A
política desastrosa de Bolsonaro para a saúde atrapalha o combate à pandemia,
levando à perda de vidas e afetando a retomada
A
atividade econômica deverá sofrer um tranco nas próximas semanas, com o impacto
das medidas mais fortes de isolamento social adotadas por Estados e municípios,
em reação ao avanço descontrolado da covid-19 e ao ritmo lento de vacinação.
Não se espera um tombo como o registrado em março e abril do ano passado, mas
as perspectivas são negativas. O PIB deverá cair no primeiro e no segundo trimestres,
num cenário marcado ainda pela inflação alta, que em meados do ano pode chegar
a 8% no acumulado em 12 meses.
Nesse ambiente, as expectativas para o emprego e para a renda pioraram. É possível que governadores e prefeitos tenham de estender o período de confinamento mais rigoroso, afetando especialmente o setor de serviços. Nesta semana, o Brasil deve bater duas marcas trágicas, ao atingir o número de 3 mil mortes por dia e um total de 300 mil óbitos por covid-19. Combater esse quadro exige uma coordenação entre União, Estados e municípios, mas o presidente Jair Bolsonaro continua a produzir ruídos e a vociferar contra o isolamento social - na semana passada, entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o toque de recolher adotado por Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal.
Com
um mercado de trabalho fraco, as perspectivas para o consumo são desanimadoras.
Além disso, o auxílio emergencial voltará a ser pago apenas no mês que vem. E,
dadas as restrições fiscais, o plano inicial é que o benefício dure quatro
meses, com valores de R$ 150 a R$ 375, atendendo 46 milhões de pessoas. Em
2020, o governo pagou cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300, chegando em
alguns meses a beneficiar quase 68 milhões de pessoas.
Em
relatório, a A.C. Pastore & Associados ressalta que a conduta do governo
durante a pandemia criou conflitos que pioram as perspectivas para 2021. “Para
recuperar a economia e voltar a crescer é preciso inicialmente vacinar a
população o mais rapidamente possível. A falta de vacinas, fruto da negligência
do governo, alimenta uma nova onda de contágio bem maior do que a ocorrida no
início da pandemia”, diz a consultoria do ex-presidente do Banco Central (BC)
Affonso Celso Pastore.
O
documento observa que os primeiros sinais de desaceleração já haviam se
manifestado nos vários índices de confiança e apareceram com clareza nas vendas
do comércio de janeiro. “Com um auxílio em valor menor do que o anterior e
concedido a um número bem mais baixo de beneficiários, o comportamento do
consumo deve ser dominado pela fraqueza do mercado de trabalho. “O comércio
varejista tem um peso elevado no setor de serviços, cujas demais componentes
também devem sofrer contrações devido ao afastamento social”, aponta a A.C.
Pastore. “Como o alto índice de incerteza da economia impede uma retomada dos
investimentos, a única esperança de uma expansão da demanda agregada vem do
aumento mais forte das exportações líquidas [a diferença entre vendas e compras
externas] na segunda metade do ano, devido à retomada de EUA, Europa e China.”
Com isso, o crescimento no ano deve ficar abaixo dos 3,6% da herança
estatística deixada por 2020. Isso significa que, se o PIB encerrar 2021 no
mesmo nível do fim do ano passado, a expansão será de 3,6%. Para a A.C.
Pastore, o crescimento deve ser de 3,2%.
Para
complicar, o Brasil enfrenta pressões inflacionárias provenientes da combinação
do câmbio desvalorizado e da alta das commodities. Na semana passada, o BC
aumentou os juros em 0,75 ponto percentual, levando a Selic de 2% para 2,75% ao
ano, mais do que o 0,5 ponto esperado pela maior parte dos analistas. Com o
risco de perda de controle das expectativas de inflação e o câmbio muito
depreciado, o BC optou por um elevação mais forte dos juros, a despeito de uma
atividade fraca e que vai desacelerar nos próximos meses.
Se
conseguir reancorar as expectativas inflacionárias e contribuir para uma
valorização mais duradoura do câmbio, a ação do BC poderá ser bem-sucedida,
exigindo talvez um ciclo menos extenso de alta da Selic. O problema é que os
juros mais altos tendem a castigar mais a atividade, num momento de desemprego
elevado. Além disso, grande parte das pressões sobre o câmbio vem das
incertezas em relação ao futuro das contas públicas, do maior intervencionismo
do governo na economia e da dificuldade crônica de o país crescer a taxas
razoáveis. O papel do nível baixo dos juros internos parece menos relevante
para explicar o real desvalorizado.
Neste
mês, o Congresso aprovou uma versão desidratada da Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) Emergencial. Caiu a proibição a promoções e progressões de
servidores públicos em caso de acionamento dos gatilhos, por exemplo, mas o
teto de gastos não ruiu, ainda que o texto autorize o pagamento de R$ 44
bilhões para o auxílio emergencial fora do limite imposto pelo mecanismo. Em
resumo, o Congresso não abriu exceções em demasia ao teto, uma âncora fiscal
vista como importante por muitos analistas, embora a proposta esteja longe de
resolver o problema do crescimento das despesas obrigatórias, além de deixar os
ajustes mais fortes para 2024 ou 2025. Isso pode tirar alguma pressão do
câmbio, mas não acaba com dúvidas sobre a sustentabilidade das contas públicas.
Outro ponto é que “a relação entre o governo e a elite empresarial, com
destaque para o mercado financeiro, passa por um momento de estremecimento”,
como diz o analista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores. “A
interferência de Bolsonaro na Petrobras e os relatos a respeito dos incentivos
provenientes do Planalto para que senadores e deputados desidratassem ainda mais
a PEC Emergencial acenderam temores quanto à ascensão do populismo econômico no
governo”, escreve ele, em nota. “Tais temores estão se sobrepondo aos efeitos
positivos da aprovação da autonomia do BC, da própria PEC Emergencial e da lei
do gás sobre as expectativas dos investidores.”
A política desastrosa de Bolsonaro para a saúde atrapalha o combate à pandemia, levando à perda de vidas e afetando a retomada. Na economia, as ações do presidente contribuem para deteriorar a percepção de risco sobre o país, num momento em que o ambiente externo pode ficar menos favorável aos emergentes, com a trajetória de alta das taxas de retorno dos títulos do Tesouro americano de longo prazo. A expectativa de algum avanço da vacinação melhora as perspectivas para atividade no segundo semestre, mas as incertezas produzidas por Bolsonaro nublam o cenário econômico do país.
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