quarta-feira, 26 de julho de 2023

Wilson Gomes* - Lula terá de compartilhar poder

Folha de S. Paulo

Alguém precisa ceder parte do seu espaço para o colega e tentar voltar com mais votos para o próximo embate

As especulações sobre substituições de ministros e outros nomeados ao primeiro escalão do governo atingiu um nível frenético. A acreditar-se no que publicam os jornais e sites de notícias, garantidos mesmo no governo Lula depois da iminente reforma só Janja e um ou dois ministros que o presidente fez questão de etiquetar publicamente como sendo dele.

Não se pode, claro, acreditar na maior parte do que se diz sobre danças das cadeiras em períodos em que governos sem maioria parlamentar precisam de rearranjo na distribuição de poder. Pois é muito difícil distinguir o que decorre de apuração jornalística e o que é o jornalismo sendo usado por suas fontes na política para fazer o jogo de balões de ensaio, frituras e testes de conceitos dos grupos concorrentes.

No Brasil, a temporada de demissões e contratações no governo é um período de lamentações e de reafirmação de quão inferior e movido por interesses mesquinhos é o jogo político, em contraste com a superioridade moral do povo.

Como um líder escolhido pela melhor parte da sociedade, pergunta-se, vai agora ceder à vontade moralmente rebaixada de grupos de interesses e de partidos poderosos, compartilhando com ele o governo que lhe foi confiado pelo povo?

O líder pode ser Lula e as novas forças políticas a serem acomodadas podem ser aquela entidade que o jornalismo costuma proteger do ajuste de contas eleitorais chamando-a de centrão, mas o raciocínio se aplica sempre, não importando os atores do momento.

A resposta deveria ser óbvia: quem ganha uma eleição presidencial não é investido como monarca de um Estado absolutista, mas apenas como titular do Poder Executivo em um regime em que o controle sobre o Estado é dividido por três poderes. Pragmaticamente deveria ser simples entender que Lula não ganhou a eleição passada, mas que apenas, e por muito pouco, ganhou a eleição presidencial, tendo perdido de lavada a eleição para o Congresso. E que, portanto, não poderia governar sozinho e com os da sua afinidade ideológica, a não ser que passasse por cima do Parlamento.

Mas Lula perdeu, de muito, a eleição parlamentar, e isso aconteceu pela vontade livre da maioria do povo brasileiro, que, ao mesmo tempo em que lhe dava a presidência, negava-lhe a capacidade de fazer reformas, aprovar leis, controlar o orçamento público etc. E fez isso enchendo o Congresso de deputados e senadores bolsonaristas, fisiologistas e do centrão, quando não são as três coisas ao mesmo tempo.

Sofrem mais com isso, naturalmente, as franjas extremas do espectro ideológico, compostas pelos menos afeitos a uma compreensão realista da política. São os que mais pressionam para que os eleitos assumam o seu credo e para que o governo seja de sangue puro, mas foram também os menos capazes de oferecer a contrapartida que o mercado eleitoral demanda para que se possa vencer os concorrentes: votos.

Um candidato de esquerda poderia francamente dizer: garanta-me votos que preciso para que eu me eleja e dê-me uma maioria parlamentar que lhe darei políticas públicas e uma composição de governo de matar de inveja os suecos.

Um candidato da direita conservadora pode garantir: traga-me os votos que eu lhe darei a Hungria, a Polônia e o trumpismo, tudo junto e misturado. Não foi o caso.

No final das contas, há uma obviedade com que todos precisamos lidar: uma posição não prospera politicamente e ganha o direito de governar como bem lhe parece e sem compartilhar poder porque é moralmente superior às outras, ou porque vem de algum grupo meritório e virtuoso, porque é a mais verdadeira e honesta, nem porque há de produzir o maior bem possível ao maior número possível de pessoas.

Quer dizer, esses critérios, juntamente com outros, podem influenciar o êxito político de uma posição, mas ela só prospera se convencer a maioria —a maioria dos cidadãos no momento de votar nas eleições presidenciais e parlamentares e a maioria dos representantes eleitos em um sistema representativo.

Depois da posse dos eleitos, o jogo está feito, o negócio é ver a distribuição de poder que a democracia eleitoral produziu e lidar com o cenário proposto.

No caso brasileiro, uma presidência da República petista e um parlamento controlado pelo centrão e pelo bolsonarismo é o que temos. Poderia ter sido de outro modo? Claro, mas não foi. Lidemos com o fato.

Alguém vai ter de ceder espaço para um grupo de que não gosta e tentar voltar com mais votos da próxima vez. Desculpem-me ter que afirmar o óbvio desta vez.

*Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

 

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