E não são as ideologias que estão provocando esse potencial inversão de valores. Elas são apenas véus (discursivas) que nos distraem da verdade absoluta: a ameaça de extinção da vida no Planeta. É a realidade!... Os recursos naturais - a biodiversidade, as florestas as águas - são cada vez mais escassos para uma população que cresce assustadoramente.
Os dramas ambientais aterradores frequentes são banalizados no cotidiano: tsunamis, terremotos, exploração irrefreável do subsolo (a terra está se tornando uma espécie de queijo mineiro: toda furada por dentro), temperaturas nunca experimentadas, inundações, secas prolongadas, desmatamento, queimadas, perda de terras cultiváveis, escassez de alimentos, quase 1 bilhão de pessoas famintas. E continua a falar-se em desenvolvimento (econômico), industrialização, guerras fratricidas, até nucleares. Tudo predatório dos recursos naturais que protegem a Terra e os princípios ativos da vida.
Não queria citar o Presidente Lula, porque ele é muito retórico, nem sempre explícito. Mas ele se apropriou de um discurso social e ambiental difícil de ser contestado. Tem apregoado coisas que estão acontecendo, e outras passíveis de acontecer, quase como um profeta, tipo beato Antônio Conselheiro, que pregava os céus na Terra. Mas é por aí mesmo. A transversalidade da problemática ambiental atravessa todos os segmentos.
Falta gestão, mas o Brasil tem, de fato, se adiantado na busca de soluções. Promulgada em 5 de outubro, a Constituição de 1988 pôs em destaque um capítulo especial, capitaneado pelo artigo 225, segundo o qual a proteção do meio ambiente é um direito do cidadão. Foi a primeira Lei Magna no mundo a tratar dessa questão. Para homenagear seus autores parlamentares, a comunidade brasiliense, idealizou em Brasília, na praça dos Três Poderes, um monumento ambiental simbólico com o nome de Bosque dos Constituintes, em que cada um daqueles congressistas, acompanhado de grupos de escolares, entre 12 a 15 anos, plantou uma árvore nativa do bioma da região de origem.
Na entrada do Bosque depara-se com um exuberante pau-ferro (Caesalpinia leiostachya), plantada pelo ex-deputado Ulysses Guimarães, quem promulgou, em nome do Congresso, a nova Carta, desaparecendo depois no mar, como o rei dom Sebastião, em Portugal.
"A CONSTITUIÇÃO PASSARÁ, MAS A MEMÓRIA DOS CONSTITUINTES DE 1988, RESPONSÁVEIS POR ESSA CARTA DEMOCRÁTICA (CIDADÃ)", PERMANECERÁ POR 200, 300, 600 ANOS" - disse de maneira enfática ao fazer o plantio da sua árvore.
A empreitada constitucionalista foi assumida por milhões de brasileiros, assustados com o autoritarismo que a antecedeu. Doze milhões de assinaturas, em centenas de emendas populares, ajudaram a dar um formato democrático e socialmente justo para a Constituição e para o destino do País. No Congresso, durante dois anos, assistiram-se confrontos ideológicos e culturais. Mas, propósitos quase religiosos conduziram o diálogo entre políticos e entre cidadãos a um consenso democraticamente amistoso, ignorados, hoje, em discursos reformistas odientos entre Poderes e partidos.
O Bosque, plantado pelos parlamentares constituintes de 1988 - e pelo Presidente da República, José Sarney (pau brasil= Caesalpinia echinata), e o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Rafael Meier (ipê branco= Tabebuia roseo-alba) e do Senado, Humberto Lucena (ipê roseo Handroanthus heptaphyllus) -, era a expressão simbólica dos desejos e sonhos dos brasileiros. Mais que uma homenagem, procurava chamar de atenção para os dramas ambientais, que tendem a multiplicarem-se, impactando a vida na Terra, o nosso bioma tropical e a existência de 220 milhões de brasileiros, comprometendo o futuro, hoje, de 60 milhões crianças e adolescentes.
Descobriu-se que o crescimento econômico imoderado e a problemática social eram, sobretudo, desafios à vida. Mantendo-se, o ritmo acelerado no uso dos recursos naturais poderíamos chegar a um momento em que o homem estaria sozinho na Terra, quiçá, sem condições materiais para sobreviver. Voltaria à condição de coletor do que restasse, e teria de praticar a antropofagia para sobreviver, até com a autodestruição.
O Bosque Constituintes surgido neste cenário expressava essas preocupações. Indicava o rumo no artigo 225 da Constituição de 1988. Legava aos brasileiros um mantra, segundo o qual o meio ambiente é um direito; protegê-lo é uma responsabilidade dos cidadãos.
Contudo, como uma maldição beatificada, o gavião carcará (Carcará plancus), uma ave carnívora, necrófila, do topo da cadeia alimentar das espécies voadoras, encontrou no Bosque dos Constituintes habitat propício. Fez ali seu ninho, e se reproduz rápido. Glamoriza a paisagem, mas serve de advertência, simbólica, para aqueles que cultuam a ideia "hobbesiana" (Thomas Hobbes:1588-1679) do homem como lobo do próprio homem: "... devido ao seu egoísmo, parece cultivar a ideia de todos contra todos".
Ora, pela omissão meramente administrativa
recebida em parte desses últimos 35 anos, correu-se o risco de ver o Bosque
perder o significado como Bosque dos Constituintes, representação de desejos e
sonhos da Nação; para transformar-se numa mera curiosidade pública como o
BOSQUE DOS CARCARÁS, prenúncio constante de algum desastre.
Ao se comemorar os 35 anos da Constituição e, quiçá, do Bosque, torcemos para que nossos políticos atuais reajam, como ESTADISTAS, agindo em direção a harmonia entre Poderes, de maneira democrática e respeitosa. Os carcarás lutam também pela sua sobrevivência e a de sua prole. Só que eles alimentam-se da destruição de outras vidas.
Trata-se de uma questão de educação. De maneira metafórica, Ulysses lembrava que “Num ninho de mafagafa (pássaro imaginário) tem sete mafagafinhos, quando a mafagafa grita, que dirão os mafagafinhos?!!!...”. Assim, é preciso evitar a retórica instigante que fala da paz, mas ampara-se na ideia da guerra. Antes das opções ideológicas, é necessário compreender a problemática da vida na sua essência. Tendemos a passar por uma gigante resignificação dos modelos produtivos e de convivência social. A transversalidade ambiental está cobrando isso de todos os segmentos. As árvores são uma opção para proteger o clima da Terra. Mantê-las de pé uma obrigação solidariamente humana..., para a sobrevivência.
*Jornalista, professor, doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de Brasília
Um comentário:
Nossa,arrasou!
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