Falta interesse do Senado na seleção de membros do STF
Valor Econômico
Um ministro da Corte, ao assumir o cargo,
passa em geral a ter compromisso apenas consigo mesmo
O Senado aprova há 129 anos, desde o
governo de Prudente de Moraes, toda indicação do presidente da República para a
Suprema Corte do país. Anteontem, apenas seguiu a tradição ao sancionar a
indicação do advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Cristiano Zanin
Martins, para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal com a aposentadoria de
Ricardo Lewandowski. As exigências para ocupar o cargo são poucas e vagas, como
ilibada reputação e notório saber jurídico. Os senadores encarregados de
sabatinar os pretendentes seguem ritual previamente acertado, fazem perguntas
gentis, algumas mesuras e os aprovam. Mais do que um exemplo de eficiência
ancorado na tradição, o Senado de fato abdica do direito de averiguar com
profundidade e isenção as qualificações para os mais altos cargos da
magistratura e abre mão de uma das mais importantes prerrogativas que garantem
a independência entre os Poderes.
A escolha, atribuição exclusiva do presidente da República, deveria se pautar pela impessoalidade, que foi seguida nas indicações de 7 ministros do Supremo durante os governos de Lula e Dilma Rousseff. Lula, durante a campanha eleitoral, disse que não apontaria um amigo para o cargo, mas foi exatamente o que fez ao submeter o nome de seu advogado pessoal, que com ele atravessou os processos da Operação Lava-Jato. Lula o contratou em 2013, indicado por seu compadre e amigo pessoal de longa data, Roberto Teixeira, dono do escritório Teixeira Martins e Advogados. Zanin e sua esposa, Valeska, filha de Roberto e afilhada de Lula, se encarregaram da defesa do então ex-presidente até verem a anulação de todos os inquéritos nos quais Lula esteve envolvido.
Zanin é advogado bem-sucedido, formado em
direito processual, e fez tudo o que era possível fazer para defender Lula
durante a Operação Lava-Jato, que tinha no juiz Sergio Moro, da 13ª Vara de
Curitiba, sua figura central. Isso não foi suficiente para impedir condenações
de primeira e segunda instância que levaram seu cliente à prisão por 580 dias.
Quem de fato libertou Lula foi quem o tinha colocado na cadeia, o STF, que,
após as gravações reveladas pela contraoperação Vaza-Jato, expôs as
arbitrariedades cometidas nos processos em Curitiba. O Supremo reviu sua
decisão de permitir a prisão de condenados em segunda instância e com isso,
devolveu os direitos políticos a Lula e contribuiu para anulação de todos os
inquéritos e condenações que tiveram origem em investigações dos promotores
paranaenses.
O Senado, na sabatina e na aprovação,
relevou o vínculo de intimidade entre o candidato e o presidente. Se nenhum
pretendente ao cargo apoiado pelo chefe do Executivo foi rejeitado até hoje,
por que Zanin o seria? Os questionamentos a Zanin pelos senadores foram
protocolares, pouco incisivos e se estenderam por 7 horas e 42 minutos, um
tempo exagerado para que Zanin desse respostas vagas e diluísse, como a maioria
dos que o antecederam na situação, quais seriam suas posições sobre questões
jurídicas substantivas, pelas quais seria avaliado.
Como a Constituição brasileira é uma das
maiores do mundo, e o Supremo é só uma corte constitucional, mas trata de
qualquer assunto relevante (e alguns irrelevantes), vários deles passando pelo
escrutínio de seus ministros. Por isso Zanin várias vezes evitou se pronunciar
sobre muitas questões, com o argumento de que, se aprovado teria de se
defrontar com o assunto como ministro, não deveria antecipar seu juízo. Foi o
caso das perguntas sobre a Lei das Estatais, para a qual Lewandowski garantiu
liminar eliminando as exigências para que políticos ocupassem cargos de direção
em estatais. Também foi o caso do inquérito sobre fake news, que nasceu por
iniciativa do então presidente Dias Toffoli, a cargo do relator, o ministro
Alexandre de Moraes, sem a anuência do Ministério Público. Ou, ainda, sob
descriminalização das drogas. Ele não foi evasivo, porém, na questão do aborto,
na qual defendeu o cumprimento das determinações constitucionais.
O desenho político dos Poderes conspira
contra sua independência ativa no caso da escolha dos ministros do Supremo.
Deputados e senadores têm foro privilegiado e seus inquéritos são conduzidos pelo
STF. Como mais da metade do senadores em exercício hoje foi objeto de processo
criminal ou inquérito na Corte (Folha de S. Paulo, ontem), o instinto dos
políticos dita que não se deve constranger quem um dia poderá julgá-los.
Como o mais alto cargo da Justiça brasileira, com o maior salário do serviço público, é vitalício, um ministro da Corte, ao assumir o cargo, passa em geral a ter compromisso apenas consigo mesmo. É possível que afinidades de todo o tipo contem para a indicação, mas a independência posterior é mais regra que exceção. Os ministros indicados pelos governos do PT tiveram posições divergentes durante a Lava-Jato. Zanin, como “garantista”, recebeu aprovação numerosa de parlamentares em espírito revanchista contra a Lava-Jato. Ele disse que não será subordinado de “quem quer que seja”. Que assim seja.
Câmara tem de restaurar texto do arcabouço
fiscal
O Globo
Mudanças realizadas no Senado tornam ainda
mais frouxa regra sobre a qual já pairam dúvidas
Por ter sido aprovado com emendas no
Senado, o projeto do novo arcabouço fiscal voltará à Câmara. Os deputados
precisam recolocar a proposta do governo na forma original, para que o objetivo
de controlar a dívida pública não seja ainda mais desvirtuado. O projeto já não
é grande coisa. Depende, segundo o próprio ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, de arrecadação adicional de R$ 150 bilhões em 2024 para que seja
cumprida a meta de zerar o resultado primário. Pois o Senado fez o favor de
abrir ainda mais espaço para gastos, criando novas incertezas.
Não é um acaso, diante dessa perspectiva
nebulosa, que o Conselho de Política Monetária (Copom) do Banco Central tenha
mantido a taxa de juros básica em 13,75%, sem nenhum aceno de que começará a
reduzi-la na próxima reunião, em agosto. Sem ter nenhuma segurança sobre o
futuro fiscal, o BC resolveu esperar o que a Câmara fará com o projeto alterado
no Senado.
O relator do projeto, senador Omar Aziz
(PSD-AM), incluiu diversas exceções sem cabimento na lista das despesas que não
estarão sujeitas aos limites estabelecidos pelo arcabouço. Ao lado do Fundo de
Manutenção da Educação Básica (Fundeb) e do Fundo Constitucional do Distrito
Federal (FCDF) — todas as despesas do DF são pagas pela União —, também ficaram
fora os gastos com ciência e tecnologia. Por mais necessários que sejam,
conceder qualquer tipo de “licença para gastar” vai contra o espírito do
controle de despesas e desgasta o próprio arcabouço.
Era também desnecessário alterar a base de
cálculo da inflação que atualizará o novo teto para os gastos. No projeto
original, o governo estabelecia, para cumprir os prazos de aprovação do
Orçamento, a atualização do teto pelo índice de inflação de janeiro a junho,
somado à estimativa para o segundo semestre. Sob a alegação de que uma
superestimativa da inflação para o período de julho a dezembro aumentaria as
despesas permitidas, os deputados fixaram — corretamente — a correção com base
na inflação do período de 12 meses até junho do ano anterior.
A ministra do Planejamento (e ex-senadora)
Simone Tebet alegou que, como a inflação nos 12 meses até junho deverá ser
menor que a do ano encerrado no segundo semestre, o governo teria de cortar de
R$ 32 bilhões a R$ 40 bilhões em custeio e investimentos na proposta
orçamentária para 2024. Numa manobra com o objetivo de abrir no Orçamento
margem a novas despesas — quando a preocupação deveria ser a oposta —, os
senadores atenderam ao pleito dela e permitiram a adoção de uma estimativa da
inflação para calcular o teto.
Num casuísmo, o Senado incluiu um
dispositivo por meio do qual o governo poderá prever novas despesas no
Orçamento, mas ficará na dependência da abertura de créditos extraordinários
pelo Congresso. Um Executivo que demonstra não ter relacionamento afinado com o
Legislativo aumentará ainda mais sua dependência do Centrão para executar o
próprio Orçamento. Mais que isso, se o tal dispositivo for mantido, um
Executivo com base sólida no Congresso poderá elevar seus gastos sem limites.
É imperativo que a Câmara recuse essas
mudanças e restabeleça a versão do projeto enviada ao Senado. Quanto mais
permissivas com os gastos forem as regras, menos chance o arcabouço terá de
funcionar.
Petrolíferas que se afastam do petróleo são
exemplo para o setor
O Globo
Enquanto Exxon, BP e Shell tentam superar
era dos combustíveis fósseis, Petrobras quer controle da Braskem
No Brasil, a Petrobras tenta
comprar o controle da petroquímica Braskem,
empresa típica da indústria de combustíveis fósseis. Enquanto isso, outras
empresas de petróleo com atuação global investem tempo e dinheiro em fontes
limpas de energia e novas tecnologias para descarbonização da atmosfera.
No ano passado, todas as grandes
petrolíferas obtiveram receitas pujantes devido à alta do petróleo causada pela
invasão da Ucrânia pela Rússia. Há, portanto, recursos para investir, em
especial na compra de empresas menores que dominem alguma nova tecnologia. Não
basta apenas compensar as emissões de gases com projetos florestais ou similares.
As petrolíferas querem continuar fortes num futuro em que o petróleo cederá
espaço à energia limpa.
A ExxonMobil, maior grupo de petróleo do
mundo, sabe que seu mercado mudará e se prepara para isso. “Negócios de baixo
carbono têm o potencial de gerar centenas de bilhões de dólares em receitas e
superar em dez anos o negócio tradicional da companhia, de óleo e gás”, afirmou
o presidente, Darren Woods. Há algum tempo a empresa criou uma divisão de
fontes alternativas de energia. Assim como outras petrolíferas, a ExxonMobil
avalia fazer investimentos em tecnologias de captura de carbono na atmosfera,
produção de hidrogênio e biocombustíveis.
A British Petroleum (BP), mais ativa das
petrolíferas na adaptação aos novos tempos, reviu cenários e tornou menos
ambiciosas suas metas de redução da dependência do petróleo e do gás. Mesmo
assim, trabalha com o objetivo de diminuir a produção de petróleo em 25% até
2030. A receita de novos negócios compensará as perdas decorrentes da mudança.
Antes de 2022, a BP comprou a Archaea Energy, líder nos Estados Unidos na
produção de gás natural renovável, ou biogás, considerado um combustível de
transição para a economia limpa. O projeto é multiplicar por cinco o
faturamento até 2030.
Outra aquisição da BP foi a TravelCenters
of America, voltada para a instalação de pontos de reabastecimento de veículos
elétricos ou a hidrogênio. A estratégia é deixar de vender gasolina e diesel e
oferecer combustíveis limpos. A Shell, por sua vez, destinou, em 2021, 1,5% de
suas despesas a investimentos em energia eólica e solar. A ideia é elevar esse
patamar para 12,5% e investir em “soluções de energia renovável”.
A Petrobras também anunciou que destinará 15% de seus investimentos entre 2024 e 2028 — ou quase R$ 12 bilhões — a “negócios de baixo carbono” e fontes renováveis. O etanol lhe dá alguma vantagem, mas não muita, pois o setor foi devastado pela política de preços populista do governo Dilma Rousseff. Não faltam exemplos para a empresa se inspirar e evitar ficar vinculada a um negócio do passado. Vários parceiros internacionais podem ajudá-la a não perder a virada tecnológica em andamento com descarbonização e estocagem do carbono no subsolo. Mas dificilmente a aquisição da Braskem terá algo a contribuir para esse futuro.
BC conservador
Folha de S. Paulo
Órgão mantém cautela sobre juros, mas deixa
aberta chance de corte em agosto
Ao não
sinalizar claramente um corte iminente de juros, o Banco Central
evitou sancionar projeções mais otimistas sobre a queda da inflação. Correu
também o risco de enfurecer ainda mais a ala política do governo petista e boa
parcela do empresariado.
Diante das incertezas, é fato que o BC
poderia ter reconhecido com mais desenvoltura o progresso observado nos últimos
meses em algumas das condições necessárias para o corte de juros.
De forma conservadora, o Comitê de Política
Monetária (Copom) continuou a descrever um balanço de riscos equilibrado, com
fatores altistas e baixistas para a inflação.
Entre os primeiros estão a persistência de
pressões da economia internacional e incertezas residuais na definição da nova
regra de controle de despesas públicas.
Quanto aos elementos favoráveis, há a queda
dos preços de matérias-primas em moeda local, desaquecimento global e a
possibilidade de uma desaceleração mais pronunciada do crédito.
Na soma geral, o BC pregou prudência para
consolidar o processo de desinflação. No jargão típico de seus comunicados,
contudo, há sinais de que a porta para a redução de juros seja aberta caso as
condições continuem a evoluir de modo benigno, como se espera.
Um exemplo é a alteração dos tempos
verbais, algo só evidente para os afeitos à exegese aplicada aos comunicados do
BC. Se antes a conduta serena se colocava como orientação futura, agora há o
reconhecimento de que essa estratégia já vem se revelando correta.
O corte na taxa Selic parece iminente, mas
ainda depende de alguns elementos. O principal a esta altura é a confirmação
pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) neste mês de que não haverá revisão
altista da meta de inflação, já fixada em 3% para os próximos dois anos —e de
que a meta de 2026 será mantida no mesmo patamar.
A celeuma em torno desse tema no governo,
em especial por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), revelou-se
contraproducente, pois elevou as expectativas dos agentes econômicos e a
inflação embutida nos preços dos títulos públicos para os próximos anos.
Felizmente, o processo tem sido revertido
—nas últimas quatro semanas, o IPCA esperado para este ano e para 2024 recuou
de 5,8% e 5,12% para 4,13% e 4%, respectivamente. Se o CMN confirmar as metas,
é quase certo que caiam mais.
O BC poderia ter sido mais explícito na
descrição do progresso, até para aplacar ansiedades e reduzir ruído político. O
que se espera é que até o próximo encontro do Copom, em agosto, estarão postas
as condições objetivas para o início do alívio monetário. Até lá, Lula
faria bem em evitar tumulto.
A janela de Biden
Folha de S. Paulo
De olho na sua reeleição, americano ensaia
abertura com a China corteja a Índia
Desde janeiro, o intrincado xadrez
geopolítico protagonizado pela potência dominante, os Estados Unidos, e a
desafiante China vinha sendo caracterizado apenas por jogadas agressivas e
ameaças.
O clima já estava tenso em 2022, quando a
Guerra da Ucrânia colocou os americanos ao lado de Kiev e os chineses, de
Moscou, ainda que sem ajuda militar direta.
De lá para cá, o presidente Joe Biden
ampliou o apoio ao governo de Taiwan —ilha autônoma que a China diz que
retomará— e trabalhou para minar o acesso chinês a chips avançados de uso
militar.
Ainda assim, o americano buscou
contemporizar, encontrando-se com Xi Jinping no fim do ano.
Para arrefecer os ânimos, ensaiava-se a ida
de seu secretário de Estado, Antony Blinken, a Pequim, mas a estratégia
desandou com a derrubada
de um balão espião atribuído aos chineses nos EUA.
Voltaram as acusações e uma série de
esbarrões entre as forças militares. A situação escalou com a altercação
pública entre os chefes da Defesa dos países, enquanto uma diplomacia secreta
era costurada por serviços de inteligência.
Nesta semana,
o bom senso prevaleceu com o encontro de Blinken e Xi. Mas, logo
depois, falando a doadores de sua campanha à reeleição em 2024, Biden já
chamava o chinês de ditador. A China é uma ditadura comunista, mas ainda não
personalista a esse ponto.
A dinâmica revela a janela estreita para o
americano. Interessa a Washington e a Pequim, que registraram o maior fluxo
comercial da história em 2022, reativar laços. A interdependência é fator
central para evitar que os países, ao menos agora e com os chineses sob temor
de crise, cortem relações.
Biden sabe que, talvez depois da virada do
ano, seja impossível fazer gestos ao rival asiático: o eleitorado aprecia a
imagem de um presidente assertivo.
Ao mesmo tempo, fez uma jogada
inteligente, atraindo com
a pompa de uma visita de Estado o premiê indiano, Narendra Modi.
O país mais populoso do mundo é rival da
China e tem nos EUA seu maior parceiro comercial desde 2021. Biden ofertou
equipamento militar inédito aos indianos, principais clientes da Rússia no
setor.
Historicamente, a Índia busca se equilibrar com alinhamentos simultâneos, e não deve ser diferente agora. Mas, se houver parceria mais sólida, os americanos ganharão peso no balanço de poder da região do Indo-Pacífico.
A inútil guerra de Lula contra o BC
O Estado de S. Paulo
Diante de incertezas, BC mantém taxa básica
de juros em 13,75%. Governo pode contribuir para melhorar o cenário com
política fiscal séria e manutenção de metas de inflação austeras
Como esperado, o Comitê de Política
Monetária (Copom) do Banco Central (BC) manteve a taxa básica de juros em
13,75% ao ano nesta semana. Mas, ao contrário do que muitos previam ou
desejavam, o BC não deu sinalizações de que começará a reduzir a Selic na
reunião de agosto, frustrando as expectativas do governo, do setor produtivo e
até mesmo de parte do mercado.
No comunicado divulgado após a decisão, o
Banco Central retirou a menção de que não hesitaria em retomar o ciclo de
ajuste caso o processo desinflacionário não ocorresse como o esperado. Embora
estivesse presente em todos os comunicados desde setembro do ano passado, a
expressão foi encarada como uma ameaça pelo governo Lula da Silva.
Agora, o BC avalia que a estratégia de
manutenção da taxa básica de juros por período prolongado “tem se mostrado
adequada para assegurar a convergência da inflação”. Parece uma mudança
pequena, mas significa muito para uma instituição que limita sua comunicação a
documentos oficiais.
Em relação às projeções de inflação, o BC
citou apenas as que dizem respeito ao cenário de referência, baseadas na
pesquisa Focus. Para a instituição, a inflação deve ficar em 5% neste ano –
acima do limite superior da meta – e em 3,4% em 2024 – dentro do teto, mas
acima do centro da meta. Por outro lado, o BC deixou de mencionar as
expectativas de inflação do cenário alternativo, que contemplava a
possibilidade de a Selic ser mantida em 13,75% até o fim do ano que vem.
A maioria dos analistas acreditava que a
redução da taxa básica de juros pudesse ser iniciada em agosto. Depois da
reunião, alguns mantiveram a aposta; a maioria adiou as expectativas para
setembro ou depois. Só há consenso sobre o fato de que os juros não subirão
mais no curto prazo.
O cenário só ficará um pouco mais claro
depois que o Copom divulgar a ata da reunião, na próxima semana. O documento,
cuja publicação tradicionalmente já gera expectativas, ganha ainda mais
importância em um momento em que o governo, até então isolado na pressão sobre
o Banco Central, recebeu o apoio público de empresários e de gestores ansiosos
para oferecer aos clientes produtos mais rentáveis que títulos atrelados à
Selic. Todas as atenções estarão voltadas para a ata, e o desafio do BC será
apresentar seus argumentos com transparência e didatismo.
De um lado, a inflação baixa registrada em
maio surpreendeu, e é possível que haja deflação em junho. Por outro, a trégua
do IPCA foi muito influenciada pela queda nos preços das passagens aéreas.
Assim, tudo indica que a deflação será pontual e que os preços devem voltar a
acelerar no segundo semestre, com a reoneração dos combustíveis.
Lula sabe disso, tanto que queria tirar
proveito desse cenário mais adverso para ampliar gastos. Os ajustes feitos pela
Câmara no texto do arcabouço fiscal haviam impedido o governo de usar as
projeções de inflação mais elevadas do segundo semestre para justificar
despesas maiores em 2024.
Como alternativa, o governo conseguiu que o
Senado autorizasse a inclusão, no Orçamento, de despesas condicionadas à
aprovação de créditos suplementares e, assim, abriu um espaço fiscal de até R$
40 bilhões para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em termos
fiscais, o efeito será o mesmo, com a diferença de que os créditos dependerão da
aprovação dos deputados e senadores.
É o tipo de atitude que justifica a
“incerteza residual” mencionada pelo Copom ao se referir ao desenho final do
arcabouço fiscal, mas não é a única. O BC também deve ter levado em conta as
incertezas relacionadas à reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) da
semana que vem, que vai discutir metas de inflação.
Com a maioria dos votos garantidos no
colegiado, eis a oportunidade de o governo contribuir diretamente para reduzir
as incertezas, mantendo as metas de inflação de 2024 e 2025 em 3% e o mesmo
rigor para o objetivo a ser definido em 2026. Reafirmar essa austeridade será
muito mais útil para ancorar as expectativas e criar um ambiente favorável à
queda da Selic do que a raivosa declaração de guerra contra o BC que Lula fez
em Roma.
O vexame do Senado
O Estado de S. Paulo
Na sabatina de Zanin, senadores escolheram
a omissão, atestando sua própria inutilidade no processo. O mais novo ministro
do STF é uma total incógnita. E isso é ruim para todos
O dia 21 de junho de 2023 não foi um bom
dia para a história do Senado. Além de ter aprovado para integrar o Supremo
Tribunal Federal (STF) uma pessoa que não preenche os requisitos
constitucionais do cargo, a Casa legislativa conseguiu a proeza de realizar uma
sabatina absolutamente inútil. As oito horas que a Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) do Senado dedicou a inquirir o indicado do presidente Lula da
Silva não lançaram nenhuma luz sobre o que de fato pensa o sr. Cristiano Zanin.
O procedimento formal previsto na
Constituição foi cumprido: o presidente da República indicou um nome e o Senado
aprovou, por maioria absoluta, esse nome. No entanto, o que de fato houve na
quarta-feira foi um grande deboche com a Constituição. Aprovou-se para compor a
Corte constitucional uma total incógnita. Sabe-se apenas que o novo ministro do
STF prometeu ficar do “lado da Constituição”, o que é rigorosamente sua
obrigação.
Nem se diga que não houve oportunidade. Os
senadores tiveram amplo espaço para formular perguntas ao indicado do Palácio
do Planalto ao Supremo. No entanto, as falas, para dizer o mínimo, foram
constrangedoras – também daqueles que se apresentam como oposição ao governo.
Em vez de inquirir o candidato, os
senadores procuravam afagá-lo. Mais do que preocupados em cumprir seu dever
constitucional, eles pareciam interessados em não se indispor com aquele cuja
aprovação era dada como certa. Eis a coragem dos que dizem ser oposição no
Senado. O presidente Lula indicou seu advogado para integrar o STF, em franco
menosprezo pelos valores republicanos, e esses parlamentares, ao invés de
confrontar o sabatinado, deixando claro que ele estava ali não por seu notório
saber jurídico, comprovadamente inexistente, e sim porque simplesmente é leal a
Lula, preferiram elogiá-lo. No dizer do insuspeito Flávio Bolsonaro, a
indicação de Zanin era “louvável” porque o advogado seria “garantista” –
palavra que, no dialeto dos encalacrados na Justiça, como a família Bolsonaro,
designa o advogado que invoca questões processuais para questionar condenações,
especialidade de Zanin na defesa de Lula.
O mais estranho é que a responsabilidade do
Senado no processo de escolha dos ministros do Supremo foi um tema amplamente
alardeado na campanha eleitoral de 2022. Muitos dos atuais senadores
elegeram-se justamente com a promessa de firme atuação em defesa dos requisitos
constitucionais para compor o STF.
Na sabatina, contudo, o que se viu foi uma
profunda incompreensão do papel e da responsabilidade do Senado na proteção do
STF. A indicação de um profissional sem notável saber jurídico e sem que se
conheça sua efetiva compreensão da Constituição é uma agressão ao Estado
Democrático de Direito. Não é questão de política partidária. Não é questão de
apoio ou não ao presidente Lula, até porque Cristiano Zanin terá agora direito
a ficar no STF por várias décadas após o fim do governo Lula.
Convocados a cumprir seu dever
constitucional – realizar a sabatina da pessoa indicada a integrar o órgão
máximo da hierarquia do Poder Judiciário –, os senadores limitaram-se a
chancelar a escolha de Lula, que garantiu que seu indicado era advogado e pai
de família da melhor qualidade. Como ser bom advogado e dedicado pai de família
não estão entre as exigências constitucionais para a vaga de ministro do STF,
cabia ao Senado sabatinar o candidato para verificar se Zanin preenchia de fato
os requisitos para o cargo. Mas a sabatina foi um longo jogo de cena, atestando
sua inutilidade, em afronta ao espírito da Constituição.
O presidente Lula merece muitas críticas
pela indicação de seu advogado ao STF. Mas, a rigor, merece ainda maior
reprovação o Senado. Mesmo os senadores governistas não representaram, de forma
responsável, seus eleitores na quarta-feira. Com um voto cego na escolha do
Palácio do Planalto, deram não apenas aval a uma incógnita, mas optaram por
ignorar as experiências passadas com as indicações de Lula para o STF. Não
podem depois queixar-se.
O País ressente-se com tamanha
irresponsabilidade, com tamanha indiferença à Constituição. Assim, fica mais
difícil fortalecer o STF.
Brasil na lanterna
O Estado de S. Paulo
Permanência do País na rabeira de ranking
de competitividade reflete falta de planejamento
No ranqueamento global de competitividade,
calculado há 34 anos pelo Instituto Internacional para o Desenvolvimento
Gerencial (IMD, na sigla em inglês), prestigiada instituição de educação
executiva na Suíça, o Brasil continua rondando a zona de rebaixamento entre as
principais economias mundiais. Dos 64 países pesquisados, ocupa um
constrangedor 60.º lugar. Entre os sul-americanos, está à frente somente de
Argentina e Venezuela, ambos os países afetados por graves crises.
Para elaborar o ranking, o IMD observa não
apenas dados econômicos, mas também aspectos políticos e governamentais,
educacionais, tecnológicos, de infraestrutura e de gerenciamento de negócios.
São, ao todo, 336 critérios atualizados à medida que a economia global avança.
Nessa evolução, o Brasil vai ficando para trás, com avaliações sofríveis
principalmente em relação à eficiência governamental e dos negócios.
A situação brasileira em relação a seus
pares internacionais é paradoxal. O fluxo de capital estrangeiro de curto prazo
melhorou, como mostram os dados da B3, especialmente depois do fôlego dado pela
agência de risco Standard & Poor’s, que indicou a possibilidade de revisão
para cima da nota de risco do País. Mas, para empreendimentos de longo prazo, o
ambiente regulatório incerto afasta o País do planejamento das grandes
companhias.
Apesar de avanços pontuais nos últimos
anos, como as reformas previdenciária e trabalhista e o marco do saneamento,
questionamentos e ameaças de recuo reacendem dúvidas sobre a segurança de
empreender no Brasil. Dois terços do cálculo feito pelo IMD têm como fundamento
dados concretos sobre economia, educação e infraestrutura, entre outras áreas
em que o País patina há décadas.
A definição do novo arcabouço que
delimitará os parâmetros fiscais e a reforma tributária, prevista para ser
votada na Câmara em julho, são oportunidades únicas para o País deixar as
posições finais da lista de classificação. A agenda ambiental é outro empenho
relevante. Por sua importância no comércio mundial e potencial de crescimento,
a economia brasileira já deveria estar em posição mais confortável no ranking,
não fosse a persistente inépcia de nossos formuladores.
A ascensão meteórica da Irlanda do sétimo
para o segundo lugar da lista é um exemplo concreto do impulso embutido em
lances certeiros. As mudanças regulatórias pós-Brexit promovidas pelo governo
irlandês elevaram sobremaneira a competitividade do país. O grupo de países
líderes do ranking – pela ordem, Dinamarca, Irlanda, Suíça e Cingapura – é
formado por pequenas economias que fazem bom uso de seu acesso a mercados e
parceiros comerciais, como deixa claro o relatório do IMD.
A conclusão do pacote de reformas é a medida imediata que o Brasil precisa adotar para fazer parte do jogo internacional. Para resultado a longo prazo, investir desde já em capital humano, com educação, capacitação, produtividade e investimentos em pesquisa e inovação.
O desperdício e a fome
Correio Braziliense
Estudo recente mostra que mais de 90% do
desperdício alimentar ocorre na cadeia produtiva, ou seja, apenas 4% das
empresas do ramo alimentício entrevistadas nunca descartam alimentos,
reaproveitando-os de maneira correta
Alimentação é um grave problema que precisa
ser visto com mais atenção no Brasil por todos os agentes sociais. Um estudo
recente mostra que mais de 90% do desperdício alimentar ocorre na cadeia
produtiva, ou seja, apenas 4% das empresas do ramo alimentício entrevistadas
nunca descartam alimentos, reaproveitando-os de maneira correta. Entre os 96%
que afirmaram descartar comida, mais da metade (54%) diz realizar os descartes
sempre ou frequentemente.
Os dados integram o estudo O alimento
que jogamos fora — causas, consequências e soluções para uma prática
insustentável, realizado pela MindMiners em parceria com a Nestlé. O
levantamento mostra que empresas e população precisam repensar suas atitudes.
No caso da população, embora acredite que é a maior responsável no combate ao
desperdício, apenas 10% dos descartes ocorrem, de fato, dentro de casa.
E o problema não é somente no Brasil. Cerca
de 30% da produção global de alimentos é desperdiçada ou perdida anualmente, o
que equivale a aproximadamente 1,3 bilhão de toneladas, segundo a Organização
das Nações Unidas (ONU). E o contraponto é quando consideramos as milhares de
pessoas que sofrem de fome ou de insegurança alimentar — termo utilizado para
designar uma situação em que a população de um país ou de uma região não tem
acesso físico, social e econômico a recursos e a alimentos nutritivos —;
somente no Brasil, 33 milhões de pessoas vivem nessas condições.
Se pensarmos que o país está entre os 10
que mais desperdiçam alimentos no mundo, entre os quais mais de R$ 1,3 bilhão
em frutas, legumes e verduras (que vão para o lixo dos supermercados todos os
anos), o problema está longe de ser resolvido em apenas uma tacada.
Pensemos em um brasileiro comum: ele
descarta, em média, 60 quilos de alimentos bons para o consumo anualmente. Em
famílias de três ou quatro pessoas, esse montante pode chegar a 240 quilos, o
que dirá uma empresa com 500 empregados.
Outro dado que merece atenção é que 50% do
desperdício de alimentos ocorre durante o manuseio e o transporte, ou seja, com
simples medidas como o cuidado, o armazenamento e a condução desses produtos,
por parte das empresas, é possível reduzir, ainda que não seja pela metade, boa
parte do descarte de frutas, legumes e verduras.
Além disso, as empresas têm um grande
potencial educativo, podendo compartilhar informações com os colaboradores,
fornecedores e com a população. Entre as medidas já adotadas pelas empresas,
47% afirmam que fazem um rigoroso controle de estoque. No entanto, 64% dos
entrevistados não conseguiram, de maneira espontânea, associar marcas ao
combate do desperdício de alimentos.
Fato é que ações como parcerias com
entidades filantrópicas e organizações não governamentais podem contribuir, e
muito, para, de um lado, minimizar o desperdício com o aproveitamento do que
seria descartado e, do outro, para a redução da fome e dos níveis de
insegurança alimentar. Não é tão difícil assim criar uma rede de doações. O que
falta é boa vontade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário