O Estado de S. Paulo
Esquisita, confusa e inexplicável a
ferrenha oposição do presidente Lula para a cláusula de compras governamentais
no projeto de acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. "Os
europeus querem que o Brasil abra as portas governamentais. A gente não vai
fazer isso", disse Lula.
Compras governamentais é o capítulo de um
acordo comercial que garante fornecimento aos governos de produtos e serviços
pelas empresas dos países signatários do acordo.
Esta é matéria exaustivamente negociada, sobre a qual se obteve convergência desde 2019. Os termos são flexíveis, excluem compras pelos Estados e municípios, preveem prazos, exceções e tratamento favorecido às pequenas e médias empresas.
Lula alega que o acordo pode prejudicar
empresas brasileiras e produzir invasão de produtos e serviços da União
Europeia, o que alijaria as indústrias locais.
Mas os termos não são unilaterais. Valem
para as duas mãos de direção. O que se quer de um processo de revitalização da
indústria brasileira é que ela se insira nas redes globais de produção e
distribuição. Portanto, o que se quer é ampliar o mercado externo. Ora, o
acordo União Europeia-Mercosul conta com mais de 700 milhões de pessoas. Abrir
mão de acesso a esse mercado equivaleria a optar pelo nanismo comercial. Além
disso, se a empresa brasileira não consegue competir nem mesmo no âmbito das
compras governamentais locais, onde vai competir?
Se há uma questão a resolver aqui não é a
rejeição dessas cláusulas, mas o entendimento das razões pelas quais a
indústria brasileira (e do Mercosul) é tão pouco competitiva e quais seriam as
saídas para isso. O acordo poderia ser o início da recuperação da indústria – e
não o contrário.
Seus termos estão sendo negociados há mais de
20 anos. O último emperramento aconteceu porque os europeus não confiaram no
governo Bolsonaro. Essa foi a razão pela qual a União Europeia incluiu um anexo
(side letter) com novas exigências na área ambiental e definição de sanções por
descumprimentos.
Três hipóteses para a nova linha dura do
presidente Lula: (1) colocação de um ponto de barganha destinado a eliminar as
exigências da side letter; (2) necessidade de satisfazer os segmentos
nacionalistas mais radicais do PT e aliados que sempre foram contra qualquer
acordo de abertura comercial; e (3) oposição de certos setores da indústria,
especialmente da área da saúde.
Mas há novidades que podem produzir
avanços. A primeira é a de que Bolsonaro, com sua obsessão em fazer passar a
boiada, já não está no governo. A outra é a nova e grave preocupação das
autoridades europeias com o avanço da China sobre os mercados da América do
Sul. Sentem que está passando da hora de ocupar os espaços comerciais e
geopolíticos na região.
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