sexta-feira, 18 de março de 2022

Vinicius Torres Freire: Pacote eleitoral de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Medidas misturam laranjas com jaca velha, crédito com dinheiro novo e mera antecipação de recursos

"Em ano eleitoral, pacote do governo injeta R$ 150 bilhões na economia", a gente lia e ouvia na tarde desta quinta-feira (17). Era o noticiário do anúncio do "Programa Renda e Oportunidade", de Jair Bolsonaro.

É cascata.

É propaganda do governo, que soma um rolo de dinheiros diversos. Pode até aliviar a vida muito dura de muita gente, por pouco tempo, talvez o bastante para render uns pontos de pesquisa ou votos. Isso se o trem de crise que vem na contramão não atropelar ainda mais a vida dessas pessoas.

Quem está fazendo a conta de "inflação suga tantos bilhões da economia"? O salário médio real deve cair de novo neste ano, tanto mais quanto piores foram os efeitos da crise mundial causada pela guerra e pelo arrocho dos juros.

O "pacote de R$ 150 bilhões" mistura laranjas com jaca velha, crédito com dinheiro novo e mera antecipação de recursos.

O governo vai permitir saques de até R$ 1 mil no FGTS. Na estimativa oficial, sairiam R$ 30 bilhões. Dado o desespero do povo miúdo, é bem possível que a estimativa não seja um exagero.

Pelo terceiro ano consecutivo, o pagamento do 13º dos benefícios do INSS será antecipado (a vantagem aqui é receber o dinheiro antes do final do ano, ganhando, sei lá, uns 3% da inflação que comeria o benefício).

Além de ser antecipação, é medida repetida. Já estava na conta de "injeções" de dinheiro na economia.

Houve mudanças no crédito consignado. Mais gente vai poder comprometer parte maior de seu rendimento tomando esse tipo de empréstimo. Quanta gente? Quanto dinheiro? Em qual prazo? Trata-se de crédito, não de transferência de renda. A criatura tem de saber que tem crédito, tem de pensar se quer ou se pode pegar o crédito, tem de conseguir pegar o crédito.

Por aí, viriam uns R$ 77 bilhões, chutou o governo. Sabe-se lá se a soma dos empréstimos vai chegar a tanto. Chegando ou não, o devedor tem de pagar parte do que recebeu, com juros.

Vai haver alguma antecipação de consumo? Certamente vai. Quanta? Pode ser que o povo miúdo mais empreendedor até monte um negocinho com o dinheiro? Bem provável. Mas parte disso vai ser mero anabolizante, que de resto vai deixar muita gente pequena mais endividada (o consignado será pago, com "desconto na fonte", mas a conta pendurada na vendinha pode ficar para depois, assim como a dívida com o vizinho).

O governo decerto não vai parar por aí. Vai dar um jeito de "injetar" mais dinheiro no bolso de alguém, no mínimo dizer que tentou. Como se sabe, o governo vai deixar de arrecadar uns R$ 19 bilhões de PIS/Cofins sobre combustíveis. Mesmo que não chegue na bomba ou diminua o preço de mercadorias afetadas pelo diesel, por exemplo, é uma forma de gasto. Mais déficit, aliás.

No começo de março, o governo decretou uma redução do IPI, que deve "injetar" de R$ 6 bilhões a R$ 7 bilhões na economia, sabe-se lá no bolso de quem. Em tese, deveria baratear eletrodomésticos, mas o desconto pode ficar com fabricantes ou revendedores, a depender do estado e tipo da demanda e da concorrência. O pessoal do governo já estuda outra rodada de redução do IPI (mas precisa acertar como fica o subsídio para o pessoal da Zona Franca de Manaus).

Bolsonaro e seu regente e cúmplice Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, não desistiram de bulir com o preço da gasolina. Não será um subsídio geral, mas Lira precisa fazer propaganda e Bolsonaro precisa dar satisfações a suas bases de motoristas e motociclistas.

Ainda está em estudo um refinanciamento de dívidas de pequenas empresas, além da nova rodada de crédito garantido (subsidiado, pois) pelo governo, o Pronampe. A ideia é comprar pontos nas pesquisas.

 

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