Folha de S. Paulo
O ministério envergonhado e a terapia contra
a polarização
O renomado cientista político Scott
Mainwaring acaba de divulgar, em coautoria com um importante intelectual
público, Lee Drutman, uma proposta de adoção da representação proporcional (RP)
nos EUA, visando a instituição do multipartidarismo naquele país. A justificativa é que o
sistema político americano se tornou disfuncional devido à polarização tóxica
recente.
Os autores argumentam que os EUA são a única democracia que combina o presidencialismo e o sistema eleitoral majoritário (distrital). Este desenho institucional só é encontrado em países não democráticos: Gana, Libéria e Serra Leoa. Nos demais sistemas presidencialistas adota-se a representação proporcional. Funcionou nos EUA por que os partidos não eram politizados: a distância ideológica entre eles era mínima. Democratas conservadores e republicanos liberais tinham agenda similar.
Nos anos 90, houve intenso debate quando
Mainwaring argumentou algo diferente: que a "difícil combinação"
envolvia presidencialismo e RP, gerando paralisia decisória, polarização que
ameaçava a democracia e dificuldades na montagem de coalizões. No Brasil, o problema se exacerbaria,
acrescentava, pela RP com lista aberta e um federalismo robusto. O primeiro
criaria incentivos para a indisciplina partidária; o segundo, uma dinâmica
centrípeta, localista, que impedia os partidos de adquirir caráter nacional.
Em sua visão, o resultado seria uma dinâmica
disfuncional nas relações Executivo-Legislativo. Reformas cruciais só seriam
aprovadas com concessões que as descaracterizariam e barganhas corruptas,
gerando instabilidade.
Nos EUA, a polarização na última década teria
levado à quebra do equilíbrio que garantia estabilidade ao sistema. A
combinação entre presidencialismo e multipartidarismo agora é vista não só como
"fácil" mas também necessária para restaurá-la. A RP permitiria que
partidos centristas tivessem viabilidade. A experiência exitosa de Chile, Costa
Rica, e Uruguai seria o modelo a ser emulado.
A terapia proposta pode ser discutida em
relação ao Brasil onde também temos a difícil combinação: a forte polarização
foi mitigada? (como discuti aqui) Sim, a resposta é positiva. Ela também foi
crucial na contenção de Bolsonaro. No entanto há custos e efeitos não
antecipados. No atual governo, os personagens que foram objeto das críticas mais
virulentas, de inimigos da pátria, sob Bolsonaro, ocupam ministérios e lhes dão
sustentação parlamentar. O congraçamento de inimigos reforça a ideia de um
conluio, o que reforça a própria polarização e legitima outsiders, como discutido aqui.
O "ministério envergonhado"
de Lula —marcado por posses de ministros a portas fechadas— é o símbolo de que a sociedade o rejeita.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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