Na metade de seu
mandato, o presidente Bolsonaro abre mão de pilares de sua eleição para tentar
um voo populista mais amplo. Foi eleito em boa parte pelo programa de economia
liberal do hoje ministro da Economia, Paulo Guedes. O eleitorado das grandes
cidades e das capitais, o mercado financeiro, industriais, empresários,
apoiaram o presidente na esperança de que, como admitia não entender nada de
economia, deixaria Guedes dar as cartas.
Muita gente apoiou Bolsonaro também por causa do então juiz Sergio Moro, mesmo
que ele ainda não fosse do governo. O apoio à operação Lava-Jato e ao próprio
Moro sinalizava uma política anticorrupção. Bolsonaro ampliou assim seu
eleitorado, que se resumia aos conservadores mais radicais e às diversas
categorias de militares e policiais que lhe deram nada menos que sete mandatos
consecutivos de deputado federal.
Estes dois temas, o combate à corrupção e o liberalismo econômico, já não fazem
mais parte do núcleo programático de Bolsonaro. Os problemas que seus filhos
enfrentam na Justiça, que se entrelaçam com suas próprias dificuldades, levaram
o presidente a confirmar prematuramente o que queria esconder desse eleitorado
ampliado.
A relação familiar com milicianos pode ser representada por Fabrício Queiroz,
que foi subtenente da Polícia Militar do Rio e tornou-se o braço direito de
Jair e seus filhos, acusado de ser o operador do senador Flávio Bolsonaro num
esquema de “rachadinha” que está sendo investigado.
Queiroz tem negócios de transporte de vans em Rio das Pedras, região do Rio
dominada pela milícia, e foi preso escondido na casa de Atibaia de Frederick
Wassef, advogado de Bolsonaro. Com tantos rolos, teve que abrir mão da fantasia
de combate à corrupção para tentar controlar a Polícia Federal e reduzir os
danos familiares.
Também sua suposta conversão liberal vai aos poucos se revelando inviável
frente a suas convicções mais profundas: Estado autoritário, privatizações
paralisadas, teto de gastos sob risco, reformas limitadas, populismo.
Bolsonaro vai entrar provavelmente na segunda parte de seu mandato abrindo mão
de um pedaço importante do eleitorado que o elegeu, tentando se aproximar dos
setores mais desprotegidos que medem suas escolhas políticas pelos interesses
imediatos que o auxílio emergencial na pandemia veio remediar. Assim como o
Bolsa-Família representava para o PT a chave da popularidade de Lula.
Mas, neste momento, Bolsonaro não tem solução para avançar além do programa
social que virou marca petista, estrategicamente está numa situação muito
difícil. Certamente o presidente Bolsonaro está muito abalado pela
impossibilidade de fazer o Renda Brasil, um Bolsa-Família turbinado. Era sua
grande jogada, porque viu o efeito disso no auxílio emergencial.
Só que há uma diferença brutal, o auxilio de R$ 600 não pode ser replicado
eternamente, atingiu muito mais gente do que o Bolsa Família, e descobriu cerca
de 20 milhões de “invisíveis” que não estavam em nenhum programa social.
Ampliou muito a ajuda do governo, o que se refletiu na popularidade do
presidente, que, no entanto, pode ser abalada pela necessidade de redução para
R$ 300. Bolsonaro, portanto, caiu em uma armadilha que ele mesmo montou, base
da reeleição e da sustentação popular.
Vamos ver agora, a partir da redução do auxílio emergencial, como ficará a
imagem do presidente. Como ficou demonstrado ontem, quando autorizou o senador
Marcio Bittar, relator do Orçamento, a tentar uma solução para um novo programa
social, Bolsonaro não vai abrir mão desse instrumento eleitoral populista que
já se mostrou eficiente desde os governos petistas.
Vai ser difícil encontrar uma saída com qualquer ministro que queira manter um
mínimo equilíbrio fiscal. Pode acontecer na Economia o que aconteceu na Saúde,
onde não conseguiu ministro que fizesse o que queria, e acabou botando alguém
da sua confiança.
O ministro Paulo Guedes já se mostrou flexível diante da pressão política do
presidente, mas parece resiliente em relação às contas públicas. Se a sede de
popularidade for maior do que a de equilíbrio fiscal, Bolsonaro pode até
aumentar sua popularidade em certos setores da população, mas a crise será
brutal. Está num beco sem saída, depois de ter aparecido como o grande
vitorioso desse auxílio emergencial.
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