sexta-feira, 23 de junho de 2023

César Felício - Senado nunca foi problema para Zanin

Valor Econômico

Prova de fogo para novo ministro do Supremo foi ter sido indicado

Sabatinas de indicados para o Supremo Tribunal Federal, nas últimas décadas, têm sido termômetro de fraqueza do presidente da República, mas não de força.

A aprovação já está dada. De forma tácita, os senadores parecem partir da premissa de que as indicações feitas pelo Planalto precisam ser chanceladas, em respeito à harmonia entre os Poderes. Pelo mesmo motivo é normal que o futuro integrante da Suprema Corte diga que o Judiciário deve praticar a autocontenção, que cabe ao Legislativo a tarefa de legislar e por aí vai. Há um componente de jogo jogado neste ritual. O anormal é haver dificuldade.

Há pouco mais de 20 anos, em maio de 2003, a CCJ do Senado sabatinou dois candidatos ao Supremo no mesmo dia. Cezar Peluso foi aprovado de manhã e Carlos Ayres Britto de tarde. Na semana seguinte seria a vez de Joaquim Barbosa. Os três tinham sido indicados por Luiz Inácio Lula da Silva poucos dias antes, em um recorde ainda não batido em tempos de democracia, o que não significou que o petista não tenha enfrentado turbulências no Senado em seu primeiro mandato. Em 2004, por exemplo, teve que enfrentar na Casa a CPI dos Bingos, na esteira de um escândalo que derrubou José Dirceu da coordenação política de seu governo.

A sabatina e aprovação pelo plenário de Cristiano Zanin nessa quarta-feira está no ponto neutro: aconteceu exatamente dentro do intervalo de tempo que costuma ocorrer. O placar final, de 58 a 18, não traduz a realidade da base governista na Casa.

Pontos fora da curva foram os governos Dilma e Bolsonaro. Sobretudo no caso da ex-presidente petista. Foram as únicas ocasiões nas três últimas décadas em que o exercício da prerrogativa presidencial de indicar titulares para o Supremo esteve em xeque.

A sabatina do indicado Teori Zavascki, em 2012, teve que ser dividida em duas sessões, de tão longa que foi. O professor do Insper Diego Werneck Arguelles, estudioso do tema, relembra que o problema naquela ocasião foi o contexto. O Supremo estava no meio do julgamento da Ação Penal 470, a do mensalão, que comprometia o coração do petismo. E o indicado por Dilma iria participar do processo, iniciado em agosto daquele ano e plenamente concluído no começo de 2014.

A oposição cobrou de forma dura qual seria a posição de Teori sobre o caso. Werneck relembra que não se tratava de uma resistência específica contra o jurista gaúcho, mas da ofensiva que mudava o tom da oposição em relação aos governos petistas. Se não fizeram uma aposta pelo impeachment quando estourou o caso do mensalão, entre 2005 e 2006, seis anos depois todas as oportunidades de tentar emparedar o governo eram aproveitadas.

A sabatina e a aprovação de Edson Fachin, em 2015, deu-se uma semana depois da promulgação da PEC da Bengala, que passou a aposentadoria compulsória dos magistrados de 70 para 75 anos, tirando de Dilma o direito de indicar os substitutos dos então ministros Celso de Melo e Marco Aurélio Mello. Essas vagas seriam no futuro preenchidas por Bolsonaro. Foi um momento emblemático da debilidade de Dilma no Congresso, que adicionou um ingrediente de extrema tensão na sabatina de Fachin.

No caso de Bolsonaro, a sabatina de André Mendonça em 2021 demorou quase cinco meses, entre a indicação em 12 de julho e a aprovação final em 1º de dezembro. Mendonça teve que enfrentar resistências em diversas camadas, do fato de ser “terrivelmente evangélico” à sua polêmica conduta como ministro da Justiça. A procrastinação do exame de seu nome, obra do presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre, denotou também a falta de empenho de Bolsonaro em trabalhar pela aprovação de seu indicado.

No caso de Zanin, aponta Werneck, a oposição desviou o foco. Usou a ocasião para bater no Supremo, em especial no presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre Moraes. A motivação explícita foi o julgamento no TSE, iniciado nessa quinta-feira, que deve deixar Bolsonaro inelegível.

Nem mesmo a presença do senador Sergio Moro (União Brasil-PR) e provocações feitas pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) transformaram a sabatina em um ajuste de contas da classe política contra a Operação Lava-Jato, como poderia ter sido o caso. O julgamento de Bolsonaro esfriou a sabatina. Retirou o clima político que poderia marcá-la.

A verdadeira resistência a Zanin não se deu no Senado. Deu-se antes, no jogo de pressões entre os aliados de Lula para tentar barrar a indicação. No meio jurídico, trabalhou-se para emplacar algum integrante do grupo “Prerrogativas”, ou um nome ligado ao ministro que abriu a vaga, Ricardo Lewandowski. Também houve articulação para que o presidente buscasse uma jurista negra, de forma a aumentar a representatividade no Supremo.

A origem desta resistência remonta há alguns anos. Houve questionamento sobre a estratégia jurídica que Zanin desenvolveu na defesa de Lula, ao fim exitosa. Essa era uma causa muito disputada entre os advogados ligados ao presidente. Na classe política outros possíveis candidatos eram mais articulados, como o presidente do TCU, Bruno Dantas, ou o próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Mas Zanin tinha um único apoio, aquele que basta.

 

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