Valor Econômico
Copom está levando em conta a má situação das
contas públicas e está calibrando a Selic para combater seus efeitos na
inflação projetada e nas expectativas
Especialistas em política monetária, alguns
com passagem pelo Banco Central, acham que o Comitê de Política Monetária
(Copom) deveria combater, com juros mais altos, os impactos inflacionários
causados pela má situação fiscal do país.
O argumento desses economistas é que os
documentos oficiais do Copom admitem que uma parte relevante da desancoragem
das expectativas de inflação de longo prazo é causada pelo ceticismo dos
agentes econômicos sobre o cumprimento das metas fiscais. Seria trabalho do BC
combater qualquer desancoragem, independentemente da origem.
Atualmente, o mercado financeiro projeta no boletim Focus uma inflação de 3,5% a partir de 2025, acima da meta contínua definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 3%. O consenso dos analistas, por outro lado, é que haverá um déficit primário de 0,73% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024, acima do objetivo definido pelo Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, de zerar esse resultado negativo.
O próprio Copom fez alguns exercícios que
mostraram que, em geral, os economistas que não acreditam no cumprimento da
meta de inflação no longo prazo são os mesmos que acham que a meta de zerar o
déficit primário não será cumprida. Isso levou o presidente do Banco Central,
Roberto Campos Neto, a dizer que vivemos uma situação de “desancoragem gêmea”,
com o fiscal levando a um ceticismo sobre a inflação.
Para alguns analistas ouvidos pelo Valor,
porém, ao se referir dessa forma à desancoragem das expectativas, o Banco
Central no fundo está dizendo que o problema não é com ele, e sim com o fiscal.
Na realidade, porém, todo o problema inflacionário deveria ser combatido pelo
Banco Central, que é o guardião da moeda.
O discurso da “desancoragem gêmea” estaria
passado, segundo esse entendimento, uma mensagem negativa para o mercado
financeiro - que concluiu que as expectativas foram deixadas à sua própria
sorte e deixaram de reduzi-las a partir de meados de julho.
O Brasil tem sofrido com a desancoragem das
expectativas desde fins do ano passado. No princípio, devia-se a uma certa
descrença em relação à própria política monetária. O mercado achava que o Banco
Central encerrou o ciclo de aperto sem levar a taxa Selic ao campo realmente
restritivo, já que a economia demorou a dar sinais de que o aperto monetário
estava se transmitindo pelos canais usuais, como o crédito. Depois, as
expectativas pioraram, com as incertezas fiscais e com as discussões sobre
mudar as metas de inflação. Em conjunto, esses fatores levaram as expectativas
de inflação para 4% para anos a partir de 2025.
Com o passar do tempo, ficou mais claro que a
política monetária estava surtindo seus efeitos. O arcabouço fiscal tirou do
mapa o cenário de ruptura para as contas públicas. O governo também resolveu
adotar uma meta contínua de inflação em 3% no CMN de junho, que tira do
horizonte as discussões anuais sobre adotar um objetivo maior. Tudo isso,
combinado, teve impacto para reduzir as expectativas de inflação para 3,5%.
A partir de agosto, porém, o Copom colocou a
responsabilidade da desancoragem das expectativas na política fiscal e começou
a cortar os juros. A sensação que passou para o mercado é que, para o BC, o
monetário chegou ao limite do que poderia fazer.
Na realidade, não é bem assim - o Copom está
levando em conta a má situação fiscal e está calibrando os juros para combater
os seus efeitos na inflação projetada e nas expectativas. Pelo menos é o que está
dito nos documentos oficiais. A ata da reunião do Copom de agosto diz que “ a
dinâmica fiscal seguia sendo relevante em seu cenário-base”. Se está no cenário
base, a projeção de inflação, atualmente de 3,5% para 2024 e de 3,1% para 2025,
leva em conta esse fator - e exige uma dose de juro mais forte. O Copom tem
evitado subscrever o cenário de queda de juros do boletim Focus, que prevê que
a Selic vai cair a 9% ao ano em 2024, justamente porque a sua projeção de
inflação indica que precisa de juros mais elevados do que isso para cumprir a
meta determinada pelo CMN, de 3%.
Um economista com passagem pelo Banco Central
diz que, mais do que a inflação projetada no cenário base, o Copom deveria
deixar claro que calibra os juros com vistas a ancorar as expectativas de
inflação em 3%. Uma das críticas ao corte mais forte de juros em agosto, de 0,5
ponto em vez de 0,25, é que ele contribuiu pouco para mostrar determinação para
reancorar as expectativas de inflação.
O objetivo do Copom, determinado pelo decreto
que criou o regime de metas de inflação, é cumprir a meta, e não ancorar as
expectativas. Mas é difícil separar uma coisa da outra: o custo de
desinflacionar a economia aumenta muito se as expectativas longas não estiverem
ancoradas na meta.
Na realidade, o BC está fazendo as duas
coisas, trabalhando com o tamanho do orçamento de corte de juros para cumprir
os seus objetivos. “Evidenciou-se a necessidade de se manter uma política
monetária ainda contracionista pelo horizonte relevante para que se consolide a
convergência da inflação para a meta e a ancoragem das expectativas”, diz ata
de agosto. O que falta é dizer alto que, embora o fiscal tenha causado a
desancoragem das expectativas, o monetário é quem vai resolver o problema.
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