O Globo / O Estado de S. Paulo
A disputa presidencial polarizada nas
eleições deste ano está longe de ser um embate entre direita e esquerda
É preciso ter clareza sobre a real natureza
do risco político a que estará submetida a condução da política econômica nas
eleições de outubro.
Quando se trata de outras dimensões de
política pública — relacionadas, por exemplo, a educação, saúde, segurança
pública, costumes, cultura e meio ambiente — faz algum sentido perceber a
disputa presidencial polarizada, entre Bolsonaro e Lula, como um embate entre
direita e esquerda.
No que tange à condução da política econômica, essa percepção de um embate entre direita e esquerda até chegou a fazer sentido na eleição de 2018, pelo menos para quem se deixou cair no conto de que Bolsonaro passara a ser um discípulo convicto e disciplinado de Paulo Guedes.
Na atual campanha presidencial, contudo,
tal percepção já não faz nenhum sentido. O que estará em jogo, em outubro, será
um embate entre duas visões populistas da condução da política econômica.
Tentar reduzir tal embate a um entrechoque entre direita e esquerda só
dificulta a compreensão do que de fato estará em jogo.
Que diferença fundamental há entre as
propostas de alteração da política de preços de combustíveis que vêm sendo
defendidas por Lula e o PT, de um lado, e por Bolsonaro e o Centrão, de outro?
Que diferença há entre a obstinação com que
o PT se propõe a afrouxar o teto de gastos, de um lado, e o inconformismo de
Bolsonaro e do Centrão com a limitação da expansão de despesas no Orçamento da
União, de outro?
Que forças políticas no Congresso dão,
hoje, respaldo inequívoco à preservação do teto de gastos e da responsabilidade
fiscal? É bom lembrar do apoio maciço de supostos “partidos de oposição” à
aprovação da PEC dos Precatórios, no final de 2021. O PT só votou contra
porque, na verdade, defendia um Auxílio Brasil de R$ 600 por mês.
A seis meses e meio do primeiro turno da
eleição presidencial, Bolsonaro, articulado com o Centrão, continua investindo
contra o alambrado das restrições fiscais para, na medida do possível, tentar
compensar, com farta distribuição de benesses ao eleitorado, a expansão
medíocre do PIB e do emprego.
Não parece haver limite para o vasto
cardápio de medidas populistas que vêm sendo aventadas e anunciadas. Para
tentar manter as aparências, iniciativas mais desabridamente irresponsáveis vêm
sendo levadas adiante por uma tabelinha entre o Planalto e o Centrão, em que se
reserva ao ministro da Economia o papel de quem está na defesa, tentando tomar
a bola.
Nas últimas semanas, esse quadro já
desalentador tornou-se ainda mais difícil, na esteira das ondas de
desestabilização deflagradas pela invasão da Ucrânia. Em meio ao sério
descontrole inflacionário com que o Banco Central já vinha tendo de lidar, o
país se vê, agora, às voltas com forte choque de preços externos advindo dos
abalos nos mercados internacionais de commodities,
especialmente de petróleo.
O repasse da elevação dos preços
internacionais aos preços internos de combustíveis foi o que bastou para deflagrar
um verdadeiro festival de populismo, em que os dois candidatos que lideram as
pesquisas de intenção de votos se têm alternado, na formulação de propostas
estapafúrdias que possam impedir o encarecimento de derivados de petróleo em
ano eleitoral.
Na esteira do esgarçamento do compromisso
do governo com uma política econômica realista e coerente, pautada pela
responsabilidade fiscal, há alto risco de que, mais uma vez, a campanha
presidencial passe ao largo das questões que verdadeiramente importam.
Se, de fato, ficar restrita à polarização
Lula-Bolsonaro, a eleição promete se converter em mero embate entre variantes
de populismo, mal disfarçadas em programas econômicos anódinos dos dois
candidatos. O que marcaria abandono explícito — a meio caminho, se tanto — da
agenda de reconstrução de política econômica que, aos trancos e barrancos, o
país vinha tentando levar adiante, desde 2016.
Essa é a essência do risco político que
permeia a disputa presidencial de outubro.
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