quinta-feira, 12 de outubro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Avanço sem freio do ensino à distância exige ação do MEC

O Globo

Cursos remotos precisam estar sujeitos a limites para manter qualidade didática, revela Censo

A última edição do Censo da Educação Superior, a mais ampla pesquisa sobre universidades e faculdades do Brasil, revela expansão descontrolada dos cursos à distância, situação que exige atenção redobrada do Ministério da Educação (MEC). Não é novidade — e a pandemia deixou claro — que nessa modalidade a qualidade do ensino deixa muito a desejar. O ensino à distância (EAD) vem aumentando desde antes do coronavírus — e continuou a crescer mesmo com o fim do risco. Em 2022, dois em três alunos de faculdades se matricularam nele, ou mais de 3 milhões. Nos cursos privados de licenciatura, 94% dos ingressos e 88% das matrículas são em EAD.

O crescimento começou há dez anos, mas uma mudança na lei em 2016 fez o ritmo aumentar. As faculdades passaram a não ter mais a obrigação de contar com ao menos um polo presencial. Em uma década, a formação de novos professores à distância mais que dobrou, enquanto as notas da maioria dos cursos caíram, segundo análise da ONG Todos Pela Educação. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou alto índice de desistência no ensino remoto. Entre 2017 e 2021, em torno de 55%. O número chamou a atenção da presidência do TCU e elevou a pressão por maior fiscalização dos cursos à distância.

O Brasil precisa sem dúvida tornar a educação universitária mais acessível. A fração da população com diploma superior é pequena: 16,5%, de acordo com o Banco Mundial. No México, são 19%. No Chile, 22,5%. Nos Estados Unidos, 48%. Mais gente com diploma significa mão de obra mais preparada e maior produtividade na economia, chave do crescimento sustentado.

Para quem completa uma faculdade, o diploma representa mais dinheiro no bolso. Um estudo de pesquisadores da USP e da Fundação Getulio Vargas (FGV), ainda inédito, calculou o retorno financeiro para quem entrou nas universidades públicas e privadas em 2013 e chegou ao mercado de trabalho cinco anos depois. Na média, o salário é 17,5% maior para quem tem diploma (29% se for de universidade pública). Não é à toa que o EAD passou a ser visto como atalho para melhorar de vida.

Mas uma das duras lições da pandemia foi que, mesmo com bons computadores e banda larga, o ensino remoto esbarra em limites intransponíveis. O aproveitamento dos estudantes é maior em aulas presenciais. Evidentemente, trata-se de recurso que não se deve desperdiçar. Se usado com sabedoria e parcimônia, pode ser um instrumento potente de mudança. Num país continental como o Brasil, faz sentido para dar a oportunidade de estudar a quem vive em regiões distantes de centros universitários ou a quem não dispõe de tempo e dinheiro para deslocamentos diários. Tudo isso precisa ser levado em conta. As vantagens não podem, contudo, ser usadas como justificativa para piorar a educação superior.

Citando os cursos de licenciatura, Priscila Cruz, presidente do Todos Pela Educação, sugere que “a carga de EAD seja reduzida para no máximo 20%, apenas nas disciplinas mais teóricas e, de preferência, de forma síncrona”, com todos os alunos participando da aula. É uma proposta que faz sentido. Também é necessário corrigir a legislação que permitiu a expansão desenfreada do EAD. Educação sem um mínimo de qualidade é perda de tempo para o país e para os alunos. Sem aprender direito, ninguém ficará mais produtivo nem conseguirá ganhar mais.

Trajetória da dívida pública projetada pelo FMI é preocupante

O Globo

Mesmo que o governo cumpra suas ambiciosas metas fiscais, fundo prevê alta no endividamento

Causa preocupação o novo relatório de projeções fiscais divulgado ontem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Mesmo adotando um olhar otimista para o cumprimento das metas de resultado primário, o Monitor Fiscal do FMI prevê um salto significativo na dívida pública brasileira ao longo dos próximos anos. Os números representam um choque de realidade para o arcabouço fiscal recém-aprovado pelo Congresso.

O próprio governo reconhece em suas projeções que não cumprirá a meta fiscal traçada para este ano pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad: déficit de 1% do PIB. Pela previsão de setembro, as contas ficarão R$ 141,4 bilhões no vermelho, ou 1,3% do PIB. O FMI estima o déficit em 1,2% do PIB, previsão até mais otimista. Para 2024, o fundo prevê déficit de 0,2%, resultado próximo do déficit zero anunciado por Haddad. Para 2025 e 2026, as previsões do FMI também destoam pouco das promessas. O fundo fala em superávits, respectivamente, de 0,2% (ante promessa de 0,5%) e 0,7% (ante 1%).

O que desperta preocupação é a trajetória da dívida pública traçada pelo FMI em cima das projeções. Sem desviar muito dos números que o governo diz pretender entregar, o fundo não enxerga a estabilização prometida em todas as apresentações em defesa do arcabouço fiscal. Ao contrário. Para o FMI, a dívida pública — 85,3% do PIB no ano passado pelo critério do fundo — voltará a crescer. Será de 88,1% neste ano, 90,3% em 2024, 92,4% em 2025, alcançando 96% do PIB em 2028. A dívida continuará a subir porque os superávits tímidos serão insuficientes para arcar com juros e despesas fora do cálculo do resultado primário.

Tal patamar de endividamento coloca o Brasil muito distante do que seria razoável para uma economia com as mesmas características. Na média, a dívida pública gira em torno de 72% entre os países emergentes do G20 e de 69% na América Latina.

Não faltam razões para ceticismo em torno dos resultados fiscais. No ano que vem, as despesas com saúde e educação subirão acima do limite de 2,5% além da inflação dado pelo arcabouço, em razão de vínculos constitucionais. Outras despesas tendem a crescer com medidas aprovadas ou em tramitação no Congresso. Reajustes a servidores, redução da contribuição previdenciária de prefeituras, aumento no limite de faturamento de microempreendedores individuais e outros projetos pressionam por mais gasto num momento que deveria ser de contenção.

O cumprimento das metas do arcabouço dependerá de alta na arrecadação, que o governo quer alcançar com mudanças nas ações contra a Receita Federal, taxação de fundos exclusivos, offshore e outras medidas para aumentar a carga de impostos. Mesmo se tudo der certo — um enorme “se” — e o governo cumprir as metas ambiciosas que traçou, o FMI avisa que a dívida pública continuará a crescer. A equipe econômica deveria desde já fazer os planos de cortes de gastos e acelerar as reformas, única saída razoável para a ameaça fiscal. Quando a conta chegar, não adianta dizer que ninguém avisou.

Letras mortas

Folha de S. Paulo

Unicef confirma piora na alfabetização após Covid; efeito precisa ser minorado

Para além das 700 mil vidas de brasileiros levadas pela Covid-19, a pandemia, mesmo passado seu pior momento, deixou nódoas persistentes no tecido social. Entre as mais alarmantes figura o dano ao aprendizado de uma legião de estudantes, como na alfabetização.

O impacto era conhecido, pois aparecera na prova de 2021 do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Após a crise sanitária, só 43,6% dos alunos do segundo ano sabiam ler e escrever textos simples, ante 60,3% em 2019.

O lamentável retrocesso se confirma em estudo do Unicef, órgão das Nações Unidas dedicado à infância, com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad). No ano anterior à Covid, 20% das crianças de 7 anos eram analfabetas; em 2022, o contingente sem letras saltou para 40%.

A pesquisa não se limitou à educação, baseando-se no conceito de pobreza multidimensional, que toma em conta vários tipos de privação. Constatou, por exemplo, que a segurança alimentar piorou ligeiramente, não obstante a renda familiar ter melhorado.

Com a ampliação do Bolsa Família, caiu de 40% para 36%, no mesmo período, a parcela de crianças e adolescentes com renda insuficiente. No entanto oscilou de 19% para 20% a daqueles sem rendimentos para garantir nutrição adequada, indício de que o ganho foi corroído pela inflação de alimentos.

Boa alimentação constitui fator crucial para o desenvolvimento cognitivo, portanto um quinto da juventude parte em desvantagem na aprendizagem. Com a piora na alfabetização, após prolongada suspensão das aulas no Brasil, o atraso ameaça condenar uma geração de garotas e garotos a vidas aquém de seu potencial.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que essa perda com a pandemia, se não for remediada, pode diminuir em 9,1% a renda desses jovens no curso da vida.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao menos dá sinais de estar ciente da gravidade da situação. Deu prioridade a essas faixas etárias no Plano Plurianual 2024/27 e anunciou o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada.

Mas não se trata só de verbas ou planos, e sim de ação. Os governos estaduais e municipais, maiores responsáveis pelo ensino básico, precisam estar engajados.

Uma cruzada nacional pelo letramento, abarcando toda a sociedade e não só o poder público em todas as esferas, se faz necessária. Após o sofrimento da pandemia, deixar essas crianças para trás lhes imporia nova privação que, no caso, nada tem de inevitável.

Razões da disparidade

Folha de S. Paulo

Trabalho de vencedora do Nobel lança luz sobre salários menores de mulheres

O Nobel de Economia contemplou tema dos mais caros ao feminismo ao premiar a americana Claudia Goldin, estudiosa da inserção de mulheres no mercado de trabalho. Goldin é a terceira mulher a receber o galardão nessa categoria, mas a primeira a não dividi-lo com pesquisadores homens.

Seus trabalhos são relevantes, inovadores e propícios ao desenvolvimento de políticas públicas de grande impacto social. Um dos feitos da professora de Harvard foi ter reunido 200 anos de dados para conclusões fundamentadas.

Uma delas é que as causas da discriminação da mulher no mercado de trabalho são principalmente situacionais, não resultado de algum essencialismo irredutível.

Em outras palavras, elas estão baseadas sobretudo em estruturas sociais e ocorrências do mundo físico, como gravidez e doenças, mais do que em preconceito —ainda que este possa ser observado.

Com efeito, hoje (já foi diferente no passado), as remunerações de homens e mulheres quando ingressam na vida profissional não são muito díspares. Mas, a partir do momento em que elas têm os primeiros filhos, a diferença surge e não diminui mais.

O problema central é que as exigências da maternidade —e, mais tarde, o cuidado com os idosos, que também tende a recair mais sobre mulheres— fazem com que elas optem por empregos com maior flexibilidade de horários, que tendem a pagar menos do que aqueles que exigem dedicação diuturna.

Segundo um dos achados de Goldin, em casais de mulheres homossexuais, uma delas costuma preservar-se mais das interferências do mundo doméstico e ganha um prêmio salarial por isso.

A boa notícia é que está ao alcance de políticas públicas mudar ao menos parte do quadro. Nenhuma lei vai alterar rapidamente séculos de atribuição de papéis sociais, mas um bom sistema de creches pode dar às mulheres as condições de assumir empregos melhores.

O mesmo vale para a adoção de uma licença-paternidade mais alentada, que permita aos casais uma divisão mais equitativa das obrigações com a prole.

Medidas como essas parecem mais promissoras do que proibir por lei a discriminação salarial por gênero —como faz o Brasil há décadas, com novas regras recém-aprovadas por iniciativa do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Por meritório que seja o princípio legal, a sua aplicação é dificultada pela existência de outros fatores, como tempo de casa e desempenho, que podem justificar as diferenças salariais.

Israel precisa de um Estado palestino

O Estado de S. Paulo

Antes, será preciso destruir o domínio dos extremistas e fomentar condições dignas para que os palestinos escolham melhores líderes. Já Israel precisará neutralizar seus próprios radicais

Adura verdade é que a curto prazo não haverá trégua entre Israel e Hamas. Não é só que ela seja praticamente impossível, mas, do ponto de vista de Israel, não é desejável. O governo israelense precisa fazer um cálculo humanitário, para minimizar os danos a civis palestinos, e estratégico, para evitar a conflagração de conflitos regionais que podem envolver a Cisjordânia, o Líbano e mesmo o Irã, mas não tem alternativa para garantir a segurança de seu povo senão neutralizar o Hamas pela força. A consequência serão mais restrições além das já restritas liberdades e autonomia dos palestinos em Gaza.

A longo prazo, contudo, a paz é não só desejável, mas indispensável: Israel só estará seguro quando os palestinos tiverem um país em que possam se autogovernar e prosperar. Neste momento de confronto agudo, reavivar a discussão sobre os dois Estados pode parecer utópico, mais do que um sonho distante, uma ilusão fatal. As pesquisas mostram que o apoio a essa solução está em seu nível historicamente mais baixo entre israelenses e palestinos, e tende a diminuir num futuro próximo. Mas grandes crises trazem grandes oportunidades.

Enquanto militares lutam para garantir a segurança já, os diplomatas devem lutar para garantir uma paz longa e duradoura no futuro. Para criar suas condições no presente, é preciso aprender com os fracassos do passado.

A primeira proposta de criação de um Estado judeu e um árabe foi feita em 1937, dez anos antes da criação de Israel, pelas autoridades britânicas que controlavam a região. A partição foi novamente proposta na ONU, em 1947. Os judeus aceitaram nas duas vezes; a Liga Árabe não. Após a fundação de Israel, em 1948, o Egito ocupou Gaza e a Jordânia ocupou a Cisjordânia. Em 1967, lançaram, junto com a Síria, um ataque a Israel, que então ocupou os dois territórios. Diversas iniciativas de partição foram tentadas, especialmente os Acordos de Oslo, de 1993, que culminaram com a Cúpula de Camp David, em 2000. Eles criaram um governo palestino limitado e algum grau de reconhecimento mútuo, mas extremistas de ambos os lados destruíram possibilidades de concessões e nenhum acordo final foi atingido.

De sua parte, Israel conduziu o conflito como algo a ser gerenciado, mais do que solucionado. O premiê Benjamin Netanyahu, no poder pela maior parte do tempo nas últimas duas décadas, só com relutância se mostrou, em tese, favorável a um Estado palestino, mas, na prática, se esquivou da questão, confiando que as defesas israelenses e acordos diplomáticos com países árabes deixariam seu país seguro enquanto os palestinos se consumiam em lutas intestinas. Nos últimos anos, apoiado por radicais de direita, intensificou assentamentos ilegais em territórios ocupados.

Já os palestinos, há muito debilitados e divididos, parecem incapazes de tomar decisões. A Autoridade Palestina, que negociou os acordos de Oslo, apodreceu. Na Cisjordânia, o presidente Mahmoud Abbas e seu partido, o Fatah, postergam eleições desde 2007. Naquele mesmo ano, em Gaza, os extremistas do Hamas, que querem a aniquilação de Israel, tomaram o poder.

A violência indiscriminada contra Israel pelos palestinos e a opressão dos palestinos por Israel erodiram o principal componente para avançar quaisquer negociações: a confiança. A curto prazo, a solução de dois Estados é impraticável. Mas, a longo prazo, renunciar a ela só trará mais destruição e mortes de parte a parte.

A guerra é incontornável para eliminar o poder do Hamas em Gaza. Mas, se e quando isso acontecer, Israel só estará apto para reconstruir uma solução pacífica se neutralizar seus próprios extremistas. Esforços diplomáticos de cima para baixo só serão viáveis se houver um esforço de baixo para cima com foco nos direitos humanos e civis dos palestinos. Isso desmoralizaria os extremistas palestinos, que exigem de Israel direitos que negam ao seu próprio povo, e facilitaria a esse povo escolher líderes mais sensatos para negociar com Israel.

É um caminho longo, estreito e difícil. Mas é o único que vai na direção contrária ao abismo.

Um imperativo civilizatório

O Estado de S. Paulo

Reabrir Comissão de Mortos e Desaparecidos não é revanche. É responsabilizar o Estado pela contumaz violação de direitos humanos cometida por seus agentes durante a ditadura

É lastimável que a Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), importantíssima por levar o Estado brasileiro a ser responsabilizado pelo desaparecimento de centenas de cidadãos no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 5 de outubro de 1988, tenha sido extinta no crepúsculo do governo passado. E não por ter alcançado plenamente os seus objetivos originários, mas, antes, pelas maquinações ideológicas do então presidente Jair Bolsonaro, notório admirador de alguns dos mais cruéis agentes da ditadura militar (1964-1985). Agora, o presidente Lula da Silva tem uma boa oportunidade de reparar esse erro.

Em fins de abril, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, pediu ao presidente da República a reabertura da CEMDP. Há poucos dias, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, deu parecer favorável ao pleito do colega de Esplanada. Para o progresso civilizatório do País, será muito bom se Lula levar o pedido em consideração.

No primeiro escalão do governo, as ressalvas à reabertura da CEMDP vêm do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. Como este jornal noticiou, o ministro estaria preocupado com a suposta criação de novos focos de atrito entre Lula e os militares. Mas não há razão alguma para preocupação. A Lei 6.683/1979, a Lei da Anistia, está em vigor. Vale dizer, não se está falando de responsabilizar individualmente os agentes civis ou militares que porventura tenham cometido crimes naquele período nem tampouco penalizar as Forças Armadas como instituições de Estado.

Como dispõe a Lei 9.140/1995, que a criou, a CEMDP se presta a reconhecer “como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por este motivo, tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja notícias” e a indenizar seus parentes. Trata-se, portanto, de fazer o Estado assumir a sua responsabilidade por violências sobejamente conhecidas que foram cometidas por seus agentes durante uma das quadras mais sombrias da história nacional.

Não se trata de revanche, tampouco, propriamente, é uma questão de preservação da memória do País, pois a história dos crimes cometidos por agentes do Estado no período abarcado pela Lei 9.140/1995 já está muito bem documentada. O que uma sociedade que se pretende civilizada deve desejar é, no mínimo, que haja uma compensação por essas contumazes violações dos direitos humanos. Ou seja, é o simples reconhecimento de que o Estado é responsável por aqueles sob sua custódia. Isso é o bastante para os brasileiros que só desejam viver num país em que não estejam sujeitos ao arbítrio do Estado. Além disso, a admissão da responsabilidade estatal pelos desaparecimentos durante o regime militar oferece conforto emocional para os que, há mais tempo do que seria tolerável, convivem com a angústia de não saber o que foi feito de seus entes queridos – sejam os que se envolveram na oposição ao regime, sejam os que nada fizeram para provocar a ira dos poderosos de então, mas mesmo assim acabaram nos porões da ditadura.

Anistiar não significa esquecer. Essa distinção é fundamental para que o País possa se debruçar, com maturidade, sem medos ou pruridos, sobre um momento crucial de seu passado recente. É da exata compreensão da responsabilidade do Estado pela morte presumida de muitos cidadãos que estavam sob sua custódia apenas porque ousaram se contrapor a um regime de exceção, ou nem isso, que virá a construção de um futuro mais justo para todos os brasileiros.

A eventual reabertura da CEMDP não deve ser recebida como uma “provocação” aos militares ou às Forças Armadas; e menos ainda como um estímulo ao revanchismo no País. Trata-se, antes de tudo, da manifestação legítima de uma sociedade madura o bastante para olhar seu passado com coragem e apego à verdade factual.

Mais incertezas no cenário externo

O Estado de S. Paulo

Guerra entre Israel e Hamas será mais um fator a ser considerado pelo BC na condução da política monetária

A recente melhora dos indicadores internos tem sido eclipsada por incertezas que abundam no cenário internacional. Em outros tempos, Produto Interno Bruto (PIB) mais alto, inflação mais baixa e a perspectiva de um recorde na balança comercial tenderiam a atrair investimentos para o País, valorizar o câmbio e abrir espaço para uma redução mais intensa da taxa básica de juros. Era nisso que apostava boa parte dos investidores até pouco tempo atrás.

Essa euforia vigorou até o fim do mês passado, quando o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) anunciou que manteria os juros no intervalo entre 5,25% e 5,5%. Ao deixar claro que este patamar, elevadíssimo para padrões norte-americanos, será mantido por mais tempo do que se esperava, o Fed gerou uma onda de pessimismo que há muito não se via.

No início da semana, as taxas de juro longas nos Estados Unidos chegaram a alcançar os níveis mais altos desde 2007, pouco antes da crise financeira internacional do ano seguinte. Voltaram a arrefecer, no entanto, após declarações do Fed descartando um novo aumento de juros.

O recado do banco central norte-americano veio em boa hora. As incertezas vinham afetando negócios em economias avançadas e emergentes e desvalorizando moedas, mas também encarecendo as emissões de títulos soberanos – um problema para as principais economias do mundo, endividadas como nunca após a pandemia de covid-19.

A percepção de risco foi reforçada com a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, mais um fator a se somar em uma conjuntura já bastante adversa, marcada pela ausência de perspectivas sobre o fim do conflito entre Rússia e Ucrânia. Depois de disparar na segunda-feira, as cotações do barril de petróleo recuaram no dia seguinte e, ao menos por ora, a avaliação é a de que não há perigo de desabastecimento global de petróleo.

Os novos elementos ampliam o desafio do Banco Central de trazer a inflação de volta à meta, uma vez que o peso dos combustíveis na inflação não é desprezível. Na reunião de setembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) votou, de forma unânime, pela redução da taxa básica de juros em 0,5 ponto porcentual, para 12,75% ao ano, e sinalizou que esse ritmo seria mantido nos próximos encontros.

A declaração do presidente do BC, Roberto Campos Neto, de que a barra para o corte de juros ficou mais alta em todo o mundo, impulsionou apostas em uma diminuição menor, de 0,25 p.p. – e, consequentemente, de uma Selic mais alta ao final do ciclo, não mais de um dígito. A divulgação do índice de inflação de setembro trouxe algum alívio. O IPCA subiu 0,26%, abaixo do esperado pelo mercado, e reforçou a impressão de que os riscos externos permanecem maiores que os internos.

Justamente por isso, o governo ajudaria se fosse mais ambicioso na condução da política fiscal, principal fator a retroalimentar os preços e os juros. O Congresso também tem muito a contribuir nesse sentido. Ao BC, resta manter a prudência na condução da política monetária, sopesando os novos riscos a serem considerados na tomada de suas decisões.

 

 

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