O Globo
No Brasil, Prevent Senior parece apenas mais um caso dos muitos que já foram banalizados pelo dia a dia de uma terra sem lei
Coma
exceção do
Afeganistão e talvez da Síria, que têm problemas mais urgentes e tenebrosos,
todos os países do mundo tratariam como escândalo espantoso um episódio como o
da Prevent Senior. Não apenas porque a prestadora de serviços de saúde
ministrou remédios sem eficácia a seus pacientes, mas porque usou parte da sua
clientela, velha e indefesa, para fazer testes e experiências que resultaram na
morte de pessoas. No Brasil, parece apenas mais um caso dos muitos que já foram
banalizados pelo dia a dia de uma terra sem lei.
Os dados até aqui
revelados pelos repórteres Ana Clara Costa e Guilherme Balza não deixam margem
para dúvida, a Prevent Senior agiu deliberadamente de maneira criminosa e
odienta. Desrespeitou o direito dos pacientes e seus familiares, não cumpriu
com o seu dever profissional, moral e ético, omitiu ou fraudou informações e
mentiu. O pacote de absurdos praticados por orientação expressa dos dirigentes
da empresa, que alguns médicos se recusaram a obedecer, precisa ser ainda
esmiuçado e em seguida seus responsáveis punidos com toda a extensão e com o
absoluto rigor da lei.
Além de matar pacientes, as orientações dadas aos funcionários da Prevent Senior serviriam também para esculachar os doentes com experimentos sem qualquer apoio científico e sem autorização formal de pacientes, famílias ou entidades que regulam o setor, como a Anvisa. A empresa diz que a orientação era dos médicos, não do seu corpo administrativo. Mentira. As reportagens mostram o contrário. Há casos, já fartamente documentados, de clientes da Prevent Senior que ligavam para a empresa para relatar casos de Covid e recebiam em casa horas depois, sem pedir, kits de cloroquina, ivermectina e outras drogas comprovadamente ineficientes no combate à doença.
O Hospital Sancta
Maggiore, da Prevent Senior, em São Paulo, virou uma casa de horrores.
Pacientes, todos idosos, porque a empresa como o nome diz trata exclusivamente
de seniores, foram tratados até a eclosão do escândalo como cobaias de
experiências macabras. Se fosse um filme, você diria que o roteirista exagerou.
Exagerou tanto que colocou dentro do hospital três personagens que se somaram
ao esforço do gabinete paralelo do presidente Jair Bolsonaro para enfrentar a
Covid por meios ineficazes. Estavam lá os médicos Nise Yamagushi e Anthony Wong
e o empresário travestido de periquito Luciano Hang.
Nise, que se sentiu
ofendida ao ser contestada na CPI da Covid, andou pelo Sancta Maggiore fazendo
a interface do gabinete paralelo com a Prevent Senior. Wong, que como Nise
pregava o tratamento precoce, morreu naquele hospital bombardeado pelo pacote
completo de remédios ineficientes. Até ozônio pela via retal foi administrada
em Wong enquanto ele estava desacordado num leito de UTI pouco antes de morrer.
Hang levou para a casa de horrores a sua mãe, que obviamente morreu com
tratamento inadequado.
O
milionário,
que poderia ter levado a genitora para se tratar no Einstein ou no Sírio
Libanês, preferiu usar os serviços da Prevent Senior, possivelmente orientando
por Nise ou outro membro do gabinete paralelo. Quando o caso se tornou público,
Hang emitiu uma nota reclamando da “maldade humana” pelo que chamou de
desrespeito com a sua mãe. Nenhuma palavra sobre a omissão da Covid no atestado
de óbito da senhora que, como no de Wong, constavam diversas causas e nenhuma
menção ao que a levou a ser internada.
Hang também nada
disse sobre a continuada exploração do cadáver da mãe por ele próprio, que fez
um vídeo para tratar disso e afirmou que ela poderia ter sobrevivido se tivesse
tido “tratamento precoce”, levantando um cartaz com esses dizeres. Pior é que a
pobre senhora foi submetida a toda a bateria de remédios do kit Covid da
Prevent Senior. Até ozônio foi ministrado a ela. O empresário lamenta que não
foi preventivo e não conseguiu salvar a vida da mãe. Mas, como disse o
presidente que ele tanto mitifica numa entrevista a ativistas alemães de
extrema-direita, a maior parte dos óbitos foi de pessoas com comorbidade que
“apenas tiveram suas vidas encurtadas em alguns dias ou semanas”.
De volta em 2026
O maior equívoco da vida pública nacional
pode dizer adeus temporariamente à política no ano que vem? Muita gente que
circunda Jair Bolsonaro tem dito que ele pode não se candidatar à reeleição em
2022. O quadro ainda está sendo desenhado, mas a hipótese é bem concreta caso
se confirme a inviabilidade da sua candidatura, já
detectada por pesquisas. Neste caso, ele poderia dizer estar apenas cumprindo
promessa de campanha. O Centrão até já se posicionou, sugerindo que poderia
blindar a ele e seus filhos no Congresso para não serem punidos pelos crimes
que cometeram. Como pacote adicional, Bolsonaro encaminharia ao Congresso uma
PEC acabando com o instituto da reeleição. Neste caso, poderia voltar em 2026
sem ter de enfrentar um presidente no cargo.
Basta?
A saída do cenário de Bolsonaro bastaria?
Não, não bastaria. Ele precisa ser julgado e condenado pelos inúmeros
crimes que já cometeu e pelos que ainda vai cometer até deixar o Palácio do
Planalto. Nem o impeachment sozinho seria suficiente para que o Brasil mostre
ao mundo, depois da passagem grosseira do presidente Sujismundo e de sua
comitiva por Nova York, que o seu maior dano histórico foi reparado.
Senado progressista
O Senado sempre foi a casa conservadora do
Congresso Nacional, cabendo à Câmara um perfil um pouco mais (não muito)
progressista. Esses papéis se inverteram desde a posse de Arthur Lira e a
implantação da sua pauta para lá de heterodoxa. A Câmara
virou um feudo do que há de mais retrógrado na política e o Senado passou a
exercer a função de reparador de estragos produzidos pelos deputados. Foi o que
aconteceu com a PEC da reforma política, com a revogação da permissão dada pela
Câmara para as coligações em eleições legislativas. Por isso, aliás, Rodrigo
Pacheco é pré-candidato a presidente. Já Lira...
Uma vez fantasma...
Como revelou o repórter Felipe Bachtold, a
mulher do presidente da Câmara, Arthur Lira, denunciada como funcionária
fantasma quando era empregada da Assembleia Legislativa de Alagoas, foi nomeada
em julho secretária-adjunta da representação estadual do governo de Roraima em
Brasília. No escritório, ninguém sabe dizer se aex-fantasma Angela
Lira tem aparecido para trabalhar. Nem porque uma alagoana
que mal conhece Roraima virou representante do estado na capital federal.
O que é pior?
O que parece mais patético: o deputado
zerinho dizer que o prefeito de Nova York é marxista e os EUA podem se tornar
uma grande Venezuela ou o apresentador Tucker Carlson, da Fox News, fazer ar sério e assustado como
se estivesse ouvindo uma revelação?
Melhor calar
Não havia hora melhor para ficar calado,
mas o vice Hamilton Mourão é daqueles que não pode ver uma geladeira aberta,
acha que é flash de TV e começa a falar. Ao defender o machismo de Wagner do
Rosário, dizendo ser normal as pessoas eventualmente darem uma aloprada, Mourão
mostrou o que mesmo velhos oficiais aprendem na caserna.
Medalhas
Depois que a Assembleia Legislativa de São
Paulo resolveu criar a medalha Erasmo Dias de Segurança Pública, vale avaliar
se não cabem também a medalha Brilhante Ustra de Interrogatório Policial e
a medalha Newton Cruz de Pacificação das Vias Públicas. Da mesma forma, pode-se
pensar na medalha Jair Bolsonaro de Respeito aos Valores Democráticos.
Fenaj X Google
A presidente da Federação Nacional dos
Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, a Zequinha, quer criar uma taxa
progressiva a ser cobrada de plataformas digitais como
Google, Facebook e Amazon para formar um fundo que promoveria o “jornalismo de
qualidade” no Brasil.
Ir à igreja
Pesquisa da Bateiah Estratégia e Reputação revela que as pessoas estão ansiosas para a pandemia passar para poder, veja só, ir à igreja. A sondagem, que ouviu 1.455 pessoas em todo o país, mostra que 26,2% pretendem prioritariamente voltar aos seus templos quando a pandemia cessar. Outros 17,8% querem fazer turismo, enquanto 14,5% estão loucos para voltar a bater perna nos centros populares de comércio; 11,1% querem ir a restaurantes; 9,5% sonham em voltar para as academias de ginástica; e 8,7% querem retomar sua agenda cultural indo a teatros e a shows.
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