O
mau uso que ele faz do apoio militar
Qual o sonho de consumo do brasileiro ameaçado pelo vírus que bate à sua porta? Se for inevitável contraí-lo, quer uma vaga de UTI no melhor hospital que existir, medicamentos em profusão, cilindros de oxigênio à farta e uma equipe de sábios doutores e de experientes enfermeiros que cuidem dele em tempo integral.
A
isso a pandemia nos reduziu. A isso que nos reduziu um presidente da República genocida
por natureza que parece ter forte compulsão pela morte, sabe-se lá por quê.
Freud explica, certamente. Assunto para estimular discussões intermináveis
entre psicanalistas das mais diversas escolas.
Seria
o caso também de eles se debruçar, junto com sociólogos, antropólogos e
historiadores, sobre o comportamento até aqui indiferente ou resignado da
maioria dos brasileiros diante do número de mortos pela doença que em breve
superará a marca dos 300 mil. Por que procedemos assim? O que nos move?
Bolsonaro, que tantas vezes desafiou a morte como paraquedista do Exército antes de ser afastado de lá, acusado de conduta antiética, é movido pela falta de compaixão e pelo firme propósito de tirar vantagem de tudo, até de um banho nas águas frias do rio Jordão. Ele, acima de tudo! Os filhos, acima de todos!
Só
muda quando o desespero toma conta de sua alma. Sempre que se vê acuado, apela
às Forças Armadas e finge contar com o seu apoio para governar e, em situação
extrema, ir além – se der, via adoção de medidas capazes de instalar no país um
regime autoritário. Seu compromisso com a democracia é zero.
Se
não a sabota mais do que já faz é porque lhe falta respaldo. Nas eleições de
2018, ele de fato foi o candidato dos militares, preocupados em impedir um
eventual retorno da esquerda ao poder. Nas eleições de 2022, tudo indica que
continuará sendo. Mas se for derrotado, lhe baterão continência à saída,
tchau, e só.
Por
formação, militar é de direita, aprecia armas, trata os subordinados aos berros
e cobra obediência. Mas muitos nos escalões superiores são estudiosos e bons
analistas. Sabem ler o mundo e o país. Sabem que a supressão da democracia
faria do Brasil um pária internacional. E isso eles não querem.
Pária
já é. A nova cepa brasileira do vírus aterroriza os governos da região. Peru e
Colômbia proibiram voos do Brasil. O Uruguai mandou mais doses de vacinas para
a fronteira com o Rio Grande do Sul. Quem vai do Brasil para o Chile fica em
quarentena. Os argentinos impuseram restrições à entrada de brasileiros.
Insensível
ao que se passa ao redor, Bolsonaro usa os militares como espantalho doméstico,
e eles se deixam usar, encantados, como estão, com a volta ao poder, desta vez
pelo voto. Não ligam quando o presidente fala em seu nome como fez, ontem,
outra vez. É coisa de político, desculpam. Bolsonaro proclamou:
“Pode
ter certeza, o nosso exército é verde-oliva e vocês também. Contem com as
Forças Armadas pela democracia e pela liberdade. Estão esticando a corda, faço
qualquer coisa pelo meu povo. Esse qualquer coisa é o que está na nossa
Constituição, nossa democracia e nosso direito de ir e vir.”
E
ao concluir uma das peças mais demagógicas do seu pobre repertório, prometeu:
“Enquanto for vivo, enquanto for presidente, porque só Deus me tira daqui, eu
estarei com vocês”. Estará para quê? Para associar-se ao vírus e dar passagem à
morte? Para destruir a Amazônia? Para pôr a educação ao rés-do-chão?
Engrossa
o caldo dos que à esquerda e à direita querem ver Bolsonaro pelas costas, se
possível antes do fim do mandato. Já foi melhor negócio para o Centrão apoiá-lo
em troca de benefícios. A companhia dele começa a tornar-se tóxica. Um deputado
federal pernambucano, bolsonarista convicto, disse a este blog:
–
Poderemos ir com ele até a porta do cemitério, mas não entraremos.
As
muitas pedras no caminho de Lula até a eleição de 2022
Para
57% dos brasileiros, a condenação dele foi justa
Ora,
dirão os petistas de quatro costados: é natural que uma pequena maioria dos
brasileiros desaprove a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal
Federal, que suspendeu as condenações de Lula e o tornou elegível – afinal, nos
últimos anos, Lula foi alvo de um massacre midiático.
Houve
um massacre. Mas é bom esclarecer que Lula não foi inocentado por Fachin.
Depois de 4 anos, o ministro finalmente concluiu que a Vara Federal de
Curitiba, à época comandada pelo então juiz Sérgio Moro, não era o juízo
natural para julgar Lula. Caberá à Vara Federal de Brasília julgá-lo outra vez.
A reclamação dos petistas advém da descoberta feita pelo Datafolha em pesquisa aplicada na semana passada e só revelada hoje: para 57% dos entrevistados, foi justa a condenação de Lula por Moro, que o sentenciou a 9 anos e 6 meses de cadeia, pena reduzida a 8 anos e 10 meses pelo Superior Tribunal de Justiça.
Para
38%, a condenação foi injusta, e 5% não souberam responder. Em abril de 2018, o
Datafolha quis saber o que os brasileiros pensavam sobre essa mesma questão. Os
resultados foram semelhantes: 54% viram justiça, 40%, injustiça, e 6% disseram
não saber. Lula quer enfrentar Bolsonaro na eleição do ano que vem.
Não
terá vida fácil se a opinião a seu respeito permanecer a mesma. Será alvo de
ataques dos adversários, mas poderá se defender usando os mesmos meios dos
quais se queixa. Bolsonaro o chamará de ladrão. Lula o chamará de genocida. Um
candidato do centro se apresentará como alternativa ao genocida e ao ladrão.
Ainda faltam 19 meses para as próximas eleições. Só torcedor se arrisca a prever o resultado.
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