O Globo
Fala de Barroso em congresso e forma de
comunicar fim de escolas cívico-militares são exemplos de como dar sobrevida ao
discurso de aliados do ex-presidente
Vencer o bolsonarismo não é uma tarefa
simples, não é algo que diga respeito a apenas um Poder ou uma instituição e
requer inteligência e compreensão da panela de pressão que ainda está sobre a
chama alta na sociedade.
Nesse sentido, a declaração injustificável
do ministro Luís Roberto Barroso num congresso da UNE, no qual ele nem sequer
deveria estar discursando, e a forma como o governo Lula anunciou o fim do
projeto de escolas cívico-militares podem até parecer eventos sem nenhuma
correlação, mas são dois exemplos, num curto espaço de tempo, de como aumentar
a pressão da panela, em vez de destampá-la.
Barroso já havia se enrolado na própria
língua quando, em abril do ano passado, poucos meses depois de ter deixado a
presidência do Tribunal Superior Eleitoral, disse em uma videoconferência a uma
universidade alemã que as Forças Armadas estavam sendo “orientadas” a
desacreditar o processo eleitoral brasileiro.
Foi um bafafá — e contribuiu para acirrar
as relações entre os militares e o TSE, que, paradoxalmente, enquanto ocupou o
comando da Justiça Eleitoral, o próprio ministro tentou de todas as formas
distensionar.
A fala de agora é mil vezes pior, porque abre uma avenida para toda sorte de teorias conspiratórias de que o STF e o TSE teriam agido de forma política para derrotar Bolsonaro. Sua nota não melhora em nada a situação, pois não é uma retratação pública total, e sim uma reformulação do raciocínio que nunca poderia ter sido proferido por ele, e que ainda associa eleitores do ex-presidente ao “extremismo golpista”.
Barroso assumirá a presidência do STF no
segundo semestre, justamente quando os verdadeiros extremistas golpistas
bolsonaristas serão julgados pela Corte que ele comandará. Para fazê-lo sem que
fiquem o tempo todo bombardeando seu impedimento, tem de se retratar sem meias
palavras.
Olhemos agora para a forma como o ministro
Camilo Santana anunciou o fim do programa de escolas cívico-militares. Era uma
promessa de campanha de Lula acabar com essas escolas dispendiosas, que
contratam militares da reserva em desvio de finalidade, contrariam a base comum
curricular e não apresentaram resultados pedagógicos que justifiquem sua
permanência.
Mais: em quatro anos, Bolsonaro entregou
pouco mais de 200 dessas escolas ineficazes, uma prova a mais do desastre que
foi o Ministério da Educação em seu governo.
Ou seja: houve sete meses, estudos técnicos
e dados a granel para que o MEC anunciasse — de forma transparente, organizada
e com antecedência para que as redes de ensino pudessem se organizar — que
acabaria com esse modelo que comprovadamente era ruim, deu errado e só atendia
a um capricho ideológico do ex-mandatário.
Mas a forma pouco transparente e tardia com
que foi feito o anúncio acabou gerando insegurança e desinformação para pais,
alunos e gestores de educação e, pior, propiciando a aliados do ex-presidente
falar em revanchismo, perseguição política e defender a permanência do modelo
fracassado.
Até mesmo adversários de Bolsonaro quiseram
fazer uma média com os militares ao dizer que manterão as escolas, como foi o
caso do prefeito do Rio, Eduardo Paes, que encheu a boca para dizer que manterá
uma (isso mesmo, umazinha) escola desse tipo que existe na cidade. Por que
manter? Ele não achou necessário explicar, talvez porque o ministério tenha se
furtado ao seu dever de explicar direito e para todo mundo de uma vez por que
acabar.
Se há uma área na qual o PT, Camilo Santana
em particular, tem expertise e massa crítica acumulada é a Educação. Não por
acaso foi um dos grupos de transição mais superlotados. Que essa decisão
necessária e simples de anunciar tenha demorado tanto e, quando veio, tenha
servido à narrativa bolsonarista, e não ao contrário, é mais um alerta de que
“vencer” o bolsonarismo demandará mais inteligência e estratégia que as bolas
fora da semana demonstraram.
2 comentários:
Abordagem perfeita! Parabéns à colunista e ao blog que divulga o trabalho da jornalista. Os governadores de SP e do RS também vão dar uma sobrevida nos seus estados a esta ridícula tentativa bolsonarista de militarizar o ensino público. Vão apenas ampliar a tragédia que foi a gestão bolsonarista da Educação brasileira, com ministros tão INCOMPETENTES quanto Abraham Weintraub e o pastor corrupto Milton Ribeiro, só preocupados com a ideologização da Educação que diziam combater mas que executaram como nunca antes nas décadas recentes. Tão canalhas como o miliciano mentiroso que os comandava!
Eu entendi a fala do ministro,mas temos de separar Bolsonaro e o 'bolsonarismo',que está mais vivo do que nunca.
Postar um comentário