Valor Econômico
O déficit das transações de bens, serviços e
rendas com o exterior deve ficar na casa de 1% a 1,5% do PIB neste ano, bem
abaixo dos 2,8% do PIB de 2022
O superávit comercial neste ano deve superar
US$ 90 bilhões, podendo alcançar US$ 100 bilhões, segundo as estimativas mais
otimistas. A diferença crescente entre exportações e importações tem
fortalecido as contas externas do Brasil, que já tem reservas internacionais
elevadas, de US$ 345 bilhões. Neste ano, o déficit em conta corrente, que
mostra o resultado das transações de bens, serviços e rendas com o exterior,
tende a ficar entre 1% e 1,5% do PIB, bem inferior aos 2,8% do PIB de 2022.
É um desempenho que ajuda a blindar o Brasil num cenário de juros mais altos nos países desenvolvidos, sempre um quadro mais adverso para países emergentes, ainda que o ambiente global esteja mais benigno nas últimas semanas. As contas externas saudáveis contribuem para manter o dólar abaixo de R$ 5, preservando espaço para a continuidade da queda dos juros, embora a situação das contas públicas esteja longe de resolvida.
O desempenho da balança comercial tem
impressionado. Em outubro, o saldo ficou positivo em US$ 9 bilhões, superando
em US$ 5,6 bilhões o do mesmo mês de 2022, como lembra o boletim deste mês do
Indicador de Comércio Exterior (Icomex) da Fundação Getulio Vargas (FGV). De
janeiro a outubro, o superávit acumulado ficou em US$ 80,2 bilhões, já bem
superior ao recorde de US$ 62 bilhões de todo o ano passado. “Com esses
resultados, o superávit de 2023 deverá ficar entre US$ 95 bilhões e US$ 100
bilhões”, apontam os economistas do Icomex.
Nas exportações, o destaque deste ano é o
aumento do volume de commodities vendido ao exterior, que subiu 12,5% em
relação ao intervalo de janeiro a outubro do ano passado. Como os preços desses
produtos caíram 9,2% no período, a alta das exportações em valor ficou em 1,8%.
Entre as três principais commodities exportadas, soja e petróleo registram
aumento em valor, enquanto o minério de ferro teve um pequeno recuo, observa o
boletim do Icomex.
Nesse cenário, superávits comerciais
expressivos devem ocorrer neste ano e no próximo, segundo analistas. A
economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico, projeta um saldo de US$ 94
bilhões em 2023 e de US$ 83 bilhões em 2024, enquanto o Bradesco estima
US$ 93 bilhões neste ano e US$ 76 bilhões no ano que vem. Nos dois casos essas
previsões levam em conta os critérios da Secretaria de Comércio Exterior
(Secex).
Para o cálculo das contas externas, o Banco
Central (BC) adota outra metodologia, considerando em seus números compras
externas de pequeno valor, investimento em criptomoedas e importações de
plataformas de petróleo pelo Repetro. Isso diminui o superávit comercial que
entra nas estatísticas do setor externo. Pelo critério do BC, as projeções de
Andrea são de um saldo de US$ 82 bilhões neste ano e de US$ 71 bilhões no ano
que vem. Para ela, o país terá um déficit em conta corrente de 1,4% do PIB em
2023 e de 1,8% do PIB em 2024. O Bradesco projeta
números próximos, de 1,2% e 1,7% do PIB.
Haverá uma queda forte em relação aos rombos
registrados em 2021 e 2022, os dois na casa de 2,8% do PIB. Além disso, o
Brasil terá um déficit em conta corrente neste ano menor que os de países
emergentes como Chile, Colômbia e Turquia. Pelas estimativas da Economist
Intelligence Unit (EIU), os dois países sul-americanos devem ter um buraco de
4% do PIB em 2023; a Turquia, de 4,6% do PIB.
Em maio de 2013, o então presidente do
Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Ben Bernanke, acenou com a
redução dos estímulos monetários, provocando uma alta abrupta dos juros dos
títulos do Tesouro dos EUA, o que levou a uma forte desvalorização de moedas
emergentes, especialmente de países com elevados déficits em conta corrente.
Naquela época, o rombo brasileiro estava próximo a 4% do PIB, beirando US$ 100
bilhões. No fim de 2014, o número chegou a 4,5% do PIB, atingindo US$ 110
bilhões. A partir do ano seguinte, passou a diminuir. Para comparar, o déficit
neste ano deve ficar em US$ 25 bilhões nas contas do Bradesco,
o equivalente ao já mencionado 1,2% do PIB.
O déficit em conta corrente brasileiro segue
financiado com folga pelos investimentos estrangeiros diretos no país (IDP),
mesmo com o recuo desse fluxo de recursos ao longo de 2023. De janeiro a
setembro deste ano, o investimento direto ficou em 2,6% do PIB, o dobro do 1,3%
do PIB do rombo em conta corrente no período. Nos nove primeiros meses de 2022,
o IDP foi de 4,8% do PIB. Para completar, o nível de reservas do país é bem
superior à dívida externa do setor público, ultrapassando também o valor do endividamento
externo total, que inclui o do setor privado.
A situação confortável desses indicadores é
levada em conta especialmente pelos investidores estrangeiros, que veem um país
com baixa vulnerabilidade externa. Os participantes do mercado local também têm
dado mais peso a esse aspecto, avalia Andrea.
Para ela, a solidez das contas externas
funciona como um colchão, ajudando a manter o dólar abaixo de R$ 5 mesmo num
momento de redução da diferença entre os juros externos e internos. A distância
encurta devido ao ciclo de queda da Selic, o que pode afetar o fluxo financeiro
para o país.
Os economistas do Bradesco ressaltam
que a dinâmica favorável das contas externas contribui para o bom desempenho do
real em relação a outras moedas emergentes, levando o banco a manter a
expectativa de que a cotação do dólar cairá para R$ 4,80. Na sexta-feira,
fechou em R$ 4,8984.
As condições saudáveis das contas externas,
contudo, não devem ser motivo para um relaxamento da condução das contas
públicas. Se as incertezas fiscais permanecerem elevadas, elas podem impedir
uma valorização adicional do câmbio, que facilitaria quedas maiores dos juros.
E, se o cenário global voltar a piorar, com um eventual retorno da expectativa
de que os juros ficarão mais altos por bem mais tempo nos EUA, por exemplo, é
importante que o quadro fiscal seja menos incerto, para que o país não seja visto
como frágil nesse campo. Isso requer controle de gastos, e não apenas elevação
de receitas.
A solidez das contas externas é obviamente um
trunfo, mas não torna menos relevante uma política econômica que tenha como
prioridade buscar o equilíbrio das contas públicas. Sem isso, não será possível
uma redução estrutural dos juros para níveis mais baixos.
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