Eu & / Valor Econômico
Desde o começo o objetivo da universidade
foi dar oportunidade a quem tivesse vontade, discernimento e vocação para o
saber sem distinção de classe, cor, religião
A divulgação dos resultados de avaliação de
1.499 universidades, do índice de 2024, feita pela reputada instituição inglesa
QS World University Ranking, coloca a Universidade de São Paulo entre as cem
melhores instituições do mundo. Ela saltou 30 pontos em relação ao ano passado
e ultrapassou as reputadas Universidade Nacional Autónoma do México e
Universidade de Buenos Aires como a melhor da América Latina.
A colocação da USP nos índices internacionais de avaliação vem crescendo regularmente. Os índices de reputação internacional de várias universidades brasileiras também vêm crescendo, o que reflete o empenho de seus pesquisadores e docentes no sentido de aprimorar o ensino e a pesquisa. Essas avaliações levam em conta critérios rigorosos quanto a diferentes âmbitos de desempenho dos pesquisadores e dos respectivos institutos.
A avaliação da USP pelos empregadores dos
profissionais dela oriundos, numa escala de 1 a 100, é de 89,7, bem alta. No
conjunto, a reputação acadêmica é de 92,4. A de inserção internacional no campo
da pesquisa é de 90,9. O índice de sustentabilidade, isto é, de justiça social
e ambiental, é de 96,1. Esses índices refletem a avaliação de milhares de
pesquisadores de diferentes países.
Mesmo o índice de citações de obras do
corpo docente é alto: 29,9. Este índice mede a repercussão das publicações
científicas de cada pesquisador e do conjunto deles. Ou seja, quantas vezes um
trabalho de determinado autor foi citado.
Para compreender o alcance dessa
ferramenta, pode-se levar em conta o Índice Internacional de Citações em cada
campo do conhecimento. O índice traz a referência bibliográfica completa de
cada citação e de cada citado. Dele decorrente há os índices numéricos.
O índice 29,9, no caso da USP, que é um
índice médio, indica que a universidade tem pesquisadores com índices pessoais
muito mais altos do que esse. É, portanto, um índice muito bom, indicativo de
que a instituição tem pesquisadores com desempenho e reconhecimento acima da
média.
A USP é uma universidade estadual fundada
em 1934. Ela nasceu da derrota de São Paulo na Revolução Constitucionalista de
1932. São Paulo, derrotado nas armas, optou por contra-atacar no plano do conhecimento
e da cultura. Ela é a resposta culta e democrática da civilização contra a
barbárie. A República foi aqui politicamente excludente da população desvalida
com base no pressuposto falso de que há os que nascem para pensar e os que
nascem para trabalhar. Um pressuposto escravista.
Os tenentes das revoltas tenentistas
protagonistas da Revolução de Outubro de 1930, que levou Getúlio Vargas ao
poder, preconizavam já em 1924 uma ditadura de 60 anos, até que toda a
população brasileira estivesse alfabetizada e se rompesse a cadeia de
dependência e dominação dos simples pelas oligarquias rurais. O Exército queria
se libertar do poder dos régulos da roça e dos políticos deles dependentes, que
até decidiam quem podia e quem não podia tornar-se um general.
Júlio de Mesquita Filho, da família de
proprietários do jornal “O Estado de S. Paulo”, foi o inventor e fundador da
USP. Foi preso ao fim da Revolução de 1932, que apoiara. Na prisão leu as obras
de sociologia da educação de Émile Durkheim. A USP nasceu na prisão e nas
tertúlias de fim de expediente de um jornal.
Aproveitando que seu cunhado, Armando de
Salles Oliveira, se tornara governador de São Paulo, propôs a criação da
universidade. Onde? O jornalista Paulo Duarte propôs que fosse na Fazenda
Butantã, de propriedade do governo do estado, herança do confisco dos bens
jesuíticos, no século XVIII, pelo Marquês de Pombal.
Foram até lá, e ao pé do morro que fica
onde hoje estão o prédio de História e Geografia e a entrada dos fundos do
Butantã, Mesquita foi sonhando e inventando a USP, indicando, apontando com o
dedo onde talvez se pudesse construir futuros institutos. E fez uma advertência
decisiva: a USP será pública, laica e gratuita.
Milhares de brasileiros só puderam cursar a
melhor universidade do Brasil graças a essa revolucionária e civilizadora
decisão. Desde o começo o objetivo foi e continua sendo recrutar e dar uma
oportunidade a quem tivesse vontade, discernimento e vocação para o saber sem
distinção de classe, cor, religião e o que mais fosse.
Apesar da perseguição política a
professores e alunos pela ditadura militar de 1964 a 1985 e a cassação e
demissão de vários dos docentes, grandes e notáveis nomes do conhecimento, a
USP resistiu e venceu, cada dia, os muitos anos de adversidades.
A USP ajudou a reinventar o Brasil.
Transformou-o e contribuiu para dar-lhe uma consciência científica do que é e
do que pode ser.
*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de "As duas mortes de Francisca Júlia - A Semana de Arte Moderna antes da semana" (Editora Unesp, 2022).
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