai conseguir agradar a todos, e essas escolhas são condicionadas por fatores políticos e acarretam consequências idem. E o principal problema de Bolsonaro parece ser o de ter de tomar decisões.
No espetáculo público que seguiu à decepção do presidente com a ausência de fórmulas mágicas, Bolsonaro e Guedes assumiram, contou Guedes, que um não entende de economia e outro não entende de política. É o tipo de observação engraçada numa conversa de boteco, mas que leva os agentes econômicos, que não acham graça em perder tempo ou dinheiro, a uma conclusão cínica: juntar dois maus entendedores não resulta, eventualmente, em um meio entendedor.
Acaba em desentendimento ao quadrado. Ou se chama rápido o Centrão, que é o que está acontecendo.
*Jornalista e apresentador do jornal da CNN
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