domingo, 24 de dezembro de 2023

Elio Gaspari - A erudição de Toffoli

O Globo

Na decisão que aliviou as multas impostas à J&F dos irmãos Batista de R$ 10,3 bilhões para R$ 3,5 bilhões, o ministro José Antonio Dias Toffoli deu-se a uma reflexão literária. Açoitou a Operação Lava- Jato comparando-a à desdita de Jean Valjean, o personagem de “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, e a Edmond Dantès, o “Conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas. São dois romances magistrais.

Na visão de Toffoli, os irmãos Joesley e Wesley Batista, como Valjean e Dantès, foram heróis vitimados por penas abusivas e violentas.

Nas suas palavras:

“Na literatura, Dantès supera seu amargo destino transformando-se no Conde de Monte Cristo, enquanto Valjean passa a reconstruir sua vida quando se vê livre, estabelecendo inesperadas relações entre diferentes tipos de miseráveis na Paris do século XIX.

A vingança iminente e nunca satisfeita em plenitude une os heróis e nos separa da literatura romântica, afinal, quando se trata de uma injustiça verídica no Brasil da Lava-Jato, é o STF quem tem cumprido a função do narrador que nos deixa a par do quão abusivo e injusto fora o processo e mitiga, na medida do que é processualmente possível, os danos desta que pode ser considerada a Operação mais abusiva de que se tem notícia sob a égide da Constituição de 1988.”

Bateu duro, mas não precisava recorrer a Dantés e Valjean. Dantès era inocente e foi vítima de uma trama. Encarcerado, conhece o abade Faria que lhe dá o mapa de um tesouro. Ele foge e vive como um nababo, assumindo várias identidades. É uma história magnífica, mas o negócio de Dantès, transformado em Conde de Monte Cristo é a vingança. Nada a ver com justiça.

O caso de Jean Valjean foi outro. Ele foi preso por roubar um pão e ralou nos trabalhos forçados. Mais tarde, furtou uns castiçais. Valjean mudou de identidade, ficou rico e só fez o bem na vida, sempre protegendo a menina Cosette. Atrás dele está sempre o policial Javert, um obcecado. A certa altura Valjean pode matar Javert e poupa-o. Humilhado, o policial se suicida.

Dantès, um inocente, e Valjean, um culpado, foram personagens construídos por Dumas e Victor Hugo. Ambos eram bons homens.

A Lava-Jato fez de tudo, mas não incriminou inocentes como Dantès nem ladrões de pão como Valjean.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e enquanto todo mundo prepara a lembrança do 8 de janeiro dos bolsonaristas, ele só pensa no 11 de janeiro, dia do aniversário da quebra da rede varejista Americanas.

A Comissão de Valores Mobiliários investiga o caso, mas ainda não revelou o que achou. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito saiu em campo e nada achou. Dela resultou apenas um parlamentar acusando o presidente da CPI de ter comprado um cavalo milionário.

O cretino acha que os doutores fizeram o certo. Ele só tem uma dúvida:

Está entendido que o CEO da empresa, Sérgio Rial, foi avisado no dia 2 de janeiro que havia gato na tuba. No dia 4 surgiu a expressão “inconsistências” e Rial percebeu o rombo de dezenas de bilhões de reais. Era o maior da história corporativa nacional.

Rial comunicou o espeto ao acionista Carlos Alberto Sicupira no dia 5, deixando-o chocado.

Entendendo que essas informações foram divulgadas pelos poderosos personagens ao longo do ano que está terminando, Eremildo só tem uma pergunta:

Qual foi o processo decisório que levou a Americanas a tentar sacar R$ 800 milhões da sua conta no BTG Pactual no dia 11 de janeiro? (Para um buraco estimado em R$ 20 bilhões, esse ervanário seria um simples petisco.)

Horas depois, a Americanas tornou público aquilo que ela chamava de “inconsistências contábeis”.

Eremildo sabe que esses processos são complexos. Ele lembra que o último caso de quebra fraudulenta nos Estados Unidos foi o da empresa de energia Enron. Ela foi à garra no final de 2001 e, no primeiro aniversário da ruína, o gênio financeiro da empresa tornou-se réu. Tomou uma cana de dez anos em 2004.

A Enron e a empresa de auditoria que acompanhava suas contas não existem mais.

Fios desencapados

O governo começará o ano com vários fios desencapados na coordenação política e nas relações com o Congresso. São muitos os petistas jogando no ataque e poucos trabalhando no meio de campo.

Em dois casos exemplares, percebe-se que criam encrencas inúteis. Petistas soprando que Flávio Dino seria rejeitado pelos senadores servia apenas para inflar os egos daqueles que trabalhavam por Jorge Messias. Afinal, Dino havia sido indicado por Lula e ocupava o Ministério da Justiça. Ventos do Planalto intrigando o ministro Fernando Haddad com o presidente da Câmara servem apenas para tentar enfraquecer Haddad, que tem mais adversários no partido do que na Faria Lima.

A artilharia petista tem um defeito: acha que vai ganhar todas e só percebe o tamanho dos erros quando não consegue mais ganhar nada.

Em 2015 os çábios do Planalto achavam que poderiam eleger Arlindo Chinaglia para a presidência da Câmara. Eduardo Cunha elegeu-se e deu no que deu.

Papai Noel na fila do INSS

No início do ano que está acabando, Lula anunciou:

“"Estejam certos de que vamos acabar, mais uma vez, com a vergonhosa fila do INSS, outra injustiça restabelecida nestes tempos de destruição.”

Um mês depois, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, acrescentou:

“Estamos buscando o aprimoramento das rotinas administrativas para viabilizar, até o final do ano, a análise das requisições em até 45 dias.”

Em abril a fila havia crescido e tinha mais de 1 milhão de vítimas.

Em agosto ela foi reduzida de 1,42 milhão para 1,2 milhão, mas tudo não passava de uma manipulação metodológica.

Em novembro, a fila tinha mais de 1,65 milhão de segurados e Lula sancionou um projeto de lei que permite a realização de perícias por telemedicina e facilita os procedimentos.

A turma da telemedicina foi atendida e o ano termina sem redução da fila em comparação com o dia em que Lula prometeu acabar com ela. Lupi voltou a atacar e prometeu que em 2024 o tempo de espera pelas perícias será de trinta dias.

Pede-se a Papai Noel que os doutores não prometam o que não podem cumprir e, se possível, deixem de empulhar o público.

Cena carioca

No domingo passado uma senhora passeava com seu cachorro no Jardim de Alah quando apareceu um galalau tentando tomar-lhe o bicho.

Furtar cães já seria novidade, mas a senhora foi defendida por um grupo de pessoas que acampam no Jardim de Alah para fumar o que não se deve.

Cláudio Castro na frigideira

O governador do Rio, Cláudio Castro, precisa de bons advogados. A Polícia Federal saiu atrás de seu irmão e o Superior Tribunal de Justiça autorizou a quebra de seus sigilos. Em nota, ele reagiu dizendo que “não há nada contra ele”.

Quando um magano diz que não há provas para incriminá-lo, adota uma linha de defesa que não traz sorte. O que a investigação busca são as provas.