O Estado de S. Paulo
Jair Bolsonaro acabou sendo o pior inimigo dos planos de Paulo Guedes
Reza a lenda que Jair Bolsonaro não era a
primeira escolha de Paulo Guedes para satisfazer a vaidade intelectual de mudar
o Brasil. Era Luciano Huck. Mas Guedes achou que só Bolsonaro teria couro duro
para aguentar as pancadas vindas do “sistema” que ele, Guedes, se propunha a
desmontar: patrimonialismo, Estado balofo, incompetência do funcionalismo
público e economia fechada.
Da escola de Chicago, onde estudou, Guedes parece ter absorvido sobretudo o voluntarismo de Milton Friedman – inspirador mesmo para os colegas que abominam suas ideias. Economistas, escreveu Friedman em suas memórias, exercem influência à medida que mantêm opções ao alcance de políticos em época de crise.
No caso de Bolsonaro, as opções foram sendo
reduzidas até se chegar à derradeira delas: como arranjar dinheiro para
programas assistenciais com grande potencial eleitoreiro. Guedes pode pretender
o que quiser do ponto de vista “programático” ou intelectual. Para todos os
efeitos práticos, seu papel hoje é chancelar uma tática política ditada pelo
Centrão fisiológico.
Em vez de o presidente da República adotar
os postulados monetaristas e anti-keynesianos que o ministro da Economia
proclamava para plateias “dos mercados”, ocorreu o contrário. O monetarista foi
empurrado para o papel de facilitador do patrimonialismo, indisciplina fiscal e
intervencionismo considerados anátemas na escola onde ele estudou.
Declarações recentes de Guedes sobre a
recuperação e perspectivas da economia têm levado críticos a dizer que o
outrora visionário e poderoso ministro da economia teria perdido o senso para
os dados da realidade. O que ele talvez não percebeu em toda sua extensão é o
quanto já foi abandonado pelas mesmas parcelas do mundo empresarial que tanto o
abraçavam.
Entre Guedes e os agentes da economia
existe hoje um fosso, que está se ampliando, quando se trata de expectativas. E
por ser a percepção dos agentes econômicos cada vez mais o fator dominante, e
cada vez menos o que o ministro diz, a capacidade dele de “talk up” a economia
tem sido próxima do zero. Nesse sentido, não adianta pôr a culpa “na mídia”.
Na raiz da cooperação entre economistas e
políticos está sempre a tensão entre as ideias (do economista) e a visão
política (do dirigente) sobre o que e como seria possível. O problema para
Guedes não estava propriamente nas suas ideias mas, sim, no que se revelou ser
um monumental erro de julgamento pessoal e político.
O político tosco de couro duro que escolheu
não era o agente de transformação (assumindo que tivesse querido ser). Mas,
sim, seu principal obstáculo.
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