sexta-feira, 23 de junho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Falta interesse do Senado na seleção de membros do STF

Valor Econômico

Um ministro da Corte, ao assumir o cargo, passa em geral a ter compromisso apenas consigo mesmo

O Senado aprova há 129 anos, desde o governo de Prudente de Moraes, toda indicação do presidente da República para a Suprema Corte do país. Anteontem, apenas seguiu a tradição ao sancionar a indicação do advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Cristiano Zanin Martins, para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal com a aposentadoria de Ricardo Lewandowski. As exigências para ocupar o cargo são poucas e vagas, como ilibada reputação e notório saber jurídico. Os senadores encarregados de sabatinar os pretendentes seguem ritual previamente acertado, fazem perguntas gentis, algumas mesuras e os aprovam. Mais do que um exemplo de eficiência ancorado na tradição, o Senado de fato abdica do direito de averiguar com profundidade e isenção as qualificações para os mais altos cargos da magistratura e abre mão de uma das mais importantes prerrogativas que garantem a independência entre os Poderes.

A escolha, atribuição exclusiva do presidente da República, deveria se pautar pela impessoalidade, que foi seguida nas indicações de 7 ministros do Supremo durante os governos de Lula e Dilma Rousseff. Lula, durante a campanha eleitoral, disse que não apontaria um amigo para o cargo, mas foi exatamente o que fez ao submeter o nome de seu advogado pessoal, que com ele atravessou os processos da Operação Lava-Jato. Lula o contratou em 2013, indicado por seu compadre e amigo pessoal de longa data, Roberto Teixeira, dono do escritório Teixeira Martins e Advogados. Zanin e sua esposa, Valeska, filha de Roberto e afilhada de Lula, se encarregaram da defesa do então ex-presidente até verem a anulação de todos os inquéritos nos quais Lula esteve envolvido.

Zanin é advogado bem-sucedido, formado em direito processual, e fez tudo o que era possível fazer para defender Lula durante a Operação Lava-Jato, que tinha no juiz Sergio Moro, da 13ª Vara de Curitiba, sua figura central. Isso não foi suficiente para impedir condenações de primeira e segunda instância que levaram seu cliente à prisão por 580 dias. Quem de fato libertou Lula foi quem o tinha colocado na cadeia, o STF, que, após as gravações reveladas pela contraoperação Vaza-Jato, expôs as arbitrariedades cometidas nos processos em Curitiba. O Supremo reviu sua decisão de permitir a prisão de condenados em segunda instância e com isso, devolveu os direitos políticos a Lula e contribuiu para anulação de todos os inquéritos e condenações que tiveram origem em investigações dos promotores paranaenses.

O Senado, na sabatina e na aprovação, relevou o vínculo de intimidade entre o candidato e o presidente. Se nenhum pretendente ao cargo apoiado pelo chefe do Executivo foi rejeitado até hoje, por que Zanin o seria? Os questionamentos a Zanin pelos senadores foram protocolares, pouco incisivos e se estenderam por 7 horas e 42 minutos, um tempo exagerado para que Zanin desse respostas vagas e diluísse, como a maioria dos que o antecederam na situação, quais seriam suas posições sobre questões jurídicas substantivas, pelas quais seria avaliado.

Como a Constituição brasileira é uma das maiores do mundo, e o Supremo é só uma corte constitucional, mas trata de qualquer assunto relevante (e alguns irrelevantes), vários deles passando pelo escrutínio de seus ministros. Por isso Zanin várias vezes evitou se pronunciar sobre muitas questões, com o argumento de que, se aprovado teria de se defrontar com o assunto como ministro, não deveria antecipar seu juízo. Foi o caso das perguntas sobre a Lei das Estatais, para a qual Lewandowski garantiu liminar eliminando as exigências para que políticos ocupassem cargos de direção em estatais. Também foi o caso do inquérito sobre fake news, que nasceu por iniciativa do então presidente Dias Toffoli, a cargo do relator, o ministro Alexandre de Moraes, sem a anuência do Ministério Público. Ou, ainda, sob descriminalização das drogas. Ele não foi evasivo, porém, na questão do aborto, na qual defendeu o cumprimento das determinações constitucionais.

O desenho político dos Poderes conspira contra sua independência ativa no caso da escolha dos ministros do Supremo. Deputados e senadores têm foro privilegiado e seus inquéritos são conduzidos pelo STF. Como mais da metade do senadores em exercício hoje foi objeto de processo criminal ou inquérito na Corte (Folha de S. Paulo, ontem), o instinto dos políticos dita que não se deve constranger quem um dia poderá julgá-los.

Como o mais alto cargo da Justiça brasileira, com o maior salário do serviço público, é vitalício, um ministro da Corte, ao assumir o cargo, passa em geral a ter compromisso apenas consigo mesmo. É possível que afinidades de todo o tipo contem para a indicação, mas a independência posterior é mais regra que exceção. Os ministros indicados pelos governos do PT tiveram posições divergentes durante a Lava-Jato. Zanin, como “garantista”, recebeu aprovação numerosa de parlamentares em espírito revanchista contra a Lava-Jato. Ele disse que não será subordinado de “quem quer que seja”. Que assim seja.

Câmara tem de restaurar texto do arcabouço fiscal

O Globo

Mudanças realizadas no Senado tornam ainda mais frouxa regra sobre a qual já pairam dúvidas

Por ter sido aprovado com emendas no Senado, o projeto do novo arcabouço fiscal voltará à Câmara. Os deputados precisam recolocar a proposta do governo na forma original, para que o objetivo de controlar a dívida pública não seja ainda mais desvirtuado. O projeto já não é grande coisa. Depende, segundo o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de arrecadação adicional de R$ 150 bilhões em 2024 para que seja cumprida a meta de zerar o resultado primário. Pois o Senado fez o favor de abrir ainda mais espaço para gastos, criando novas incertezas.

Não é um acaso, diante dessa perspectiva nebulosa, que o Conselho de Política Monetária (Copom) do Banco Central tenha mantido a taxa de juros básica em 13,75%, sem nenhum aceno de que começará a reduzi-la na próxima reunião, em agosto. Sem ter nenhuma segurança sobre o futuro fiscal, o BC resolveu esperar o que a Câmara fará com o projeto alterado no Senado.

O relator do projeto, senador Omar Aziz (PSD-AM), incluiu diversas exceções sem cabimento na lista das despesas que não estarão sujeitas aos limites estabelecidos pelo arcabouço. Ao lado do Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb) e do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) — todas as despesas do DF são pagas pela União —, também ficaram fora os gastos com ciência e tecnologia. Por mais necessários que sejam, conceder qualquer tipo de “licença para gastar” vai contra o espírito do controle de despesas e desgasta o próprio arcabouço.

Era também desnecessário alterar a base de cálculo da inflação que atualizará o novo teto para os gastos. No projeto original, o governo estabelecia, para cumprir os prazos de aprovação do Orçamento, a atualização do teto pelo índice de inflação de janeiro a junho, somado à estimativa para o segundo semestre. Sob a alegação de que uma superestimativa da inflação para o período de julho a dezembro aumentaria as despesas permitidas, os deputados fixaram — corretamente — a correção com base na inflação do período de 12 meses até junho do ano anterior.

A ministra do Planejamento (e ex-senadora) Simone Tebet alegou que, como a inflação nos 12 meses até junho deverá ser menor que a do ano encerrado no segundo semestre, o governo teria de cortar de R$ 32 bilhões a R$ 40 bilhões em custeio e investimentos na proposta orçamentária para 2024. Numa manobra com o objetivo de abrir no Orçamento margem a novas despesas — quando a preocupação deveria ser a oposta —, os senadores atenderam ao pleito dela e permitiram a adoção de uma estimativa da inflação para calcular o teto.

Num casuísmo, o Senado incluiu um dispositivo por meio do qual o governo poderá prever novas despesas no Orçamento, mas ficará na dependência da abertura de créditos extraordinários pelo Congresso. Um Executivo que demonstra não ter relacionamento afinado com o Legislativo aumentará ainda mais sua dependência do Centrão para executar o próprio Orçamento. Mais que isso, se o tal dispositivo for mantido, um Executivo com base sólida no Congresso poderá elevar seus gastos sem limites.

É imperativo que a Câmara recuse essas mudanças e restabeleça a versão do projeto enviada ao Senado. Quanto mais permissivas com os gastos forem as regras, menos chance o arcabouço terá de funcionar.

Petrolíferas que se afastam do petróleo são exemplo para o setor

O Globo

Enquanto Exxon, BP e Shell tentam superar era dos combustíveis fósseis, Petrobras quer controle da Braskem

No Brasil, a Petrobras tenta comprar o controle da petroquímica Braskem, empresa típica da indústria de combustíveis fósseis. Enquanto isso, outras empresas de petróleo com atuação global investem tempo e dinheiro em fontes limpas de energia e novas tecnologias para descarbonização da atmosfera.

No ano passado, todas as grandes petrolíferas obtiveram receitas pujantes devido à alta do petróleo causada pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Há, portanto, recursos para investir, em especial na compra de empresas menores que dominem alguma nova tecnologia. Não basta apenas compensar as emissões de gases com projetos florestais ou similares. As petrolíferas querem continuar fortes num futuro em que o petróleo cederá espaço à energia limpa.

A ExxonMobil, maior grupo de petróleo do mundo, sabe que seu mercado mudará e se prepara para isso. “Negócios de baixo carbono têm o potencial de gerar centenas de bilhões de dólares em receitas e superar em dez anos o negócio tradicional da companhia, de óleo e gás”, afirmou o presidente, Darren Woods. Há algum tempo a empresa criou uma divisão de fontes alternativas de energia. Assim como outras petrolíferas, a ExxonMobil avalia fazer investimentos em tecnologias de captura de carbono na atmosfera, produção de hidrogênio e biocombustíveis.

A British Petroleum (BP), mais ativa das petrolíferas na adaptação aos novos tempos, reviu cenários e tornou menos ambiciosas suas metas de redução da dependência do petróleo e do gás. Mesmo assim, trabalha com o objetivo de diminuir a produção de petróleo em 25% até 2030. A receita de novos negócios compensará as perdas decorrentes da mudança. Antes de 2022, a BP comprou a Archaea Energy, líder nos Estados Unidos na produção de gás natural renovável, ou biogás, considerado um combustível de transição para a economia limpa. O projeto é multiplicar por cinco o faturamento até 2030.

Outra aquisição da BP foi a TravelCenters of America, voltada para a instalação de pontos de reabastecimento de veículos elétricos ou a hidrogênio. A estratégia é deixar de vender gasolina e diesel e oferecer combustíveis limpos. A Shell, por sua vez, destinou, em 2021, 1,5% de suas despesas a investimentos em energia eólica e solar. A ideia é elevar esse patamar para 12,5% e investir em “soluções de energia renovável”.

A Petrobras também anunciou que destinará 15% de seus investimentos entre 2024 e 2028 — ou quase R$ 12 bilhões — a “negócios de baixo carbono” e fontes renováveis. O etanol lhe dá alguma vantagem, mas não muita, pois o setor foi devastado pela política de preços populista do governo Dilma Rousseff. Não faltam exemplos para a empresa se inspirar e evitar ficar vinculada a um negócio do passado. Vários parceiros internacionais podem ajudá-la a não perder a virada tecnológica em andamento com descarbonização e estocagem do carbono no subsolo. Mas dificilmente a aquisição da Braskem terá algo a contribuir para esse futuro.

BC conservador

Folha de S. Paulo

Órgão mantém cautela sobre juros, mas deixa aberta chance de corte em agosto

Ao não sinalizar claramente um corte iminente de juros, o Banco Central evitou sancionar projeções mais otimistas sobre a queda da inflação. Correu também o risco de enfurecer ainda mais a ala política do governo petista e boa parcela do empresariado.

Diante das incertezas, é fato que o BC poderia ter reconhecido com mais desenvoltura o progresso observado nos últimos meses em algumas das condições necessárias para o corte de juros.

De forma conservadora, o Comitê de Política Monetária (Copom) continuou a descrever um balanço de riscos equilibrado, com fatores altistas e baixistas para a inflação.

Entre os primeiros estão a persistência de pressões da economia internacional e incertezas residuais na definição da nova regra de controle de despesas públicas.

Quanto aos elementos favoráveis, há a queda dos preços de matérias-primas em moeda local, desaquecimento global e a possibilidade de uma desaceleração mais pronunciada do crédito.

Na soma geral, o BC pregou prudência para consolidar o processo de desinflação. No jargão típico de seus comunicados, contudo, há sinais de que a porta para a redução de juros seja aberta caso as condições continuem a evoluir de modo benigno, como se espera.

Um exemplo é a alteração dos tempos verbais, algo só evidente para os afeitos à exegese aplicada aos comunicados do BC. Se antes a conduta serena se colocava como orientação futura, agora há o reconhecimento de que essa estratégia já vem se revelando correta.

O corte na taxa Selic parece iminente, mas ainda depende de alguns elementos. O principal a esta altura é a confirmação pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) neste mês de que não haverá revisão altista da meta de inflação, já fixada em 3% para os próximos dois anos —e de que a meta de 2026 será mantida no mesmo patamar.

A celeuma em torno desse tema no governo, em especial por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), revelou-se contraproducente, pois elevou as expectativas dos agentes econômicos e a inflação embutida nos preços dos títulos públicos para os próximos anos.

Felizmente, o processo tem sido revertido —nas últimas quatro semanas, o IPCA esperado para este ano e para 2024 recuou de 5,8% e 5,12% para 4,13% e 4%, respectivamente. Se o CMN confirmar as metas, é quase certo que caiam mais.

O BC poderia ter sido mais explícito na descrição do progresso, até para aplacar ansiedades e reduzir ruído político. O que se espera é que até o próximo encontro do Copom, em agosto, estarão postas as condições objetivas para o início do alívio monetário. Até lá, Lula faria bem em evitar tumulto.

A janela de Biden

Folha de S. Paulo

De olho na sua reeleição, americano ensaia abertura com a China corteja a Índia

Desde janeiro, o intrincado xadrez geopolítico protagonizado pela potência dominante, os Estados Unidos, e a desafiante China vinha sendo caracterizado apenas por jogadas agressivas e ameaças.

O clima já estava tenso em 2022, quando a Guerra da Ucrânia colocou os americanos ao lado de Kiev e os chineses, de Moscou, ainda que sem ajuda militar direta.

De lá para cá, o presidente Joe Biden ampliou o apoio ao governo de Taiwan —ilha autônoma que a China diz que retomará— e trabalhou para minar o acesso chinês a chips avançados de uso militar.

Ainda assim, o americano buscou contemporizar, encontrando-se com Xi Jinping no fim do ano.

Para arrefecer os ânimos, ensaiava-se a ida de seu secretário de Estado, Antony Blinken, a Pequim, mas a estratégia desandou com a derrubada de um balão espião atribuído aos chineses nos EUA.

Voltaram as acusações e uma série de esbarrões entre as forças militares. A situação escalou com a altercação pública entre os chefes da Defesa dos países, enquanto uma diplomacia secreta era costurada por serviços de inteligência.

Nesta semana, o bom senso prevaleceu com o encontro de Blinken e Xi. Mas, logo depois, falando a doadores de sua campanha à reeleição em 2024, Biden já chamava o chinês de ditador. A China é uma ditadura comunista, mas ainda não personalista a esse ponto.

A dinâmica revela a janela estreita para o americano. Interessa a Washington e a Pequim, que registraram o maior fluxo comercial da história em 2022, reativar laços. A interdependência é fator central para evitar que os países, ao menos agora e com os chineses sob temor de crise, cortem relações.

Biden sabe que, talvez depois da virada do ano, seja impossível fazer gestos ao rival asiático: o eleitorado aprecia a imagem de um presidente assertivo.

Ao mesmo tempo, fez uma jogada inteligente, atraindo com a pompa de uma visita de Estado o premiê indiano, Narendra Modi.

O país mais populoso do mundo é rival da China e tem nos EUA seu maior parceiro comercial desde 2021. Biden ofertou equipamento militar inédito aos indianos, principais clientes da Rússia no setor.

Historicamente, a Índia busca se equilibrar com alinhamentos simultâneos, e não deve ser diferente agora. Mas, se houver parceria mais sólida, os americanos ganharão peso no balanço de poder da região do Indo-Pacífico.

A inútil guerra de Lula contra o BC

O Estado de S. Paulo

Diante de incertezas, BC mantém taxa básica de juros em 13,75%. Governo pode contribuir para melhorar o cenário com política fiscal séria e manutenção de metas de inflação austeras

Como esperado, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) manteve a taxa básica de juros em 13,75% ao ano nesta semana. Mas, ao contrário do que muitos previam ou desejavam, o BC não deu sinalizações de que começará a reduzir a Selic na reunião de agosto, frustrando as expectativas do governo, do setor produtivo e até mesmo de parte do mercado.

No comunicado divulgado após a decisão, o Banco Central retirou a menção de que não hesitaria em retomar o ciclo de ajuste caso o processo desinflacionário não ocorresse como o esperado. Embora estivesse presente em todos os comunicados desde setembro do ano passado, a expressão foi encarada como uma ameaça pelo governo Lula da Silva.

Agora, o BC avalia que a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado “tem se mostrado adequada para assegurar a convergência da inflação”. Parece uma mudança pequena, mas significa muito para uma instituição que limita sua comunicação a documentos oficiais.

Em relação às projeções de inflação, o BC citou apenas as que dizem respeito ao cenário de referência, baseadas na pesquisa Focus. Para a instituição, a inflação deve ficar em 5% neste ano – acima do limite superior da meta – e em 3,4% em 2024 – dentro do teto, mas acima do centro da meta. Por outro lado, o BC deixou de mencionar as expectativas de inflação do cenário alternativo, que contemplava a possibilidade de a Selic ser mantida em 13,75% até o fim do ano que vem.

A maioria dos analistas acreditava que a redução da taxa básica de juros pudesse ser iniciada em agosto. Depois da reunião, alguns mantiveram a aposta; a maioria adiou as expectativas para setembro ou depois. Só há consenso sobre o fato de que os juros não subirão mais no curto prazo.

O cenário só ficará um pouco mais claro depois que o Copom divulgar a ata da reunião, na próxima semana. O documento, cuja publicação tradicionalmente já gera expectativas, ganha ainda mais importância em um momento em que o governo, até então isolado na pressão sobre o Banco Central, recebeu o apoio público de empresários e de gestores ansiosos para oferecer aos clientes produtos mais rentáveis que títulos atrelados à Selic. Todas as atenções estarão voltadas para a ata, e o desafio do BC será apresentar seus argumentos com transparência e didatismo.

De um lado, a inflação baixa registrada em maio surpreendeu, e é possível que haja deflação em junho. Por outro, a trégua do IPCA foi muito influenciada pela queda nos preços das passagens aéreas. Assim, tudo indica que a deflação será pontual e que os preços devem voltar a acelerar no segundo semestre, com a reoneração dos combustíveis.

Lula sabe disso, tanto que queria tirar proveito desse cenário mais adverso para ampliar gastos. Os ajustes feitos pela Câmara no texto do arcabouço fiscal haviam impedido o governo de usar as projeções de inflação mais elevadas do segundo semestre para justificar despesas maiores em 2024.

Como alternativa, o governo conseguiu que o Senado autorizasse a inclusão, no Orçamento, de despesas condicionadas à aprovação de créditos suplementares e, assim, abriu um espaço fiscal de até R$ 40 bilhões para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em termos fiscais, o efeito será o mesmo, com a diferença de que os créditos dependerão da aprovação dos deputados e senadores.

É o tipo de atitude que justifica a “incerteza residual” mencionada pelo Copom ao se referir ao desenho final do arcabouço fiscal, mas não é a única. O BC também deve ter levado em conta as incertezas relacionadas à reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) da semana que vem, que vai discutir metas de inflação.

Com a maioria dos votos garantidos no colegiado, eis a oportunidade de o governo contribuir diretamente para reduzir as incertezas, mantendo as metas de inflação de 2024 e 2025 em 3% e o mesmo rigor para o objetivo a ser definido em 2026. Reafirmar essa austeridade será muito mais útil para ancorar as expectativas e criar um ambiente favorável à queda da Selic do que a raivosa declaração de guerra contra o BC que Lula fez em Roma.

O vexame do Senado

O Estado de S. Paulo

Na sabatina de Zanin, senadores escolheram a omissão, atestando sua própria inutilidade no processo. O mais novo ministro do STF é uma total incógnita. E isso é ruim para todos

O dia 21 de junho de 2023 não foi um bom dia para a história do Senado. Além de ter aprovado para integrar o Supremo Tribunal Federal (STF) uma pessoa que não preenche os requisitos constitucionais do cargo, a Casa legislativa conseguiu a proeza de realizar uma sabatina absolutamente inútil. As oito horas que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado dedicou a inquirir o indicado do presidente Lula da Silva não lançaram nenhuma luz sobre o que de fato pensa o sr. Cristiano Zanin.

O procedimento formal previsto na Constituição foi cumprido: o presidente da República indicou um nome e o Senado aprovou, por maioria absoluta, esse nome. No entanto, o que de fato houve na quarta-feira foi um grande deboche com a Constituição. Aprovou-se para compor a Corte constitucional uma total incógnita. Sabe-se apenas que o novo ministro do STF prometeu ficar do “lado da Constituição”, o que é rigorosamente sua obrigação.

Nem se diga que não houve oportunidade. Os senadores tiveram amplo espaço para formular perguntas ao indicado do Palácio do Planalto ao Supremo. No entanto, as falas, para dizer o mínimo, foram constrangedoras – também daqueles que se apresentam como oposição ao governo.

Em vez de inquirir o candidato, os senadores procuravam afagá-lo. Mais do que preocupados em cumprir seu dever constitucional, eles pareciam interessados em não se indispor com aquele cuja aprovação era dada como certa. Eis a coragem dos que dizem ser oposição no Senado. O presidente Lula indicou seu advogado para integrar o STF, em franco menosprezo pelos valores republicanos, e esses parlamentares, ao invés de confrontar o sabatinado, deixando claro que ele estava ali não por seu notório saber jurídico, comprovadamente inexistente, e sim porque simplesmente é leal a Lula, preferiram elogiá-lo. No dizer do insuspeito Flávio Bolsonaro, a indicação de Zanin era “louvável” porque o advogado seria “garantista” – palavra que, no dialeto dos encalacrados na Justiça, como a família Bolsonaro, designa o advogado que invoca questões processuais para questionar condenações, especialidade de Zanin na defesa de Lula.

O mais estranho é que a responsabilidade do Senado no processo de escolha dos ministros do Supremo foi um tema amplamente alardeado na campanha eleitoral de 2022. Muitos dos atuais senadores elegeram-se justamente com a promessa de firme atuação em defesa dos requisitos constitucionais para compor o STF.

Na sabatina, contudo, o que se viu foi uma profunda incompreensão do papel e da responsabilidade do Senado na proteção do STF. A indicação de um profissional sem notável saber jurídico e sem que se conheça sua efetiva compreensão da Constituição é uma agressão ao Estado Democrático de Direito. Não é questão de política partidária. Não é questão de apoio ou não ao presidente Lula, até porque Cristiano Zanin terá agora direito a ficar no STF por várias décadas após o fim do governo Lula.

Convocados a cumprir seu dever constitucional – realizar a sabatina da pessoa indicada a integrar o órgão máximo da hierarquia do Poder Judiciário –, os senadores limitaram-se a chancelar a escolha de Lula, que garantiu que seu indicado era advogado e pai de família da melhor qualidade. Como ser bom advogado e dedicado pai de família não estão entre as exigências constitucionais para a vaga de ministro do STF, cabia ao Senado sabatinar o candidato para verificar se Zanin preenchia de fato os requisitos para o cargo. Mas a sabatina foi um longo jogo de cena, atestando sua inutilidade, em afronta ao espírito da Constituição.

O presidente Lula merece muitas críticas pela indicação de seu advogado ao STF. Mas, a rigor, merece ainda maior reprovação o Senado. Mesmo os senadores governistas não representaram, de forma responsável, seus eleitores na quarta-feira. Com um voto cego na escolha do Palácio do Planalto, deram não apenas aval a uma incógnita, mas optaram por ignorar as experiências passadas com as indicações de Lula para o STF. Não podem depois queixar-se.

O País ressente-se com tamanha irresponsabilidade, com tamanha indiferença à Constituição. Assim, fica mais difícil fortalecer o STF.

Brasil na lanterna

O Estado de S. Paulo

Permanência do País na rabeira de ranking de competitividade reflete falta de planejamento

No ranqueamento global de competitividade, calculado há 34 anos pelo Instituto Internacional para o Desenvolvimento Gerencial (IMD, na sigla em inglês), prestigiada instituição de educação executiva na Suíça, o Brasil continua rondando a zona de rebaixamento entre as principais economias mundiais. Dos 64 países pesquisados, ocupa um constrangedor 60.º lugar. Entre os sul-americanos, está à frente somente de Argentina e Venezuela, ambos os países afetados por graves crises.

Para elaborar o ranking, o IMD observa não apenas dados econômicos, mas também aspectos políticos e governamentais, educacionais, tecnológicos, de infraestrutura e de gerenciamento de negócios. São, ao todo, 336 critérios atualizados à medida que a economia global avança. Nessa evolução, o Brasil vai ficando para trás, com avaliações sofríveis principalmente em relação à eficiência governamental e dos negócios.

A situação brasileira em relação a seus pares internacionais é paradoxal. O fluxo de capital estrangeiro de curto prazo melhorou, como mostram os dados da B3, especialmente depois do fôlego dado pela agência de risco Standard & Poor’s, que indicou a possibilidade de revisão para cima da nota de risco do País. Mas, para empreendimentos de longo prazo, o ambiente regulatório incerto afasta o País do planejamento das grandes companhias.

Apesar de avanços pontuais nos últimos anos, como as reformas previdenciária e trabalhista e o marco do saneamento, questionamentos e ameaças de recuo reacendem dúvidas sobre a segurança de empreender no Brasil. Dois terços do cálculo feito pelo IMD têm como fundamento dados concretos sobre economia, educação e infraestrutura, entre outras áreas em que o País patina há décadas.

A definição do novo arcabouço que delimitará os parâmetros fiscais e a reforma tributária, prevista para ser votada na Câmara em julho, são oportunidades únicas para o País deixar as posições finais da lista de classificação. A agenda ambiental é outro empenho relevante. Por sua importância no comércio mundial e potencial de crescimento, a economia brasileira já deveria estar em posição mais confortável no ranking, não fosse a persistente inépcia de nossos formuladores.

A ascensão meteórica da Irlanda do sétimo para o segundo lugar da lista é um exemplo concreto do impulso embutido em lances certeiros. As mudanças regulatórias pós-Brexit promovidas pelo governo irlandês elevaram sobremaneira a competitividade do país. O grupo de países líderes do ranking – pela ordem, Dinamarca, Irlanda, Suíça e Cingapura – é formado por pequenas economias que fazem bom uso de seu acesso a mercados e parceiros comerciais, como deixa claro o relatório do IMD.

A conclusão do pacote de reformas é a medida imediata que o Brasil precisa adotar para fazer parte do jogo internacional. Para resultado a longo prazo, investir desde já em capital humano, com educação, capacitação, produtividade e investimentos em pesquisa e inovação.

O desperdício e a fome

Correio Braziliense

Estudo recente mostra que mais de 90% do desperdício alimentar ocorre na cadeia produtiva, ou seja, apenas 4% das empresas do ramo alimentício entrevistadas nunca descartam alimentos, reaproveitando-os de maneira correta

Alimentação é um grave problema que precisa ser visto com mais atenção no Brasil por todos os agentes sociais. Um estudo recente mostra que mais de 90% do desperdício alimentar ocorre na cadeia produtiva, ou seja, apenas 4% das empresas do ramo alimentício entrevistadas nunca descartam alimentos, reaproveitando-os de maneira correta. Entre os 96% que afirmaram descartar comida, mais da metade (54%) diz realizar os descartes sempre ou frequentemente.

Os dados integram o estudo O alimento que jogamos fora — causas, consequências e soluções para uma prática insustentável, realizado pela MindMiners em parceria com a Nestlé. O levantamento mostra que empresas e população precisam repensar suas atitudes. No caso da população, embora acredite que é a maior responsável no combate ao desperdício, apenas 10% dos descartes ocorrem, de fato, dentro de casa.

E o problema não é somente no Brasil. Cerca de 30% da produção global de alimentos é desperdiçada ou perdida anualmente, o que equivale a aproximadamente 1,3 bilhão de toneladas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). E o contraponto é quando consideramos as milhares de pessoas que sofrem de fome ou de insegurança alimentar — termo utilizado para designar uma situação em que a população de um país ou de uma região não tem acesso físico, social e econômico a recursos e a alimentos nutritivos —; somente no Brasil, 33 milhões de pessoas vivem nessas condições.

Se pensarmos que o país está entre os 10 que mais desperdiçam alimentos no mundo, entre os quais mais de R$ 1,3 bilhão em frutas, legumes e verduras (que vão para o lixo dos supermercados todos os anos), o problema está longe de ser resolvido em apenas uma tacada.

Pensemos em um brasileiro comum: ele descarta, em média, 60 quilos de alimentos bons para o consumo anualmente. Em famílias de três ou quatro pessoas, esse montante pode chegar a 240 quilos, o que dirá uma empresa com 500 empregados.

Outro dado que merece atenção é que 50% do desperdício de alimentos ocorre durante o manuseio e o transporte, ou seja, com simples medidas como o cuidado, o armazenamento e a condução desses produtos, por parte das empresas, é possível reduzir, ainda que não seja pela metade, boa parte do descarte de frutas, legumes e verduras.

Além disso, as empresas têm um grande potencial educativo, podendo compartilhar informações com os colaboradores, fornecedores e com a população. Entre as medidas já adotadas pelas empresas, 47% afirmam que fazem um rigoroso controle de estoque. No entanto, 64% dos entrevistados não conseguiram, de maneira espontânea, associar marcas ao combate do desperdício de alimentos.

Fato é que ações como parcerias com entidades filantrópicas e organizações não governamentais podem contribuir, e muito, para, de um lado, minimizar o desperdício com o aproveitamento do que seria descartado e, do outro, para a redução da fome e dos níveis de insegurança alimentar. Não é tão difícil assim criar uma rede de doações. O que falta é boa vontade.

 

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