Valor Econômico
Viagem bem-sucedida de Lula é calcada na
expectativa de liderança contra a extrema direita mundial
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
já estava no Palácio do Eliseu, sede do governo francês, na manhã de ontem,
quando o tribunal correcional de Paris deu início ao julgamento de Éric
Zemmour. O jornalista de 63 anos foi acusado de insulto e de incitação ao ódio
e à violência depois de ter chamado menores imigrantes abandonados de “ladrões,
assassinos e estupradores”.
Zemmour e o canal de televisão do qual é
comentarista já foram multados quando ele disse que a maior parte dos
traficantes são negros e árabes e, por isso, as empresas deveriam ter o direito
de não contratá-los. Filho de um casal de judeus argelinos que emigrou para a
França nos anos 1950, na guerra da independência, chegou ainda a dizer que o
marechal Pétain, colaboracionista que governou a França na Segunda Guerra,
“salvou” judeus do holocausto.
Zemmour é hoje a principal ameaça à
reeleição de Macron. O jornalista ainda permanece atrás da líder da Frente
Nacional, Marine Le Pen, mas pesquisas indicam ultrapassagem certa. Ao divulgar
o encontro com Macron Lula mencionou a preocupação comum a ambos com o “avanço
da extrema direita” pelo mundo. O ex-chanceler Celso Amorim, que o acompanha em
seu périplo na Europa, faz eco. Atribui a pompa e a circunstância com a qual o
ex-presidente foi recebido por Macron, que fez desfilar a guarda de honra,
desceu a escadaria para cumprimentá-lo à saída do carro, e esticou para mais de
uma hora a audiência prevista para 45 minutos, à preocupação do presidente
francês em reforçar um anel de segurança contra a direita mundial.
Se, internamente, a viabilidade eleitoral do presidente Jair Bolsonaro é cada vez mais posta em dúvida, externamente Lula ainda se vale não apenas do cataclisma de seu governo quanto da ameaça de sua reeleição para despertar interesse e apoio. Com Angela Merkel prestes a deixar o governo, Macron é o principal líder da União Europeia. Pode vir a dividir a condição com Olaf Scholz, ministro das Finanças da Alemanha e o primeiro a receber Lula em seu périplo europeu. Sob duas condições: que Macron seja reeleito em abril, pauta da comitiva de prefeitos que o visitou depois de Lula, e que Scholz, na condição de líder da social-democracia alemã, partido vencedor das últimas eleições, consiga formar o governo do qual deve vir a ser o chanceler.
A agenda de Lula ainda incluiu visita ao
Parlamento Europeu onde, em sessão dedicada à América Latina, parlamentares
socialistas e social-democratas do bloco se puseram de pé para recebê-lo. Em
nenhum país, porém, a agenda do ex-presidente foi tão marcada pela pauta
anti-extremista quanto na França, onde ainda encontrou mais dois candidatos à
Presidência - a prefeita de Paris, Anne Hidalgo (PS), e Jean Luc Mélenchon
(França Insubmissa) - e atraiu os CEOs da Dassault e da Renault para evento em
que foi premiado.
O périplo de Lula foi escolhido a dedo para
contrastar com o isolamento de Bolsonaro da cúpula do G20, em Roma. O
presidente brasileiro já deixou um ministro das relações exteriores francês em
sua sala de espera para ir ao cabelereiro, jogando por terra a perspectiva de
um acordo com a União Europeia, e criou um clima tão favorável ao desacato que
o ministro Paulo Guedes sentiu-se à vontade para fazer comentários misóginos em
relação a Brigitte Macron, primeira-dama francesa.
A perspectiva de se firmar como parte da
reação mundial à extrema direita é uma explicação possível para Lula ter
contornado Glasgow, onde sua “vantagem comparativa” de liderança a enfrentar o
governante mais extremista do mundo se diluiria ante uma pauta múltipla com um
banco de réus ocupado da direita à esquerda. Mas Glasgow também ficou fora do
roteiro porque nem Lula nem qualquer outro aspirante no Brasil ou fora dele tem
uma equação para lidar com as múltiplas pressões da COP. Se na França a
imigração é o motor da extrema direita, no Brasil é a sustentabilidade como
ameaça que, em grande parte, alimenta o bolsonarismo ou aquilo que vier a
substituí-lo.
Se a agenda externa se transformou num
ativo de Lula sua valoração depende, em grande parte, da capacidade de o
ex-presidente alimentar a polarização com Bolsonaro. Este cenário ganhou
nuances ao longo da ausência de Lula do Brasil com a entrada de Sérgio Moro na
arena eleitoral. É ele quem avança mais celeremente para tomar não apenas o
lugar de Bolsonaro mas sua fórmula. O nome mais aventado para vice é o
ex-ministro da Secretaria de Governo e general Carlos Alberto dos Santos Cruz.
A chapa em nada agregaria à ausência de projeto de Moro para o resgate da
miséria e da economia, mas funcionaria, a exemplo do vice Hamilton Mourão, como
um seguro anti-impeachment.
Antes mesmo das prévias do PSDB,
empresários mobilizados por uma terceira via marcaram encontro para ouvir o
ex-juiz que, a exemplo do apresentador Luciano Huck em seu malogrado ensaio,
busca se cercar de grifes. O de Moro é o ex-presidente do Banco Central,
Affonso Celso Pastore. O favoritismo do governador de São Paulo, João Doria, na
disputa tucana ainda joga a favor do ex-juiz não apenas porque concorre para
desunir o partido como também prejudica a perspectiva de uma terceira via sob a
égide do PSDB.
Ao divulgar sua aproximação com o
ex-governador Geraldo Alckmin, Lula buscou se antecipar ao angu tucano e atrair
para o PSB dissidentes que não estejam dispostos a abraçar Doria ou Bolsonaro.
A chapa Lula-Alckmin também descongestionaria as pretensões de três postulantes
paulistas, o ex-prefeito Fernando Haddad, o ex-governador Marcio França e o
vice-governador Rodrigo Garcia.
As vantagens eleitorais de Lula com a
chapa, porém, parecem mais evidentes do que aquelas de Alckmin. O ex-presidente
petista pode vir a entrar com mais facilidade no eleitorado do centro-sul tendo
o ex-governador por parceiro, mas Alckmin corre o risco de perder seu
eleitorado cativo, especialmente numa disputa com a presença de um candidato
como Moro a repetir que os fins justificam os meios quando o projeto é
extinguir o PT.
Se Moro disputará o antipetismo com
Bolsonaro, este quer avançar sobre o próprio petismo com o auxílio emergencial
e a recriação do Ministério do Trabalho. Lula foi bem sucedido em se blindar de
fora para dentro mas é a solução para a massa dos 19 milhões que ficaram à
míngua em novembro que selará esta disputa.
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