Apresentação:
Armênio Guedes
Em 1970, o Partido Comunista Brasileiro (PCB)
vivia um momento de grandes dificuldades políticas. E não era diferente a
situação dos comunistas da antiga Guanabara, cujo Comitê Estadual havia sido
eleito em 1967, na conferência preparatória do VI Congresso do Partido.
A derrota do
movimento de massas em 1968/69 e a promulgação do AI-5, que liquidou os últimos
restos de liberdades existentes no país após o golpe de 1964, colocaram as
correntes políticas e o movimento operário e popular perante uma situação nova
e complexa. As formas de luta e de organização que as forças democráticas
deviam adotar a partir de posições necessariamente defensivas, de resistência,
impostas por derrotas sucessivas após 64 e principalmente no período que se
seguiu ao insucesso político de 68, nem sempre foram assimiladas com a rapidez
que a situação do país exigia. Faltaram para isso a todas essas organizações –
e entre elas o PCB – lucidez e agilidade políticas.
Muitos – pessoas
e organizações –, levados pelo desespero e pela falta de perspectiva, se
deixaram arrastar, com base numa análise falsa, para as posições da luta armada
e do uso indiscriminado da violência, como formas únicas e exclusivas de ação
política no combate para liquidar a ditadura. A um tal comportamento não
estiveram alheios militantes e setores do PCB, que posteriormente dele se
desligaram. Em 1970, apesar da condenação do VI Congresso ao "foco
guerrilheiro" e a outras formas de luta que não apresentavam caráter de
massa, ainda tinham influência nas fileiras do PCB muitas das idéias defendidas
pelos "foquistas". Parcialmente influenciados por tais idéias, muitos
membros do PCB vacilavam em realizar esforços para reconstruir o movimento de
massas e, assim, colocar em prática a linha de resistência ao processo de
fascistização do país, executado pelo regime mais abertamente após a adoção do
AI-5. Essa não era certamente uma tarefa simples nas condições de repressão e
terror então existentes; mas era o único caminho possível e viável para a
resistência e o gradativo avanço das forças democráticas.
Foi para reagir a
esse momento de dificuldades e confusões que a Comissão Política do CE da
Guanabara decidiu lançar o documento de março de 1970. Tratava-se, de um lado,
de um esforço para colocar em prática a linha aprovada pelo VI Congresso; e, de
outro, para dar continuidade à tradição do Partido no Estado de ligação com as
massas e de alianças com um amplo arco de forças democráticas e liberais.
Para a elaboração
do presente documento, de minha autoria, foi decisiva a participação que pude
ter nas discussões realizadas no interior da Comissão Política do CE, integrada
também, entre outros, por Élcio Costa e João Massena de Mello, ambos eliminados
pela ditadura durante os anos da repressão sangrenta de 1974/76. Depois de
elaborado, o documento foi aprovado por unanimidade na Comissão Política e no
Comitê Estadual, praticamente sem qualquer emenda.
Ao republicá-lo
hoje, é relevante observar que algumas das teses nele defendidas só seriam
levadas em consideração pela direção nacional do PCB alguns anos mais tarde, em
1973. Pode-se constatar, também, o acerto da análise e das previsões, o que é
mais significativo quando se pensa que aquela era praticamente a primeira
intervenção dos comunistas no novo quadro inaugurado com a edição do AI-5 e com
o início do "milagre brasileiro", com todas as suas conseqüências e
características. O texto resistiu ao tempo, dez anos após sua publicação.
Exatamente por
isso, o documento não pode deixar de ser lido se se deseja conhecer um pouco da
história da ação e das concepções do PCB durante os anos mais negros do regime
criado pelo golpe de 64. Vem daí a idéia de republicá-lo.
Ao fazer isso,
cumpre registrar, alto e bom som, que o documento não existiria sem a atividade
do conjunto do Partido na Guanabara, em particular de seus organismos
dirigentes e de base. Foi em nome dessa atividade, integralmente voltada para a
organização da classe operária e das amplas massas do Brasil e para a conquista
de uma democracia que se abrisse para o socialismo, que diversos companheiros
foram presos, torturados e mortos, amargaram o exílio e tiveram suas vidas
destroçadas. A eles, pois, e em particular a Élcio Costa e João Massena de
Mello, deve ser sempre dedicado o documento que se segue.
São Paulo, março de 1981.
I) O período transcorrido da promulgação do
AI-5 até agora foi marcado, politicamente, pelo avanço do processo de
fascistização do país. Para levar avante seu programa antinacional,
antidemocrático e antipopular, o regime criado pelo golpe de 64 vem,
sucessivamente, a partir do AI-1, restringindo as liberdades civis,
concentrando o poder nas mãos de uma minoria militar e usando o arbítrio e o
terror como métodos de governo para dar solução aos problemas políticos na
ordem do dia. Isso não constitui, evidentemente, um traço peculiar à modalidade
brasileira do fascismo.
Aqui, como em
todas as partes, ele se caracteriza por surgir e definir-se, antes de tudo, como
um ataque violento, armado, contra as organizações e instituições democráticas,
em geral, e contra as associações de trabalhadores, em particular.
Fazemos questão
de insistir nesse ponto. Isto é, fazemos questão de estar sempre alertando para
a mudança do regime político ocorrido no Brasil em resultado do golpe de abril
de 1964.
A verdade é que o
movimento militar que derrubou o governo de João Goulart mudou a forma estatal
de dominação de classe: o regime de democracia burguesa foi substituído por
outro, de tipo fascista. As peculiaridades assumidas pelo tipo brasileiro de
fascismo, nesta segunda metade do século XX, não devem confundir ninguém. A
percepção disso é um mérito que não se pode negar ao nosso partido.
Há muito que
batemos nessa tecla, e fomos nós os primeiros a mostrar a diferença entre o
golpe de 1964 e os demais golpes militares realizados no Brasil, depois do fim
da II Guerra Mundial. O fato, entretanto, nem sempre é visto com clareza pelas
várias forças e correntes políticas de oposição ao governo. E essa falta de
compreensão leva, freqüentemente, a ilusões que, de um lado, favorecem o
processo de fascistização e, de outro, entorpecem a unificação e a
combatividade das forças políticas e sociais que a ele se opõem.
É ela,
igualmente, que impede a visão global do processo e induz certos analistas
políticos a encarar as sucessivas crises do governo assinaladas depois de abril
de 1964 como episódios isolados, e não como marchas e contramarchas,
provocadas, de uma parte, pelo esforço fascista para dar vida ao seu projeto de
um Estado autoritário, militarista e tecnocrático, e, de outro, pela
resistência das forças democráticas à realização de tal projeto.
Se conseguirmos,
com nossas constantes advertências, esclarecer a opinião pública sobre o caráter
do regime será mais fácil estimular a resistência ao seu avanço: não se trata
de oposição apenas ao governo de Médici ou de outro general qualquer; o que se
pretende é barrar e liquidar o processo de fascistização, restaurar e renovar o
regime democrático, de forma a permitir que os trabalhadores e a maioria do
povo, vencida a contra-revolução de 64, voltem a impulsionar o Brasil no
sentido de sua completa emancipação nacional.
Visto nesse
contexto, o ano de 1969 foi um ano de recuo das forças democráticas e de avanço
da ditadura. As medidas tomadas a partir do AI-5 (supressão do habeas-corpus,
fortalecimento dos órgãos de repressão, emprego da violência e do terror
abertos para o combate à oposição ao governo e ao regime, etc.) criaram maiores
dificuldades para a manifestação das massas.
O fortalecimento
do caráter repressivo do Poder atual foi a forma encontrada pela
contra-revolução para enfrentar as dificuldades políticas que lhe são criadas,
tanto pela resistência democrática como pelos conflitos surgidos no seio das
forças governamentais.
É uma solução
que, embora dê vantagens temporárias ao regime, cria, a médio e longo prazo,
premissas para novas crises, que lhe podem ser fatais. Mas esta afirmação não
deve ser compreendida, de forma alguma, como um fatalismo positivo. Dados de
ordem objetiva e subjetiva determinam que os fatores temporários favoreçam o
avanço do processo de fascistização; o mesmo não se dá em relação aos fatores
permanentes que atuam em sentido contrário.
E é por causa
disto que certos círculos das classes dominantes, que levaram os militares
fascistas ao Poder, passaram, do apoio ao Governo, à neutralidade, e, agora, já
começam a inquietar-se com os excessos da ditadura, excessos que comprometem o
futuro político de quem os pratica ou, mesmo, de quem se mantém omisso ante
suas conseqüências. A correta avaliação desses fatores temporários e
permanentes revela-nos, paradoxalmente, que o avanço do processo de
fascistização, na medida em que vai se afirmando na estruturação de um Estado
autoritário, militarista e tecnocrático, através dos três governos que se
seguiram ao golpe de abril de 64, tende, ao mesmo tempo, a esgotar suas
potencialidades. É fácil entender. O processo, para avançar, tem que se afastar
de alguns dos seus sustentáculos iniciais, isto é, cortar seus vínculos mais
estreitos com as correntes liberais do centro ou da direita da antiga
"classe política". Ao fazer isso, se é verdade que limpa a sua área,
tornando-a cada vez mais impermeável a qualquer tipo de pressão nacional e
democrática, não é menos certo que se condena a um certo tipo de isolamento
político, pois o espaço deixado vazio pela liquidação de uma parte de seu
sistema de sustentação não é ocupado, a não ser em escala reduzida, por novas
forças. O esforço realizado pelo atual Governo, tentando substituir a parte da
"classe política" alijada (Magalhães Pinto, Pedro Aleixo, Cordeiro de
Farias, Daniel Krieger, etc.) por quadros tecnocratas, ilustra o que antes
afirmamos. É oportuno dizer que a falta de uma base de massas (um partido
fascista de massas) e o apoio fundamental no núcleo reacionário das Forças
Armadas são peculiaridades marcantes do regime atual e do processo de
fascistização instaurado no Brasil. Essas duas facetas do regime atual, ao lado
de outras que merecem análise e estudos precisos, têm de ser bem ponderadas
quando tentamos elaborar um plano de ação para a resistência das forças que se
opõem ao processo contra revolucionário aberto pelo golpe de 1964.
Como conclusão do
que foi dito antes, gostaríamos de assinalar que continua como objetivo central
de nossa ação política a luta pela liquidação do regime do golpe de abril de
1964. Não se trata, repetimos, de fazer oposição apenas a este ou outro
governo, a um ou outro aspecto de suas políticas, e sim de subordinar quaisquer
desses esforços à estratégia geral para deter o processo de fascistização do
País e, em seguida, derrotar o regime atual e liquidar, politicamente, as
forças decisivas que lhe deram vida e o sustentam.
O que foi
realizado até aqui, em matéria de resistência, apesar do baixo nível de
organização da oposição à ditadura, revela que a consolidação do regime não é
uma fatalidade.
E mais ainda:
mostra que ele é vulnerável, que são limitados e temporários os seus suportes.
Qualquer ilusão sobre o caráter do regime, quer em nossas fileiras, quer entre
as forças da oposição, deve ser combatida. E toda e qualquer ação, não
importa a sua importância ou extensão, deve ser orientada de forma a somar
forças contra a ditadura, de modo a impulsionar o movimento histórico em
direção à contestação global, direta e indireta, do regime e da sua política.
Vejamos, a
seguir, as condições nacionais (aqui não trataremos da situação internacional,
apesar de sua importância), em que temos hoje de conduzir a resistência à
ditadura.
II) As crises políticas que culminaram na
indicação do Gal. Garrastazu Médici para a Presidência da República ganharam
intensidade na segunda metade de 1969. Essas crises foram geradas por conflitos
de naturezas diversas e se deram em diferentes planos da vida política.
As soluções
encontradas, quer com as medidas tomadas pela Junta Militar, quer com a eleição
do novo presidente militar, apenas atenuaram (ou adiaram) os seus efeitos.
E justamente
porque persistem tais conflitos é que é importante examiná-los. Antes de tudo,
assinalemos que as últimas crises, ao lado de suas especificidades,
apresentaram pontos comuns com as demais crises sofridas pelo regime atual.
Entre os fatores
causadores de desgastes da ditadura, opondo-se a seus esforços para fazer
avançar o processo de fascistização, encontramos sempre dois tipos de
resistência: a do movimento nacionalista e a do democrático. Certo, esses dois
elementos do processo político brasileiro tendem, historicamente, à
convergência: há entre eles um condicionamento mútuo muito estreito. Mas, em
determinadas situações concretas, um deles pode assumir maior importância como
acelerador do processo revolucionário brasileiro. De qualquer forma, direta ou
indiretamente, eles sempre estiveram no centro das crises que vêm abalando o
regime. Ou se originando de um choque direto entre o governo e a oposição
(AI-2, novembro de 1965), ou de um conflito no seio do sistema de forças do
governo (afastamento de Costa e Silva, constituição da Junta Militar e
indicação de Médici), os golpes sucessivos, a partir de 64, foram sempre
desencadeados para precaver o processo contra revolucionário contra o seu
desgaste pela resistência nacionalista e/ou democrática.
A maior ou menor
instabilidade dos governos da ditadura (razão das crises) tem sido em função de
sua maior ou menor permeabilidade às pressões oriundas daqueles dois
movimentos.
A contradição a
que acabamos de nos referir dá origem a outras menores, secundárias e
subordinadas, mas que nem por isso deixam de assumir importância decisiva em
determinados momentos. É o caso, por exemplo, do conflito entre um Poder de
fato, constituído por um núcleo de oficiais superiores das Forças Armadas
(ideologicamente afinados com as doutrinas político-militares da ESG, mas de
difícil identificação física), e o governo do momento. Cabe esclarecer que os
diferentes governos do regime de abril (Castelo, Costa, Junta e Garrastazu)
surgiram sempre como frutos de acordos entre aquele Poder militar de fato e as
velhas forças políticas integradas nos quadros da ditadura. Produtos de tais
acordos, sujeitos muitas vezes a pressões colidentes, vimos os vários governos
de regime oscilar, pendularmente, entre as duas forças, até um momento em que o
aumento das tensões desemboca em crises políticas, que geram novos pactos, já
que as forças em choque não tiveram, até aqui, possibilidade de terminar com o
impasse. Nesses pactos, os contendores disputam posições e vantagens que os
coloquem em condições favoráveis para enfrentar a nova crise.
É esse,
precisamente, o panorama do governo do Gal. Garrastazu Médici. Dele dizia
recentemente o jornalista Carlos Castello Branco: "Chegamos aí a outra
curiosidade da situação brasileira, que é o fato de não estar o Poder
totalmente e, às vezes, substancialmente nas mãos dos seus titulares, que o
representam, mas não o empolgam. A força invisível está por trás de tudo,
definindo critérios, selecionando virtudes e impondo normas às quais devem
obediência os que a representam ostensivamente".
Já se desenha
nitidamente a formação de focos de atrito no novo governo.
Apesar das
medidas que, em 1969, aumentaram ainda mais o autoritarismo e o arbítrio do
regime, dos atos e leis que dificultaram em alto grau a atividade da oposição e
a manifestação da vontade das massas, e talvez por tudo isso, a situação
política do governo Garrastazu se apresenta instável. Ele se esforça para
cobrir os claros deixados por certas forças afastadas do Poder, após a última
crise, chamando técnicos para sua equipe, numa tentativa de dar ao seu governo
uma imagem tecnocrática. Poderá, com isso, substituir uma parte da velha
"classe política" alijada do poder, criando um novo elo de ligação
com as classes dominantes, evitando o isolamento e prolongando o bonapartismo
atual por mais tempo. O difícil é avaliar até onde irão as possibilidades desse
bonapartismo sem um Bonaparte.
Ao lado das
contradições já referidas, cabe, finalmente, assinalar mais uma. Em nível mais
elevado que os seus antecessores, o governo de Garrastazu sofre as conseqüências
da divisão do suporte militar da ditadura. À medida que passam os dias e que as
Forças Armadas continuam como centro das decisões políticas importantes,
maiores são os conflitos que as dilaceram. Grosso modo, a parte mais ativa da
oficialidade, que participou do golpe de 1964, principalmente do Exército,
divide-se hoje em dois grupos principais: um deles, englobando talvez a
maioria, é formado pelos partidários de um nacionalismo autoritário, e o outro,
que dispõe de maior parcela de poder, reúne os que se mantêm aferrados aos
dogmas entreguistas e reacionários da ESG. O primeiro grupo tende a crescer e a
romper, de dentro, a unidade do bloco militarista reacionário. Isto
determinará, obviamente, uma convergência da ação dessa força com a do movimento
nacionalista democrático da oposição. É necessário, no momento de uma
apreciação mais concreta, não esquecer que, entre um grupo e outro, existem,
nas Forças Armadas, correntes de várias nuances, além de uma enorme massa –
possivelmente a maioria – de oficiais indecisos e indiferentes.
É dentro desse
quadro que o Gal. Garrastazu terá de enfrentar as próximas eleições de
governadores, para o Congresso Nacional, Assembléias Estaduais e Câmaras
Municipais. "A disputa eleitoral – diz o JB – não será evidentemente
capaz, por si mesma, de aplainar as contradições; muito pelo contrário. Pode-se
esperar que as dificuldades se criem".
Em alguns dos
Estados mais importantes – SP, GB, MG, BA – o partido oficial, a Arena, até
agora não conseguiu unir suas forças, e o General-Presidente ameaça impor seus
candidatos, vetando aqueles que não lhe agradam, numa ação que já se
convencionou chamar de "cassação branca". O governo, que num arroubo
demagógico prometeu fazer o "jogo da verdade", age com cautela nesse
terreno, a fim de não provocar desarranjos no precário sistema de forças
políticas em que se apóia.
As correntes de
oposição – e, claro, entre elas, o nosso Partido – têm, com as eleições, um
grande campo para potencializar a resistência à ditadura. Nada nos leva a crer
que as próximas eleições, cercadas como estão pelas medidas coercitivas da
ditadura, possam ser decisivas para a liquidação do regime – é uma advertência
que não podemos deixar de fazer.
Mas não tenhamos
dúvidas de que elas vão concorrer, e muito, para a nova crise em gestação. Daí
a sua importância para a oposição.
Ninguém pode
dizer, com segurança, o resultado de uma nova crise, se haverá alguma abertura
(não entramos aqui na discussão sobre a extensão de tal abertura, mas
consideramos apenas que o alargamento da faixa das liberdades, por menor que
seja, ajuda a organizar a resistência ao avanço do fascismo), ou se serão
ampliadas as medidas repressivas, com novas restrições às já quase inexistentes
liberdades civis. O que não se pode é ficar à margem, acatar o desejo do
General-Presidente. Isto é, participar das eleições sem contestar o regime. A
oposição, particularmente as forças de esquerda e o nosso Partido, não pode,
como quer o atual Presidente, permitir que a opinião pública, em hipótese alguma,
seja confundida a ponto de admitir as medidas repressoras do regime como
necessárias à defesa da democracia. O regime de abril, por sua essência de
classe (serviçal das velhas classes dominantes, do imperialismo, etc.), por
suas vinculações antinacionais e por sua ideologia reacionária, pode,
tranqüilamente, ser classificado como de tipo fascista.
Enfim, o Gal.
Garrastazu, no primeiro trimestre de existência de seu governo, revela, em
nível diferente, dificuldades semelhantes às dos outros dois governos que o
antecederam: mostra-se incapaz de montar um sistema político compatível com o
poder militar que lhe deu origem, um sistema que legalize este poder – razão de
sua força e fraquezas.
III) Nossa preocupação principal nesta discussão
é, partindo de um momento concreto, ampliar o conhecimento sobre a natureza do
regime, a maneira de combatê-lo e derrotá-lo, e, com base nisso, traçar as
perspectivas para depois de sua queda. Nada melhor para isto do que a
apreciação da política econômica do regime e da situação atual dela resultante.
Porta-vozes
oficiais estão constantemente proclamando com insistência os êxitos da política
econômica do regime. Apresentam, em apoio a essas afirmações, dados
quantitativos sobre o crescimento do país. O crescimento é um fato, e seria uma
estultícia negá-lo.Um dos elementos essenciais da política do Partido é dado
pela análise dos fatos. Há muito que ele se esforça para superar aquele tipo de
primarismo que vê as esperanças do êxito de uma política revolucionária
unicamente no caos e na catástrofe da política econômica das classes
dominantes.
Certo, os índices
de desenvolvimento de alguns setores apresentam-se bem positivos quando feita a
comparação entre os anos de 1963 e 1969: aço, 75% de aumento; energia elétrica,
61% de aumento da capacidade instalada e 56% do consumo; cimento, 52%; produção
de petróleo, 71%; rodovias pavimentadas, 89%; unidades de habitação
construídas, 120 mil nos vinte e seis anos anteriores e, nos últimos cinco anos
(1964/69), 519.490. A essas cifras, sempre tomando os anos 63/69, podemos
acrescentar a elevação do número de alunos matriculados nas escolas (aumento de
40% no curso primário, de 12% no grau médio e de 158%no ensino superior), o
aumento das exportações (de 60%) e dos incentivos fiscais para o desenvolvimento
das regiões atrasadas do Norte e do Nordeste.
O fato de haver
crescimento, de não haver uma crise profunda, não significa que a política
econômica não contrarie os interesses da maioria da Nação e, mais
particularmente, das grandes massas trabalhadoras.
O que nos cabe
discutir, portanto, é o tipo desse crescimento, ou, se se deseja uma expressão
mais em moda, o modelo de desenvolvimento atualmente aplicado. Claro que não
vamos discutir aqui, em profundidade, esta questão. Desejamos apenas dar
algumas das suas características básicas, que mais ou menos nos indicam as
linhas de resistência e as alternativas à política econômica de regime e à
situação dela resultante.
Antes de tudo,
vamos esclarecer a filosofia do modelo.
Ela visa, antes e
acima de tudo, a vincular "a economia brasileira a um determinado sistema
econômico de perspectivas mundiais". "Essa grande estratégia...
pretende opor ao avanço do mundo socialista e capitalista independente uma
crescente coalizão de interesses econômicos, capaz de colocar os 'sagrados'
princípios da propriedade privada acima de quaisquer considerações, até mesmo
da soberania nacional". Outro elemento importante desse modelo é manter o
crescimento dentro de limites que dispensem, obviamente, as reformas de estruturas,
substituindo-as por mecanismos que racionalizem o desenvolvimento capitalista
dentro da linha preferida (ou imposta) pela matriz imperialista.
Orientada por
essa doutrina, a política econômica do regime criou uma situação que se
caracteriza:
- Pelo
crescimento dos setores monopolistas da economia. O
desenvolvimento está sendo feito em benefício da grande empresa e do grande
capital monopolista, principalmente estrangeiro. Nesse sentido, para citar
apenas dois exemplos, estão os casos do setor bancário (entre 1964 e 1969 foram
incorporados 51 bancos e 5 se fundiram) e da indústria automobilística. Esta
orientação é, ao mesmo tempo, monopolista e entreguista, pois a centralização e
a capitalização servem principalmente à grande empresa estrangeira e estão
minando a capacidade de resistência de grande úmero de empresas menores,
pequenas e médias. No Rio, em São Paulo e outros centros importantes tem
aumentado grandemente, nos últimos anos, a partir de 1964, o número de
falências e concordatas, sem falar nas empresas que se deixam absorver pelo
grande capital. Os teóricos do regime justificam o fato alegando que só não
resistem às medidas do governo "as empresas marginais do sistema, que não
possuem estrutura adequada e dimensionam mal a inflação futura" (Delfim).
A orientação
monopolista dá margem à organização de uma importante linha de resistência à
política econômica e ao regime autoritário que a patrocinam. Ou melhor,
possibilita a criação de uma frente antimonopolista, como parte da frente única
antiditatorial.
Pelo confisco
salarial. Segundo a FGV, o salário mínimo real
(usando-se os preços por atacado como deflator), a preços de 1964, caiu de 42
cruzeiros novos naquele ano para 32,77 atualmente, ou seja, uma queda de 1/4
(vinte e cinco por cento). Isto quer dizer que a taxa de acumulação está sendo
aumentada mediante o confisco salarial.
É a política de
compressão de salários, tornada possível em virtude da repressão governamental,
que reduziu, na prática, os sindicatos à impotência, e transformou a luta dos
trabalhadores em caso de polícia. Este é um ponto da política econômica do
governo que exprime, sem margem a dúvidas, a essência de classe do processo de
fascistização inaugurado em 1964.
A organização da
resistência ao confisco salarial dá margem, principalmente, a organizar-se o
antagonista histórico do regime, a classe operária, força capaz, pelo papel
social que desempenha, de resistir e impedir sua consolidação, para depois
derrubá-lo. Mas a organizar não somente a classe operária, como todos os
trabalhadores assalariados.
- Pelo
confisco tributário.A política de progressividade do imposto de
consumo e do aumento das incidências, assim como o número de pessoas físicas
tributadas pelo imposto de renda afetou, grandemente, o nível de vida das massas
trabalhadoras e funciona como mecanismo de distribuição da renda em favor do
grande capital, beneficiado pelo governo com isenções e subsídios diretos e
indiretos. Este confisco, pelo número de pessoas que atinge, desperta grande
oposição. É uma linha de oposição ainda difusa e que deve ser estimulada e
organizada.
- Pelos
critérios adotados para os investimentos estatais. Em geral, não
é – ao contrário do que aconteceu com a Petrobrás, Volta Redonda, Vale do Rio
Doce, etc. – o interesse nacional que comanda, hoje, os grandes investimentos
do Estado brasileiro, como, em parte, aconteceu antes de abril de 1964.
As empresas e os
investimentos públicos, como está acontecendo em outros países, estão
crescentemente atendendo ao amplo campo da criação das economias externas e da
manutenção e melhoria da infra-estrutura básica da indústria e dos serviços,
imprescindíveis às empresas dominantes.
A orientação
atual – com a exclusão de alguns casos em que o resíduo nacionalista de antes
de 64 se faz presente - implica, assim, numa contradição total às finalidades
teoricamente assinaladas pelo movimento nacionalista para os investimentos e
empresas públicos.
A gritaria contra
o estatismo, ainda presente na grande imprensa, visa apenas a confundir a
questão e a quebrar certas resistências que, ou em setores isolados do governo,
ou em grupos das Forças Armadas, sintonizam com a opinião pública contrária ao
rumo pró-monopolista e antidemocrático imprimido aos investimentos e empresas
estatais.
Continua válida,
nesse terreno, a defesa das empresas e investimentos públicos surgidos como
alternativa ao capital estrangeiro. Devemos, portanto, distinguir entre os dois
tipos de investimentos, antes de fixarmos qualquer posição ante casos
concretos.
- Pela
adoção de um tipo de relações econômicas internacionais altamente danosas aos
interesses brasileiros. A subordinação de nossa economia aos planos da
grande estratégia norte-americana veio acentuar de forma marcante nossa
dependência ao imperialismo, cortando as tendências a um desenvolvimento
autônomo que se manifestaram na política de relações econômicas internacionais
do Brasil antes de 1964.
O resultado da
política atual foi continuar com o endividamento do país, a acentuação a
desigualdade nas relações de troca (aumento do preço da tonelagem importada e
diminuição do da exportada) e o aumento das remessas financeiras a título de
lucros, juros, comissões, royalties, seguros e serviços. São claros os
dados oficiais a este respeito.
Há um sentimento
generalizado contra o aumento da espoliação do país, que pode tomar forma na
medida em que se organize a resistência à política entreguista da ditadura.
O campo econômico, social e político para este trabalho é o mais amplo, inclusive nas Forças Armadas.
- Pela
desnacionalização crescente da economia brasileira. A política oficial
de "incentivos" à entrada de capital estrangeiro está propiciando a
crescente desnacionalização da economia brasileira. O capital monopolista
estrangeiro está ocupando pontos básicos da economia do país, transferindo para
o exterior muitos de seus centros de decisão. A reação de empresários nacionais
dos setores mais atingidos por esta invasão serve como indicador da
profundidade do fenômeno.
É uma linha de resistência que já existe, mas que precisa ser melhor coordenada.
- Pela
limitação de crescimento do mercado nacional. A obstinação da oposição
do regime a qualquer reforma de estrutura está condenando o mercado interno a
um crescimento lento e desequilibrado. A reforma agrária – pedra de toque da
posição de qualquer política ante as reformas –, sobre a qual os governos da
ditadura tantas vezes foram obrigados a falar, por pressão da opinião pública,
vai sendo substituída, na linguagem oficial, por uma pretensa e vaga
colonização de terras (veja-se entrevista recente do Ministro da Agricultura ao
JB). O resultado de tudo isso é que parcela considerável da população fica fora
do mercado consumidor, por falta de emprego e falta de renda, enquanto a parte
empregada tem seu poder aquisitivo empurrado para baixo, em virtude dos
confiscos salariais e tributários já referidos. Assim, o desenvolvimento
econômico ou se volta para uma pequena faixa de S% da população, de poder
aquisitivo razoável, ou se destina à exportação. (Dados do IBGE dão conta de
que metade da população ativa do país, 14 milhões em 28 milhões de pessoas, é
constituída de desempregados totais ou parciais). A limitação do mercado sugere
várias linhas de resistência. Seria difícil, no momento, determinar
concretamente essas linhas.
Em conclusão, diremos
que o tipo de desenvolvimento que a ditadura está tentando imprimir ao país,
antes de mais nada o afasta das grandes opções. O modelo por ela esboçado, de
inspiração externa, em lugar de possibilitar a transformação de sociedade
brasileira, deseja apenas ordenar o crescimento nacional e evitar os momentos
de tensão, mediante a modernização do sistema e o emprego de técnicas
sofisticadas.
É difícil, hoje,
com o precário instrumental de análise que temos, predizer até que ponto irá o
regime atual. Mas uma coisa podemos desde já afirmar: serão altíssimos os
custos sociais de qualquer resultado que ele venha a obter.
IV) Para uma avaliação correta do momento
político, avaliação indispensável ao trabalho do Partido a curto, a médio e a
longo prazos, um dado a ser examinado é a situação em que se encontra a
oposição à ditadura, após o AI-5.
O movimento de
oposição experimentou, em 1968, um considerável avanço, em termos de
dinamização de suas forças sociais e políticas. Essa dinamização, que era
apenas início de formação de uma oposição de massas, não chegou a ter tempo de
se traduzir em organização, embora, àquela época, não fossem poucos os que a
superestimassem, partindo daí para a conclusão de já haver então chegado a hora
da ofensiva geral contra a ditadura. Os fatos posteriores mostraram a falsidade
dessa apreciação.
O AI-5 foi um
rude golpe contra a oposição. A resistência ao processo de fascistização do
país se faz agora de posições mais difíceis, em virtude do recuo do movimento
de massas, em 1969. As medidas de repressão, depois de 13 de dezembro de 1968,
atingiram particularmente a luta dos trabalhadores, dos estudantes e da Igreja
Católica.
Essa retração do
movimento de massas influiu negativamente em toda a oposição e aumentou a sua
dispersão: as correntes burguesas e pequeno-burguesas, principalmente as suas
cúpulas, se retraíram. Os focos de resistência criados na ascensão de 68 (nos
sindicatos, nas escolas, na imprensa e no parlamento), em defesa da liberdade
de manifestação, contra a censura e o terror cultural, em defesa das riquezas
naturais do país, contra a desnacionalização da indústria, etc. foram
praticamente liquidados ou reduzidos a um mínimo. O movimento de resistência
ainda busca, neste momento, novas formas e caminhos para se expressar, para
criar, enfim, os seus novos focos de irradiação.
Cabe aqui,
finalmente, uma observação especial sobre a situação das esquerdas dentro da
oposição. Para essas forças, a pior conseqüência da inflexão do movimento de
massas foi o rápido incremento das posições radicais. Não foram poucos os
grupos revolucionários pequeno-burgueses que não souberam recuar ante o avanço
da contra-revolução, passando do radicalismo verbal às posições de desespero e
aventura. Iniciaram essas correntes uma série de atos que se explicam, antes de
tudo, pela sua incapacidade para enfrentar a tarefa de reestruturar o movimento
de massas nas condições difíceis criadas pelo avanço da repressão fascista. Os
assaltos a bancos, os golpes de mão e outras formas de ação postas em prática
por pequenos grupos desligados das massas, enfim, o emprego indiscriminado da
violência, embora compondo objetivamente o quadro da oposição, não deixam,
apesar de seu suposto caráter revolucionário, de desservir à resistência e de
dificultar a organização da frente única de massas contra a ditadura. Em uma
palavra, enfraquecem a oposição.
O trabalho
paciente, cauteloso e demorado de organização da classe operária e do povo, de
sua preparação para enfrentar uma luta prolongada, se assim for preciso, que constitui
para o nosso Partido uma alta virtude revolucionária, não passa, para aqueles
grupos, de um pecado mortal oportunista.
É esse o quadro
da oposição. Quadro que explica porque a ditadura, apesar de suas fraturas e
instabilidade, ainda encontra meios e formas para avançar no processo de
fascistização. Quadro que se modificará, com maior ou menor ritmo, a partir do
momento em que o processo político, permitindo uma reflexão mais profunda da
oposição sobre sua experiência, indique-lhe a maneira de usar sua imensa
potencialidade para organizar os combates e a batalha final contra a ditadura.
V) o exame até aqui feito sobre as forças
presentes e em conflito na sociedade brasileira induz a um otimismo realista em
relação à formação de uma frente antiditatorial. Essa conclusão, juntamente com
a de que não é fácil a consolidação do regime atual, não autoriza, porém,
qualquer atitude política alicerçada na subestimação dos suportes da ditadura.
Quando dizemos que a ditadura se isola de determinadas forças políticas, não
estamos, ipso facto, prevendo a sua queda imediata.
Queremos
tão-somente significar que surgiram novas dificuldades para o regime, que podem
aumentar ou desaparecer, em dependência dos erros ou acertos de seus
opositores.
O dimensionamento
das dificuldades atuais do regime, em confronto com a capacidade de ação da
oposição, indica que elas não são de natureza a prever a derrocada da ditadura
em curto prazo. E os fatos decisivos que conduzem a tal conclusão são o
retraimento do movimento de massas e a dispersão da oposição. Usando uma outra
fórmula, diremos o seguinte: se os fatores temporários ainda favorecem o
processo de fascistização, a nossa tática só pode necessariamente ser
defensiva, de resistência tenaz e, se preciso, prolongada. Temos, portanto, que
trabalhar com essa perspectiva, afastando de nosso Partido e, se possível, das
demais forças da oposição, quaisquer ilusões sobre uma vitória fácil sobre a
ditadura.
Os dados de que
dispomos não nos autorizam a prever o tempo de duração do regime atual.
É claro que o
nosso problema não é ficar especulando abstratamente sobre a vida mais curta ou
mais longa da ditadura, não é subordinar nossa luta de resistência aos
resultados dessa indagação.
Mas a especulação
é válida, desde que dê à oposição um elemento de referência – as probabilidades
de maior ou menor duração da ditadura – para que ela possa determinar o ritmo e
a intensidade de sua ação.
Se não prevemos
uma queda fácil e imediata da ditadura, temos, como Partido revolucionário, de
subordinar nossa ação política e o trabalho de organização a uma tal realidade.
A perspectiva é a
de nos prepararmos, tanto no plano da atividade política como no da
organização, para um trabalho em profundidade, cujos resultados só serão
colhidos depois de um período de maturação. Um trabalho adaptado a uma situação
de violenta reação política, em que a luta de resistência surgiu como
decorrência de uma série de derrotas e desgastes impostos ao movimento
revolucionário, nacional e democrático.
Nossa idéia de
resistência apoia-se no fato de existir no Brasil um sentimento generalizado de
repulsa à ditadura, abrangendo as mais diversas classes e camadas sociais,mas
disperso e desorganizado.
Devemos partir de
ações parciais, em todos os níveis do movimento de massas ou dos acordos de
cúpula, a fim de conseguir que aquele sentimento passivo vá tomando forma,
pouco a pouco, até se transformar num grande movimento nacionais, em frente
únicas, que englobe os sindicatos, o movimento estudantil, a Igreja Católica,
os partidos e os políticos da oposição - um movimento que expresse, em nível
superior, a rebeldia brasileira contra o processo de fascistização do país.
Cabe salientar, em relação ao esforço destinado a impulsionar a luta de
resistência, nas condições atuais, a valorização a ser dada às pequenas ações,
mesmo nos casos em que estas só indiretamente se oponham às medidas da
ditadura. O que não podemos é condenar a oposição ao imobilismo, na espera das
grandes tarefas ou do dia supremo. A constante preocupação em descobrir e
organizar a resistência concreta das massas contra determinados atos do regime
ditatorial é o melhor antídoto para evitar os apelos à luta abstrata ou à
resistência indeterminada. Desses apelos ao palavrório radical desligado de
qualquer objetivo real, basta apenas dar um passo.
Os protestos
contra o ato do governo que instituiu a censura prévia à publicação de livros e
periódicos são um exemplo atual e palpitante de resistência concreta.
Há, na luta de
resistência limitada da fase atual, o risco de o Partido desprezar sua
estratégia. Mas isto será evitado desde que subordinemos as ações de
resistência ao objetivo central de formação de uma frente única nacional
antiditatorial. Assim, o Partido será resguardado e não incorrerá no erro de
minimizar sua idéia estratégica, "diluindo-a em uma tática quase
cotidiana".
Trata-se, agora,
de incrementar e multiplicar o aparecimento de focos políticos de resistência,
a fim de romper com a passividade das massas e passar da defensiva à ofensiva,
até atingir o ponto em que se coloque na ordem do dia o ataque geral contra a
ditadura.
É nesse momento
que se dará o fim do processo de fascistização, com a liquidação da ditadura:
- ou através de
um movimento irresistível que mobilize a opinião pública, atraia para o seu lado
uma parte das Forças Armadas e organize um levantamento nacional (com maior ou
menor emprego da violência);
- ou através da
desagregação interna do Poder, sob o impacto do movimento de massas e depois de
crises sucessivas, forçando uma parte do governo a facilitar a abertura
democrática;
- ou pela
predominância e vitória, nas Forças Armadas, da corrente nacionalista, capaz de
superar e liquidar o conteúdo entreguista do regime, nos moldes concebidos pela
ESG e aplicados pelos altos chefes militares no mando do país, a partir de
1964.
Em relação à
terceira hipótese, cabe um esclarecimento. No caso de surgir uma situação
semelhante, é de se prever que a corrente nacionalista vitoriosa, mesmo negando
o traço fundamental do regime atual – sua subordinação à estratégia americana
de controle do mundo capitalista –, tentará manter o poder militar autoritário,
como instrumento para a realização de seu projeto de afirmação nacional. Mas
esse poder, penetrado de um novo conteúdo, na medida em que aguce seu confronto
com o imperialismo, tornar-se-á carente de amplo apoio popular e permeável, por
isso mesmo, às reivindicações de ordem democrática.
É claro que as
saídas acima apontadas são, como não poderiam deixar de ser, bastante
esquemáticas. São hipóteses para o trabalho político, tanto mais úteis quanto
expressem com maior rigor as tendências reais do processo político em curso.
De qualquer
forma, a queda do regime atual poderá assumir o caráter de uma verdadeira
revolução antifascista, com a derrota e afastamento do poder das forças e
camadas políticas e sociais mais reacionárias do país.
VI) O AI-5 teve profundas conseqüências na
Guanabara. Podemos dizer que um dos seus objetivos primordiais foi esmagar o
movimento político das massas, em oposição aberta ao regime, que ganhou corpo
no Estado a partir do início de 1968. O mesmo já ocorrera por ocasião do AI-2,
que teve como finalidade contrabalançar o golpe que o povo carioca desfechou
contra a ditadura nas eleições de 1965. Isto significa que a GB tem sido, até
aqui, o mais importante foco de resistência ao processo de fascistização do
país. Mostra, simultaneamente, a grande responsabilidade, de caráter nacional,
das forças antiditatoriais do Estado. Os êxitos ou fracassos na organização de
uma oposição de massas ao regime na Guanabara repercutem rapidamente em todo o
território nacional.
A primeira e mais
importante conseqüência do golpe de 13 de dezembro de 1968 foi a dispersão do
bloco oposicionista estadual. Abateu-se sobre o povo da GB a mais feroz reação:
recesso forçado da Assembléia Legislativa, cassações e prisões de líderes
políticos de trabalhadores e estudantes, controle policial dos sindicatos,
fortalecimento dos órgãos de segurança estaduais e federais e terror cultural
contra os intelectuais.
O movimento de
massas foi obrigado a recuar e, só aos poucos, vai encontrando novas formas
para se expressar na situação de extrema reação criada pelo AI-5.
O Partido sentiu
também esses golpes e, como é natural, teve que introduzir modificações na
organização de sua atividade política e de sua vida interna. Seu trabalho
decresceu, como não podia deixar de acontecer, e só aos poucos ele vai
conseguindo romper com as dificuldades criadas pelo AI-5. Além disso, as
dificuldades políticas do Partido (e de toda a oposição) são acrescidas pela
atividade desorganizadora e anárquica dos grupos radicais que, através de ações
isoladas de pequenos grupos de conspiradores e em dissonância com o estado de
espírito das massas, motivam o terrorismo do governo (fornecendo argumentos para
justificar a chamada "guerra revolucionária"), confundem a opinião
pública e, assim, entorpecem os esforços que, juntamente com outras forças,
realizamos para estruturar a frente antiditatorial.
Ao lado das
medidas repressivas, o povo da GB é um dos mais sacrificados pela política
econômica do regime. Basta atentar, neste sentido, para o que vem ocorrendo no
Estado: diminuição do número de empregos industriais (caindo de 201 mil para
199 mil pessoas entre janeiro e outubro de 1969), aumento dos preços da
alimentação (subiu 30%) e dos serviços públicos (aumento de 31%), aumento
progressivo das falências e concordatas a partir de 64, elevação brutal do
número de despejos, aumento da carga tributária, etc.
Outro ponto da
política econômica do governo que atinge a GB é a sua orientação
pró-monopolista, e isso em virtude, principalmente, do dimensionamento médio e
pequeno da maioria esmagadora das empresas industriais do Estado. Essas
indústrias se ressentem fortemente com os favores oficiais concedidos aos setores
monopolistas da economia. E é nisso, talvez, que se encontra uma das razões
para explicar o chamado esvaziamento da Guanabara.
Dentro desse
panorama surgem, na GB, duas importantes questões políticas: as próximas
eleições e a sua fusão com o Estado do Rio.
Nos próximos
pleitos serão escolhidos, em eleição indireta, o governador, e, em eleições
diretas, os deputados estaduais, federais e senadores. A ditadura está adotando
uma série de medidas fascistas para evitar, em torno das eleições, os contatos
e a movimentação políticos que certamente determinarão um impulso para o acordo
de pontos de vista e a ação comum das forças de oposição. Acautela-se contra a
possibilidade de as eleições se transformarem em elemento de contestação do
regime, mesmo em escala reduzida. As eleições apresentam, assim, nas condições
atuais, um duplo aspecto: de um lado, são mantidas porque o processo de
fascistização não teve força para suprimi-las totalmente; de outro, porque
ajudam a mascarar o caráter fascista da ditadura e a diminuir certas tensões
políticas (conflito aberto com a direita libera!), que poderiam ser fatais ao
regime atual.
Conscientes de
tudo isso é que vamos trabalhar nas eleições.
Os obstáculos à
atividade política em tomo das eleições tornam-se ainda mais evidentes quando
consideramos a imensa apatia popular em relação às mesmas.
O fato é que
temos de empenhar-nos, desde já, junto às forças de oposição no Estado, para
pôr em andamento nossa tática eleitoral.
Levando em conta
a força da ditadura, julgamos difícil colher de imediato grandes lucros
políticos das eleições. Mas não podemos subestimar sua importância: abrem-se
respiradouros, por menores que sejam, para a manifestação da vontade das massas
e ampliam-se as possibilidades de criação de novos focos de resistência à
ditadura.
Devemos, por
isso, preparar imediatamente as candidaturas que apresentaremos ou apoiaremos,
intensificando, ao mesmo tempo, as alianças políticas, organizando os contatos
com líderes e cúpulas políticas e selecionando os quadros e recursos materiais
para sustentar esta atividade. Agindo, é claro, sem perder de vista que o
trabalho eleitoral é apenas um momento, e nada mais do que isto, do nosso
esforço para a formação, na GB, da frente antiditatorial. É uma atividade que
deve reforçar e ser reforçada pelas demais frentes de trabalho: sindical,
estudantil, favelas, cultural, etc.
Chamamos, em
último lugar, a atenção para a possibilidade que as eleições abrem para se
estimular as crises e cisões no sistema de forças do governo, crises que minam
e enfraquecem os seus suportes políticos.
A questão da
fusão não pode, hoje, ser discutida academicamente, no plano técnico e
histórico. Quanto a esses aspectos da questão, os menos relevantes no momento,
diremos apenas que a fusão, por si só, não representaria um meio Ou garantia de
solução para os problemas econômicos, sociais e administrativos dos dois
Estados.
No contexto
político atual, porém, a ótica de exame do problema é outra, completamente
diferente. Diremos, de forma sintética, que, na medida em que a fusão
signifique um ato da ditadura, com a finalidade de diminuir a potencialidade
política da GB como grande foco de resistência ao processo de fascistização do
país, ela deve ser denunciada e tenazmente combatida. A denúncia e a mobilização
das forças políticas do Estado podem paralisar a ação da ditadura. Se isto não
acontecer e a fusão for arbitrariamente realizada, ainda assim aquela ação não
terá sido em vão: o ato será catalogado como mais um passo do regime para
implantar, na vida nacional, o regime do partido único. Pois tudo indica que,
com a fusão, deseja-se, na realidade, extinguir o mais dinâmico centro do
partido da oposição no país.
As linhas aqui
traçadas exigem modificações na organização e na forma de trabalho do Partido
na GB. Algumas dessas modificações e adaptações são sugeridas no plano de
trabalho de nosso Partido para o Estado. Outras questões essenciais, como o
velho problema da criação do Partido nas grandes empresas, de sua propaganda,
do emprego racional de seus quadros, dos critérios de concentração, etc. devem
ser confiadas a grupos de trabalho, em virtude das pesquisas e estudos que
exigem para ser solucionadas.
O importante, no
momento, é quebrar a passividade e a apatia que se apoderam de vários setores
do Partido, despertando-os para organizar a resistência do povo ao avanço do
processo de fascistização do país. Indicamos, nesse sentido, as linhas de
trabalho que se seguem.
1. Na frente
sindical: luta contra o "arrocho salarial", contra a intervenção
aberta ou mascarada nos sindicatos, contra o aumento dos impostos e contra a
liquidação dos direitos e garantias existentes.
2. Na frente
estudantil: luta para dar aos estudantes o direito de gerirem suas
organizações e de realizarem livremente suas reuniões e assembléias nos locais
de estudo; luta pela revogação do 477 e contra o terror dentro das
Universidades e colégios; luta pela libertação dos estudantes presos.
3. Na frente
econômica: resistência à política de privilégios para o setor monopolista
da economia (principalmente os estímulos ao capital estrangeiro); resistência à
entrega das riquezas naturais brasileiras, resistência à desnacionalização das
empresas brasileiras; e luta em defesa da Petrobrás e das empresas estatais.
4. Na frente
cultural: luta pela liberdade de criação e de pesquisa; resistência ao
terror cultural e à censura ao trabalho de criação artística, de divulgação e
de informação.
5. Na frente
eleitoral: luta para dar aos partidos políticos liberdade para escolher
seus candidatos, livres da interferência do governo e da pressão dos órgãos de
informação; luta para assegurar a liberdade de propaganda para os candidatos,
com a realização de comícios e garantia de acesso aos meios de informação de
massas; luta para estabelecer contato com todas as correntes, partidos e grupos
de oposição na GB e, antes de tudo, com o MDB e os católicos.
6. Na frente
de solidariedade: organização de ajuda aos presos e suas famílias; denúncia
sistemática das torturas; luta para garantir a assistência jurídica aos processados.
7. Na frente
das liberdades civis: luta pelo restabelecimento do habeas-corpus.
Aferrando-nos a
essas linhas, iremos pacientemente reestruturando e recriando, nas difíceis
condições atuais, as grandes correntes do movimento político de massas da Guanabara,
o movimento operário e sindical, o movimento estudantil, o movimento cultural e
o. movimento de funcionários públicos e empregados.
Essa atividade
deve ter como suporte um trabalho de propaganda forte e bem estruturado. Isto é
indispensável ao aprendizado político das massas e concorrerá para despertar no
povo um estado de ânimo favorável à organização da resistência ao processo de
fascistização. Deve, então, ser uma propaganda que desvende o caráter
antinacional e antidemocrático do governo atual, uma propaganda que torne os
trabalhadores conscientes de serem eles a força política e socialmente mais
qualificada para liquidar o regime criado pelo golpe de 1964. Uma propaganda,
enfim, capaz de esclarecer, nos mínimos detalhes, que, sem a liquidação do
poder autoritário e militarista, são praticamente nulas as possibilidades de
ascensão dos trabalhadores à vida política e social da Nação, acentuando-se a
situação de marginais da sociedade brasileira em que foram colocados depois de
abril de 1964.
É claro que não há nenhuma organização do Partido capaz, de sozinha, engajar-se, nas presentes condições, na realização desse elenco de tarefas. Cabe a cada uma fazer suas opções, levando em conta suas possibilidades e as situações que se apresentem
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