Revista Veja
Bolsonaro tem vocação autoritária, sonha com golpes, é refém de uma expressiva confusão mental, mas não tem estratégia oculta nem é um esperto por natureza
A cada episódio do espetáculo de
desmoralização da Presidência da República estrelado por Jair Bolsonaro há dois
anos e oito meses, as pessoas se perguntam qual é a razão de o presidente
insistir na marcha da própria insensatez.
Buscam-se variadas motivações: na vocação
ao autoritarismo, numa presumida esperteza bem planejada, em algum déficit no
recôndito do cérebro presidencial ou mesmo na sinalização para um golpe de
Estado.
Isoladamente, nenhuma delas satisfaz por
ausência de razoabilidade fática na execução dos propósitos quaisquer que sejam
eles. O conjunto dessas características sem dúvida presentes nos atos e
palavras do presidente, e que por isso justificam as suspeitas, dá notícia de
uma personalidade dada a delírios.
O maior dos produtos da confusão mental de Bolsonaro é a ideia de que nessa toada chegará à reeleição. O que mais se ouve por aí no rol de tentativas de explicar a série de tiros no pé é que ele fala “para sua bolha”. Assim a maior parte das análises sobre o espantoso discurso na abertura da Assembleia-Geral da ONU qualificou a passagem do presidente por Nova York.
Não é novo o fato de presidentes
brasileiros perderem a chance de falar ao mundo e preferirem se dirigir à
província. José Sarney, Luiz Inácio da Silva e Dilma Rousseff já fizeram isso,
mas nenhum deles atraiu críticas nem obteve o destaque internacional alcançado
pelo atual presidente, até porque o simples envio de “recados” internos não
interessam ao mundo.
Portanto, parece apressado e um tanto
equivocado resumir a atuação desastrosa à intenção de fidelizar uma base
eleitoral de convertidos, que, inclusive, diminui de tamanho a cada contagem
dessa adesão nas pesquisas. Jair Bolsonaro teve o apoio de 55% do eleitorado em
2018. Hoje é aprovado por 22% dos consultados na última apuração do instituto
Datafolha, cuja mostra revelou que apenas 11% estão com ele para o que der e
vier.
O que, então, poderia pensar o presidente
em ganhar com a desastrosa passagem por NYC? E aqui a referência não é apenas
ao discurso eivado de mentiras do começo ao fim, todas desmentidas interna e
externamente, de A a Z, ponto a ponto. O desastre materializou-se na exibição
do manual de estilo ao qual os ministros da Saúde e das Relações Exteriores
acrescentaram alguns tópicos com suas chocantes linguagens de sinais.
“Pautado na sua confusão mental, Bolsonaro
se perde ao insistir na marcha da própria insensatez”
Voltando ao ponto sobre o que pensa o
presidente em ganhar com isso, chego à conclusão: ele não pensa. Tem vocação
autoritária, sonha com golpes, é refém de uma expressiva confusão mental, mas
não tem estratégia oculta nem é um esperto por natureza.
Bolsonaro simplesmente é assim, um homem
inculto, grosseiro, deslumbrado e ao mesmo tempo assustado por ter sido
guindado de repente da insignificância à total importância. Não sabe ser
diferente e por isso se refugia em delírios, naquilo que se convencionou chamar
de realidade paralela bolsonarista, um universo onde a lógica não tem vez.
Os habitantes desse planeta fora do mapa
compartilham a euforia à deriva pela atenção recém-adquirida. Sentem-se
finalmente relevantes, donos de voz ativa, credores do líder que os levou a
essa condição. Decepcionam-se às vezes, mas se recuperam rápido criando razões
para renovar a fidelidade, ainda que elas pouco ou nada tenham a ver com os
fatos.
Os acontecimentos decorrentes das
manifestações do 7 de Setembro foram particularmente expressivos nesse aspecto.
Logo após o presidente ter inventado no palanque de Brasília que no dia
seguinte haveria uma reunião do Conselho da República, vários deles divulgaram
vídeos em que apareciam felizes e aos prantos pela “decretação do estado de
sítio”. Também comemoraram a “fuga” do ministro Alexandre de Moraes “para
Taiwan”, onde estaria exilado e tão “humilhado” quanto seus pares do Supremo
Tribunal Federal.
E a carta do dito pelo não dito escrita por
Michel Temer? Um hábil recuo estratégico para obter do STF a garantia de que
não haveria punições nem investigações envolvendo o presidente e seus
apoiadores. E a fraude eleitoral, e o chip da vacina, e os vacinados
transformados em jacarés, e a cura pela cloroquina, e os milhões que foram às
ruas na “maior manifestação de toda a história”, e a ameaça comunista?
Tudo isso, e mais um pouco que a memória
deixou de fora, pode servir para movimentar os delirantes, mas não é suficiente
para ganhar uma eleição.
Publicado em VEJA de 29 de setembro de
2021, edição nº
2757
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