Valor Econômico
Seja qual for o desfecho da reforma
ministerial, o recado de Lira é que a pauta da Câmara será conduzida por ele
até fevereiro de 2025
O relógio marcava quase 13h quando Luiz
Inácio Lula da Silva subiu ao palco do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB),
sede da transição, no dia 29 de dezembro de 2022. Ladeado por algumas das
ministras que hoje correm risco de demissão, anunciou o que restava do primeiro
escalão do governo que tomaria posse em menos de 72 horas. Estava concluída,
enfim, uma construção repleta de impasses. No período da redemocratização,
aliás, ela só não foi mais demorada que a conduzida pelo ex-presidente Fernando
Collor de Mello. E sete meses depois já apresenta fadiga de material e
rachaduras.
Para repará-las, deu-se início a um processo de reequilíbrio de poderes: Planalto e Centrão medem forças, em uma dinâmica na qual a reacomodação das peças será determinante para a estabilidade do governo daqui em diante. Lula quer impor limites e o ritmo das conversas. Se possível, ampliar os canais de diálogo com o grupo para além do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O bloco, por sua vez, busca instrumentos
para fazer política nos Estados e, na prática, evitar que o PT e demais
partidos de centro se tornem fortes demais. Não é uma negociação fácil.
Naquele 29 de dezembro, porém, Lula estava
bem-humorado. “Depois de muito trabalho, pressão, conversa e ajuste, nós
terminamos de montar o primeiro escalão do governo”, comemorou. Na sequência,
prometeu começar as discussões sobre o segundo escalão, logo depois da posse,
para fazer a máquina funcionar. “O povo brasileiro não pode esperar”,
discursou.
Mas o povo esperou. E esperaram, também, os
partidos que pretendiam ocupar logo esses espaços. Agora, o número de
interessados cresceu.
Já na época havia a brincadeira de que o PT
pegou para si “apenas” todas as cadeiras do Planalto e os principais postos das
áreas econômica e social, a despeito do discurso de que a vitória eleitoral
dependeu de uma ampla frente partidária e esta seria devidamente contemplada na
máquina.
Alguém poderia argumentar que o MDB recebeu
dois ministérios com ampla capacidade de investimento e capilaridade nos
Estados - Transportes e Cidades. O PSD, diriam, está à frente de áreas
responsáveis por insumos estratégicos para qualquer país: energia e alimentos.
São as pastas de Minas e Energia, Agricultura e Pesca. E o PSB, do
vice-presidente Geraldo Alckmin, recebeu as chaves do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e do Ministério de Portos e
Aeroportos, fundamentais na interlocução com o empresariado e na gestão da
logística nacional.
Já o União Brasil colocou as mãos em pastas
com grande capacidade de atração de emendas parlamentares: Integração Nacional
e Turismo, além do Ministério das Comunicações. Segundo reportagem publicada
pelo jornal “O Globo” no domingo (23), por exemplo, o governo priorizou a
liberação de emendas a órgãos comandados pelo União Brasil nos primeiros sete
meses do ano, como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e
do Parnaíba (Codevasf), o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
(Dnocs) e a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), todas
elas ligadas ao Ministério da Integração Nacional. O Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes (Dnit), vinculado ao Ministério dos Transportes,
do MDB, também aparece na lista.
Não é de surpreender, portanto, que alas do
PP e Republicanos também desejem pastas com capilaridade e capacidade de
atração de emendas parlamentares ao Orçamento. Ou quando o União Brasil quer o
comando da recém-recriada Fundação Nacional da Saúde (Funasa), já que Lula não
cedeu o Ministério da Saúde em si.
Ainda seguindo a teoria política do
“equilíbrio de poder”, uma eventual mudança no comando do Desenvolvimento
Social teria outra serventia ao Centrão. O ministro Wellington Dias é a
principal liderança do PT no Piauí e maior adversário no Estado do presidente
nacional do PP, o ex-ministro da Casa Civil Ciro Nogueira.
O equilíbrio de poder é, possivelmente, um
dos conceitos mais antigos nos estudos das relações internacionais. Mas pode
ser usado para iluminar outras interações políticas.
Segundo ele, os Estados geralmente se unem
para se contrapor a qualquer centro de poder expansionista capaz de ameaçar o
sistema vigente. Quando isso ocorre, há uma mobilização de atores para frear as
pretensões dos mais espaçosos. E elas são contidas justamente por meio da
combinação dos demais sócios ou, em outras palavras, pelo equilíbrio de poder.
Na segunda-feira, após comprovar novamente
grande capacidade de mobilização do plenário, Lira defendeu em um evento com
empresários a retomada das discussões sobre a reforma administrativa. Chamou
atenção, uma vez que o tema nem de longe está na pauta de interesse do
Planalto. Para alcançar o equilíbrio de poder, cada um usa as armas que tem.
Seja qual for o desfecho da reforma ministerial, o recado é que a pauta da
Câmara será conduzida por ele até fevereiro de 2025.
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