quarta-feira, 26 de julho de 2023

Fernando Exman - Processo de reequilíbrio de poder na capital

Valor Econômico

Seja qual for o desfecho da reforma ministerial, o recado de Lira é que a pauta da Câmara será conduzida por ele até fevereiro de 2025

O relógio marcava quase 13h quando Luiz Inácio Lula da Silva subiu ao palco do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede da transição, no dia 29 de dezembro de 2022. Ladeado por algumas das ministras que hoje correm risco de demissão, anunciou o que restava do primeiro escalão do governo que tomaria posse em menos de 72 horas. Estava concluída, enfim, uma construção repleta de impasses. No período da redemocratização, aliás, ela só não foi mais demorada que a conduzida pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello. E sete meses depois já apresenta fadiga de material e rachaduras.

Para repará-las, deu-se início a um processo de reequilíbrio de poderes: Planalto e Centrão medem forças, em uma dinâmica na qual a reacomodação das peças será determinante para a estabilidade do governo daqui em diante. Lula quer impor limites e o ritmo das conversas. Se possível, ampliar os canais de diálogo com o grupo para além do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

O bloco, por sua vez, busca instrumentos para fazer política nos Estados e, na prática, evitar que o PT e demais partidos de centro se tornem fortes demais. Não é uma negociação fácil.

Naquele 29 de dezembro, porém, Lula estava bem-humorado. “Depois de muito trabalho, pressão, conversa e ajuste, nós terminamos de montar o primeiro escalão do governo”, comemorou. Na sequência, prometeu começar as discussões sobre o segundo escalão, logo depois da posse, para fazer a máquina funcionar. “O povo brasileiro não pode esperar”, discursou.

Mas o povo esperou. E esperaram, também, os partidos que pretendiam ocupar logo esses espaços. Agora, o número de interessados cresceu.

Já na época havia a brincadeira de que o PT pegou para si “apenas” todas as cadeiras do Planalto e os principais postos das áreas econômica e social, a despeito do discurso de que a vitória eleitoral dependeu de uma ampla frente partidária e esta seria devidamente contemplada na máquina.

Alguém poderia argumentar que o MDB recebeu dois ministérios com ampla capacidade de investimento e capilaridade nos Estados - Transportes e Cidades. O PSD, diriam, está à frente de áreas responsáveis por insumos estratégicos para qualquer país: energia e alimentos. São as pastas de Minas e Energia, Agricultura e Pesca. E o PSB, do vice-presidente Geraldo Alckmin, recebeu as chaves do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e do Ministério de Portos e Aeroportos, fundamentais na interlocução com o empresariado e na gestão da logística nacional.

Já o União Brasil colocou as mãos em pastas com grande capacidade de atração de emendas parlamentares: Integração Nacional e Turismo, além do Ministério das Comunicações. Segundo reportagem publicada pelo jornal “O Globo” no domingo (23), por exemplo, o governo priorizou a liberação de emendas a órgãos comandados pelo União Brasil nos primeiros sete meses do ano, como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) e a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), todas elas ligadas ao Ministério da Integração Nacional. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), vinculado ao Ministério dos Transportes, do MDB, também aparece na lista.

Não é de surpreender, portanto, que alas do PP e Republicanos também desejem pastas com capilaridade e capacidade de atração de emendas parlamentares ao Orçamento. Ou quando o União Brasil quer o comando da recém-recriada Fundação Nacional da Saúde (Funasa), já que Lula não cedeu o Ministério da Saúde em si.

Ainda seguindo a teoria política do “equilíbrio de poder”, uma eventual mudança no comando do Desenvolvimento Social teria outra serventia ao Centrão. O ministro Wellington Dias é a principal liderança do PT no Piauí e maior adversário no Estado do presidente nacional do PP, o ex-ministro da Casa Civil Ciro Nogueira.

O equilíbrio de poder é, possivelmente, um dos conceitos mais antigos nos estudos das relações internacionais. Mas pode ser usado para iluminar outras interações políticas.

Segundo ele, os Estados geralmente se unem para se contrapor a qualquer centro de poder expansionista capaz de ameaçar o sistema vigente. Quando isso ocorre, há uma mobilização de atores para frear as pretensões dos mais espaçosos. E elas são contidas justamente por meio da combinação dos demais sócios ou, em outras palavras, pelo equilíbrio de poder.

Na segunda-feira, após comprovar novamente grande capacidade de mobilização do plenário, Lira defendeu em um evento com empresários a retomada das discussões sobre a reforma administrativa. Chamou atenção, uma vez que o tema nem de longe está na pauta de interesse do Planalto. Para alcançar o equilíbrio de poder, cada um usa as armas que tem. Seja qual for o desfecho da reforma ministerial, o recado é que a pauta da Câmara será conduzida por ele até fevereiro de 2025.

 

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