segunda-feira, 22 de março de 2021

Antônio Gois - As prioridades do governo

- O Globo

No início da pandemia, diante do cenário preocupante que foi sendo confirmado ao longo dos meses, houve quem enxergasse ao menos uma oportunidade para ampliar o consenso em torno de políticas públicas em educação que atacassem problemas já existentes, e que ficariam ainda mais evidentes com a crise. Talvez o principal deles seja a brutal desigualdade nas condições de aprendizagem dos estudantes.

Ainda não é possível mensurar todo o estrago, mas estimativas e dados preliminares confirmam que a migração abrupta para o ensino remoto fez com que, como esperado, os estudantes mais pobres fossem mais prejudicados. Em outubro do ano passado, por exemplo, um estudo da FGV social mostrou que jovens das camadas A e B estavam dedicando 64% a mais de tempo para os estudos do que os da classe E.

Uma das razões para essa discrepância está no acesso diferenciado à tecnologia. Antes da pandemia, a pesquisa sobre o Uso de Tecnologias de Informação e Comunicação em Domicílios Brasileiros já mostrava que, na classe A, 98% das residências possuíam computador e 99% estavam conectadas à Internet. Nas residências das classes D e E, esses percentuais caíam, respectivamente, para 9% e 40%.

Na semana passada, um relatório do Banco Mundial estimou que as perdas de aprendizagem com a pandemia podem levar 70% das crianças brasileiras a chegarem aos 10 anos de idade sem a aprendizagem adequada para a faixa etária (antes da pandemia, os cálculos do Banco sugeriam um percentual ao redor de 50%). Isso significa, por exemplo, que terão dificuldade de compreender textos simples. Entre as políticas sugeridas pelo documento para amenizar o problema está justamente a diminuição do fosso digital e a melhoria da conexão das escolas à Internet.

Há duas semanas, um estudo realizado pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) revelou que os meios mais usados pelas escolas municipais para enviarem atividades aos estudantes foram o whatsapp e materiais impressos. Na semana passada, reportagem de Bruno Alfano no Globo mostrou que nenhuma rede estadual estava conseguindo fornecer equipamentos básicos para ministrar o ensino remoto de forma adequada.

No entanto, mesmo diante de um diagnóstico tão claro nesse tema, o governo Bolsonaro surpreendeu as redes estaduais e municipais na semana passada vetando – com o argumento de que a medida não apresentou uma previsão de impacto orçamentário - um projeto de lei, aprovado no Congresso, que previa utilizar R$ 3,5 bilhões de recursos que estavam parados no Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) para ampliar o acesso de alunos, professores e escolas à internet.

Em nota, o MEC informou que apoia outro projeto de lei, que tramita desde 2018, de autoria do Poder Executivo, e que possuiria “princípios mais abrangentes que asseguram a inserção da tecnologia como ferramenta pedagógica de uso cotidiano nas escolas públicas”. Num governo de bom senso, poderíamos esperar então que a aprovação do referido projeto estivesse mesmo entre as suas principais preocupações. No entanto, na lista de 35 prioridades enviadas por Bolsonaro ao Congresso no início deste ano, aparece apenas uma relacionada à educação: homeschooling.

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