Tenho
o hábito de colecionar manchetes mal redigidas. Minhas favoritas são aquelas
ambíguas e carregadas de humor involuntário, do tipo “Polícia indicia estudante
picado por naja, mãe, padrasto e outras 9 pessoas”.
Quando
posto essas pérolas no Facebook, é inevitável que os comentários deixem de lado
a graça da coisa e apontem para a decadência da imprensa, as nefastas
consequências do fim da exigência de diploma para jornalistas ou a “geração
Paulo Freire” (seja isso lá o que for).
Não,
a imprensa não está em declínio. A sintaxe e a ortografia andam levando surras
diárias, mas a imprensa, como instituição, continua sendo uma salvaguarda da
democracia: denuncia condutas antirrepublicanas, combate a desinformação,
propaga a diversidade de opiniões. Daí incomodar tanto e ser alvo prioritário
de qualquer projeto totalitário de poder.
O desapreço pela imprensa não é monopólio da direita ou da esquerda. Jornalistas foram agredidos tanto por militantes petistas, na era Lula, quanto por bolsonaristas, na gestão atual. Há 17 anos, um correspondente estrangeiro quase foi expulso do país por ousar escrever sobre os hábitos etílicos do então mandatário. Do “cachaceiro” ao “pequi roído” (passando por “ladrão” e “genocida”), a liberdade de expressão tem sido deliberadamente embaralhada com difamação e calúnia.
Para
Lula, a “Veja” destilava “ódio e mentira” contra seu governo. “Nós somos a
opinião pública”, gabava-se o ex-presidente. “Nós não vamos derrotar apenas os
nossos adversários tucanos; nós vamos derrotar alguns jornais e revistas que se
comportam como se fossem um partido político.” Nada muito diferente do que
andou dizendo Jair Bolsonaro ao declarar que “o certo é tirar de circulação” a
“Folha de S.Paulo”, O GLOBO, “O Estado de S.Paulo” e o site O Antagonista —
todos “fábricas de fake news”.
Bolsonaro
vê na imprensa uma inimiga; Lula só a concebe como correligionária. Entre o PIG
(Partido da Imprensa Golpista) de antes e a imprensa “patife” e “canalha” de
agora, mudou apenas o remetente. O destinatário é a mídia que cumpre seu papel.
Semana
passada, o iutuber Felipe
Neto foi intimado a depor numa investigação de “crime contra a segurança
nacional” por ter se referido ao presidente como “genocida”. Mobilizou,
merecidamente, milhares de apoiadores. Poucos dias antes, ele havia tuitado um
recado aos “prezados jornalistas tucanos”: não batam na esquerda até as
eleições. Em outras palavras: não cobrem autocrítica, abram mão da
independência de pensamento. Se não aderirem à servidão voluntária da imprensa
chapa-branca, depois não reclamem. Uma espécie de “minha liberdade de expressão
é sagrada; a dos outros, nem tanto”. É o autoritarismo dos “libertários”,
diferente só na forma daquele dos liberticidas.
Ao contrário do que digam o título lá em cima e o governante de turno, a culpa (pelas maracutaias, pelo descaso com a vida) não é da imprensa. Ainda que estropie o português aqui e faça uma manchete hilária acolá, ela continua sendo a maior aliada do povo contra os abusos do poder.
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