Folha de S. Paulo
A proliferação de partidos não é um
problema moral, mas institucional
A ciência política já identificou os
fatores que determinam o número efetivo de partidos em um sistema político (Nepp). O
principal é a representação proporcional (RP), o modelo mais popular e adotado
em 94 países (o voto único em distrito uninominal, “voto distrital”, é adotado
em 68).
Mas o efeito da RP é condicional a outros
fatores. O decisivo é a magnitude do distrito. No Brasil, os distritos são os
estados, e ela varia de 8 a 70 (a mediana é 17). Tudo o mais constante, adotado
o distritão, por exemplo, o número de partidos no sistema não se alteraria,
como mostrou Gary Cox (Universidade Stanford).
As democracias nas quais o distrito é o próprio país —Holanda, Dinamarca ou Israel— têm o número mais elevado de partidos do planeta. No plano oposto está o Chile, que adotou a RP, mas com magnitude 2, de 1989 a 2015. O Nepp no Brasil não tem paralelo. Uma forma de reduzir o tamanho do distrito seria através de modelos mistos, presentes em 37 países, nos quais os distritos poderiam cair pela metade.
O segundo fator são as cláusulas de
barreira contra partidos nanicos. No Brasil, a ausência de uma foi variável
crucial para a proliferação de partidos. Uma cláusula fora aprovada em 1995,
mas julgada inconstitucional pelo STF, em decisão estapafúrdia, quando ia ser
utilizada em 2006. A cláusula introduzida em 2017 periga cair na reforma em
curso. Outras decisões do STF também criaram incentivos para a criação de
partidos (janelas partidárias, migração em caso de partidos novos etc).
O terceiro fator é o federalismo. No
Brasil, vige desde 1946 o princípio do caráter nacional dos partidos, em
contraste com outras federações —como Argentina e Índia— onde existem numerosos
partidos estaduais.
A proliferação de partidos no país ocorre a
despeito dessa proibição. Mas a centralidade das eleições estaduais impacta o
número de partidos; o segundo turno também magnifica esse efeito.
Em quarto lugar, o colossal volume de
recursos públicos disponibilizado para os partidos, inclusive para quem não
tem voto, converte a criação de partidos em atividade altamente rentável.
Mesmo antes da aprovação do Fundo de Campanha, o Fundo Partidário garantia
recursos inconcebíveis. As coligações em eleições proporcionais exacerbaram
incentivos perversos no mercado de “chapas”. E elas podem
voltar.
No debate público, a criação de partidos
tem sido vista frequentemente como produto da volúpia incontrolável dos
políticos em uma cultura secularmente clientelista. O problema com essa
explicação é que ela se aplica virtualmente a tudo. Reduzir o problema a uma
questão moral é perder de vista sua complexidade. O problema é institucional.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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