Folha de S. Paulo
Presidente e seus auxiliares não poupam
esforços para bloquear administrativamente a ação dos órgãos de monitoramento e
proteção ambiental
Como era esperado, o pronunciamento
de Jair Bolsonaro na abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU, na última
terça-feira (21), foi constrangedor. Maquiou
dados sobre desmatamento e queimadas, mentiu sobre a corrupção, gabou-se de
um inexistente sucesso econômico, além de se auto incriminar pelo apoio ao
“tratamento precoce”.
Causaram surpresa, entretanto, os elogios à legislação ambiental brasileira, que “deveria servir de exemplo para outros países”, posto que o presidente e seus auxiliares não têm poupado esforços para bloquear administrativamente a ação dos órgãos de monitoramento e proteção ambiental. Com a chegada de Arthur Lira à presidência da Câmara dos Deputados, o presidente finalmente parece ter encontrado um braço forte disposto a legalizar o que a “exemplar” legislação brasileira hoje considera ilegal.
Entre os projetos de lei com maior
potencial de erosão dos direitos socioambientais destacam-se o PL 2633, que
trata da regularização fundiária, e o PL 490, voltado a alterar o processo
de demarcação de terras indígenas e a imposição
de um marco temporal. Ambos atendem predominantemente a interesses da
grilagem, do desmatamento e da mineração ilegais.
O PL 3729, por sua vez, flexibiliza o
licenciamento ambiental, que é uma ferramenta indispensável a um processo sustentável
de desenvolvimento, prevenindo desastres ambientais e a transferência às
gerações futuras de atividades econômicas presentes. O objetivo original da
proposta apresentada em 2004 era unificar a legislação, garantindo maior
segurança jurídica, eficiência e agilidade ao licenciamento ambiental.
O texto aprovado pela Câmara e preste a ser
analisado pelo Senado Federal vai, no entanto, na
direção oposta daquilo que o Brasil precisa. Dispensou o licenciamento
ambiental para diversas atividades potencialmente causadoras de degradação
ambiental. Para a maioria das atividades licenciáveis, o projeto criou a
Licença por Adesão e Compromisso, mecanismo meramente declaratório que, na
prática, esvazia a noção de avaliação ambiental, transformando o auto
licenciamento em regra e não mais exceção.
Órgãos públicos ligados à preservação
ambiental e patrimonial, como o ICMBio, Funai e Iphan perdem espaço no
licenciamento ambiental. Na pior tradição brasileira o projeto premia quem
descumpriu a lei, isentando de responsabilidade empreendimentos que já operam
sem licença ambiental válida, que deverão apenas solicitar um Licenciamento
Ambiental Corretivo. Também isenta de responsabilidade instituições de
financiamento, como bancos, pelos eventuais danos socioambientais causados
pelos empreendimentos que apoiaram.
A OCDE, em relatório lançado em julho,
apontou que a política ambiental brasileira já deixa a desejar: dos 48
requisitos legais analisados pela organização, o Brasil foi considerado como
total ou parcialmente desalinhado em 29, ou seja, em 60% do total. Caso o PL
3729 seja aprovado, tal como está, o Brasil perderá ainda mais espaço na luta
por investimentos e credibilidade internacional. Também testemunharemos mais
desastres ambientais, desmatamento na Amazônia e violações aos direitos
humanos.
Cabe ao Senado Federal evitar que mais esse ataque ao nosso sistema de proteção ambiental se consume, se não por respeito ao bem-estar das futuras gerações, ao menos pelo interesse estratégico do Brasil de se reinserir numa posição de liderança num contexto internacional cada vez mais exigente em termos ambientais e climáticos.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
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