quinta-feira, 15 de junho de 2023

Roberto Macedo* - Taxa do PIB no 1º trimestre será a maior do ano

O Estado de S. Paulo

Ótimo resultado atribuído ao setor agropecuário foi também sazonal e não deverá se repetir nos trimestres seguintes

Só hoje abordarei a variação do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre deste ano, pois escrevo neste espaço na primeira e na terceira quintas-feiras de cada mês, e essa taxa foi anunciada pelo IBGE na primeira quinta de junho e meu artigo sobre outro tema foi entregue ao jornal no dia anterior.

A mais recente taxa trimestral do PIB foi realmente excepcional: 1,9% (!) num único trimestre, relativamente ao anterior. E ela enseja o retorno a comentários de outros analistas, bem como a aportes adicionais. A principal razão do crescimento foi o extraordinário desempenho do setor agropecuário, que avançou 21,6% (!) no período, que coincidiu com o auge de safras agrícolas excepcionais mesmo para os padrões do setor. Na ordenação das taxas setoriais de crescimento do PIB no primeiro trimestre, apresentadas graficamente pelo IBGE, a segunda taxa foi a da indústria extrativa, bem mais baixa, de 2,3%. E a média das 11 taxas setoriais, excluída a agropecuária, foi ainda menor, de apenas 0,4%, o que enfatiza o contraste trazido pelo desempenho deste último setor.

Entre os quatro setores com taxas negativas, chamou-me a atenção a presença da indústria da construção, com -0,8%. Ficando no seu lado habitacional, na política econômica do governo federal, vi que foi retomado o programa Minha Casa, Minha Vida, prometendo 2 milhões de casas até 2026. Mas é um programa assistencial para famílias de baixa renda. Olhei a medida do déficit habitacional em 2022, que apresenta uma estimativa de 5,8 milhões de habitações. Ora, o setor habitacional é um grande gerador de empregos e tem grande importância em países como a China e os Estados Unidos. O governo Lula, porém, mostrase muito mais voltado para a indústria de transformação – em particular a automobilística – e recentemente deu ênfase ao seu minúsculo projeto dos carros “populares” e à tal reindustrialização.

Portanto, é indispensável que a construção habitacional receba maior atenção. A propósito, vale lembrar John

Keynes, famoso economista britânico, tido como o mais influente do século passado, que sobre a habitação afirmou: “Não há melhor meio pelo qual os Estados Unidos possam gastar para a sua prosperidade do que a construção de boas casas. A necessidade está aí para ser satisfeita, o que espalharia o emprego em todas as localidades. Não há maior benefício econômico e social do que boas casas”. Essa afirmação foi traduzida de um artigo de Keynes em dezembro de 1934 na revista americana Redbook, que encontrei numa revistaria também voltada para antiguidades. Ele se estende mais sobre o assunto e voltarei ao que disse num artigo específico sobre o setor.

Voltando ao tema do título deste artigo, um aspecto que não vi analisado é que esta alta do primeiro trimestre de 2023, vinda de um setor muito marcado por sazonalidade, deverá levar a taxas trimestrais do PIB menores e até negativas até o fim do ano, a se confirmar a previsão corrente para esse período. Percebi isso ao supor que o PIB alcançado no seu primeiro trimestre se manteria o mesmo por todo o ano. Comparado com a média dos PIBs trimestrais de 2022, isso levaria a um crescimento anual do PIB em 2023 à taxa de 2,4%. Ora, segundo o boletim semanal Focus , do Banco Central, que recolhe as previsões de analistas do mercado financeiro, divulgado na segunda-feira passada, estima-se um crescimento menor, de 1,8%, o que implica que um ou mais valores dos PIB trimestrais ao longo de 2023 deverá cair. E, se isso se repetir em dois trimestres consecutivos, estaria caracterizada a tal “recessão técnica” definida por essa repetição.

Assim, o ótimo desempenho do primeiro trimestre de 2023 não garante bons resultados nos demais trimestres. Ainda com relação a isso, vale lembrar as taxas trimestrais do PIB de 2022, que foram de 1,3%, 0,9%, 0,3% e -0,2%, do primeiro ao quarto trimestres, respectivamente, com o PIB do ano fechando em 2,9%, uma taxa influenciada por esses números e pelo denominador do cálculo, o PIB de 2021.

Os bolsonaristas saudaram esse resultado do PIB em 2022 e os lulistas não perceberam a referida sequência de taxas trimestrais que poderia ter sido usada para criticar o mau desempenho nos dois últimos trimestres, que mostraram como Bolsonaro deixou mal o País. O segundo trimestre de 2023 ainda não se encerrou, mas os dados divulgados até agora não entusiasmaram.

O governo Lula não se pode vangloriar do desempenho do agronegócio no seu primeiro trimestre, pois esse desempenho foi dado por uma ágil estrutura produtiva já montada, pelo clima favorável e pela gestão competente de empresários. Governos passados tiveram a sua influência, com os avanços científicos e tecnológicos trazidos no passado pela Embrapa e pela política de crédito usualmente favorável ao setor. O governo Lula prefere ir às turras com ele, como ao chamar seus grandes empresários de “fascistas” e paparicar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, como ao levar seu maior líder para acompanhar Lula quando viajou para a China.

*Economista (Ufmg, Usp e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior

 

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