O Estado de S. Paulo
Sem um sério e crível esforço de contenção, a
dívida pública brasileira continuará impondo custos altos ao Tesouro,
prejudicando a atração de capitais e limitando a baixa de juros
Desemprego em queda e inflação na meta favorecem o governo, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de batalhar para estimular produção e consumo e, na hipótese mais otimista, conter os gastos federais e controlar a dívida pública. Dinheiro curto, endividamento alto e juros impagáveis ainda forçam as famílias a comprar com moderação. No varejo do dia a dia, o volume vendido em agosto foi 0,2% menor que o de julho. O acumulado em oito meses foi 1,6% maior que o de um ano antes, mas o avanço é inseguro e oscilante. Estimulada pelo governo, a renegociação de dívidas deve dar algum alívio aos consumidores, mas sem alterar sensivelmente as perspectivas, por enquanto modestas, de avanço da economia. Para o presidente e seus principais ministros, a agenda continua desafiadora.
Com 2,92% de expansão, a economia brasileira
deve repetir em 2023 o desempenho geral do ano passado, segundo projeção de
mercado incluída no boletim Focus. A estimativa recém-anunciada pelo Fundo
Monetário Internacional (FMI), de 3,1%, é pouco mais otimista e mais próxima
daquela indicada pelo governo, de 3,2%.
Mas o cenário de médio prazo continua,
segundo todas as fontes, dominado pela mediocridade, com crescimento em torno
de 1,5% ao ano. As condições internacionais têm variado, mas o crescimento
estimado para o Brasil permanece, há mais de uma década, limitado severamente
pelo potencial produtivo. Essa é uma consequência do baixo investimento em
máquinas, equipamentos, obras de infraestrutura e capital humano. O presidente
e seus ministros sabem disso e já indicaram a intenção de favorecer tanto o
investimento governamental quanto o privado.
Não basta, no entanto, mobilizar capitais
nacionais e estrangeiros para fortalecer a economia e promover, como se
promete, um crescimento socialmente inclusivo. É preciso pensar na tão falada
sustentabilidade – econômica, financeira, ambiental e fiscal.
O presidente Lula tem mencionado essas
condições, em vários momentos. Mas nem sempre tem sido convincente quando se
trata da questão fiscal, isto é, da saúde das contas públicas. Sua atitude em
relação a esse ponto, é justo ressalvar, normalmente diverge das bandeiras
tradicionais do petismo, pouco favoráveis à gestão responsável das finanças
governamentais. Mas seu petismo aflora, sem disfarce, quando ele se opõe à ação
do Banco Central (BC) para conter, por meio dos juros, o impulso inflacionário.
Não faltam razões, portanto, para alguma
cautela diante da promessa de bom resultado fiscal no próximo ano. O ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, tem falado em equilíbrio do saldo primário, isto
é, calculado sem a conta de juros. Haddad é respeitado no setor financeiro,
mas, apesar disso, há dúvidas sobre a projeção de zero a zero nas contas
federais. A mediana das projeções do mercado continua indicando saldos
negativos até 2026, de acordo com o boletim Focus divulgado na segunda-feira.
Há argumentos técnicos e políticos para
sustentar essa avaliação. Não há, por enquanto, indicações claras de como o
governo ajustará receitas e despesas para equilibrar suas contas. O caminho
mais provável, segundo se estima, será a busca de maior arrecadação. Com mais
dinheiro, o presidente Lula poderá mais facilmente cumprir suas promessas. A
hipótese de ajuste por meio de contenção de gastos é apontada como altamente improvável.
Mas o aumento de arrecadação, por meio dos tributos atuais, dependerá de um
crescimento econômico por enquanto duvidoso.
Tudo parece indicar, portanto, aumento da
dívida pública nos próximos anos. Pelas estimativas do mercado, a dívida
líquida do setor público deverá corresponder, no fim deste ano, a 61% do
Produto Interno Bruto (PIB). Essa relação, de acordo com as projeções,
continuará em alta e deverá atingir 67,4% em 2026. Também pelos cálculos do FMI
o endividamento do setor governamental continuará em alta no Brasil.
Segundo essas estimativas, a dívida bruta do
setor público brasileiro passará de 85,3% do PIB em 2022 para 88,1% neste ano e
96% em 2028. Esses números, diferentemente daqueles considerados no País,
incluem os títulos do Tesouro em poder do BC. De toda forma, por qualquer dos
critérios – do FMI ou do governo brasileiro – essa dívida é bem maior,
proporcionalmente, que a média relativa ao conjunto das economias emergentes.
Essa média deve ficar em 68,3% do PIB no fim de 2023. No grupo dos emergentes,
a dívida pública brasileira só é superada pelas do Egito (92,7% do PIB) e da
Argentina (89,5%).
Sem um sério e crível esforço de contenção, a
dívida pública brasileira continuará impondo custos elevados ao Tesouro,
prejudicando a atração de capitais e limitando a baixa de juros. Não adiantará
o BC anunciar um grande corte da taxa básica enquanto o governo depender de
dinheiro caro para fechar as contas. Também por isso – pelo custo do
financiamento – contas públicas saudáveis são importantes para o crescimento
num país emergente. Endividamento público elevado e barato é privilégio de
economias avançadas e com Tesouros considerados confiáveis.
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