sexta-feira, 14 de julho de 2023

Reinaldo Azevedo – Governo Lula à luz de 'Os Lusíadas'

Folha de S. Paulo

Em ciências sociais, como é a economia, as escolhas ideológicas viram matemática

Não sei se me preocupo ou suspiro aliviado, mas o fato é que voltou a circular a Teoria da Sorte para justificar os erros de prognósticos sobre o governo Lula feitos por analistas —alguns deles vazados naquele fatalismo trágico e pouco emocionado, assim como a folha seca de Didi, que inicia a sua trajetória descendente, desprezando a curva da parábola e desgraçando a vida do goleiro. Pelo visto, nada do que já não foi também não será... "O presidente tem sorte!" Nem por isso cessarão as antevisões catastrofistas...

Quando professor, gostava especialmente das aulas sobre "Os Lusíadas". No Canto IV, há o tal episódio do Velho do Restelo. Ele aparece para advertir os portugueses sobre os desacertos e contratempos que virão em razão de sua ambição. Simbolicamente, Idade Média e Renascimento se confrontam ali. Ganhar o mundo ou ficar preso ao que já se sabe? Ousar o novo ou reiterar o consagrado? Com alguma sorte, leitores hão de ter alguns ecos ainda na memória das advertências que fez o ancião a Vasco da Gama e aos seus: "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça/ Desta vaidade, a quem chamamos Fama!/ Ó fraudulento gosto, que se atiça/ C’uma aura popular, que honra se chama!/ Que castigo tamanho e que justiça/ Fazes no peito vão que muito te ama!/ Que mortes, que perigos, que tormentas,/ Que crueldades neles experimentas!"

Mesmo assim, os navegantes saíram ao mar. Ainda bem. O pensamento reacionário tem seu apelo. Como, no fim das contas, nada mesmo se leva desta vida, "a única conclusão é morrer", escreveu outro poeta. Então deixem de lado qualquer tentação porque ela só servirá à desorganização do que está dado. O novo rompe os liames dos nossos costumes, e nada se tem de bom ao fim...

Isso, seja lá o que for, que identificam como "liberalismo brasileiro" transformou-se, em boa parte, num conforto preguiçoso, tendente a não enxergar um palmo adiante do próprio nariz teórico. E, por certo, sem a mesma verve do Velho — porque, afinal, a dele era a de Camões, e a dessa turma é pautada por apostas um tanto mais mesquinhas, no sentido de "pequenas", não de "moralmente condenáveis". Não vejo pelo prisma do moralismo as atividades "Duzmércáduz". Só não acato o achismo interessado como maldição.

Não estou comparando, por óbvio, Lula Fernando Haddad a Vasco da Gama e aos seus, embora anteveja sortilégios pela frente. Em alguma curva de uma nova África metafórica da economia, há de se alevantar um Gigante Adamastor... Se bem que o titã até foi gentil com os navegantes, né? "Ó gente ousada, mais que quantas/ No mundo cometeram grandes cousas,/ Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,/ E por trabalhos vãos nunca repousas"...

Li há pouco uma entrevista ao Valor de Renato Ejnisman, vice-presidente de atacado do Santander. Segundo diz, "o Brasil voltou à vitrine global". Não creio que seja um desses propagandistas, que habitualmente dizem ou escrevem coisas favoráveis ao governo, com ou sem o concurso de um brigão, boêmio e caolho. Não é o único. Outros executivos obrigados a oferecer resultados a quem lida com dinheiro grande também apontam —e estamos, quando escrevo, apenas no 13º dia do sétimo mês de governo— a mudança da "sorte". Até agora, não se cumpriram as predições do Velho. Começaram —e é da natureza do catastrofismo se antecipar— em novembro, quando Lula negociava a PEC da Transição.

A propósito: no procedimento em que eu via especial habilidade —erigir um dos pilares da reconstrução antes mesmo de assumir o cargo—, anteviram o caos, alguns com muito mais credenciais do que eu para debater economia. E observo que não trato com desdém o saber especializado. Ao contrário: sou sempre reverente, mas não acrítico. Em matéria de ciências humanas e sociais, como é a economia, as escolhas políticas, ideológicas, éticas e morais contam mais do que a matemática, cujo valor é tão fundamental como instrumental.

Que bom que os antecipadores de apocalipses estavam errados. E nem por isso acho que devam refrear o fel de sua pena. Recomendo o Canto IV de "Os Lusíadas". Nada instrui sobre economia, mas pode refinar o estilo e iluminar os caminhos da tolerância com a divergência. De todo modo, viva a sorte! O contrário seria pior.

3 comentários:

marcos disse...

Triste fim de RA...

MAM

ADEMAR AMANCIO disse...

Carácoles!

a disse...

https://youtu.be/da_U08dGKXM


https://rumble.com/v2zwmri-lula-prejudica-so-paulo-com-reforma-tributria.html