domingo, 24 de dezembro de 2023

Paulo Celso Pereira* - Lula em mares nunca antes navegados

O Globo

É na esteira da inação do governo que a oposição parece começar a descobrir flancos para agir. O alvo agora é a segurança pública

Dois meses depois das eleições mais apertadas da História brasileira, e a dois dias da posse de Lula, o Banco Central divulgou seu último boletim Focus de 2022. O relatório trazia a expectativa dos principais nomes do mercado financeiro para o ano subsequente. O cenário para 2023 era nebuloso: a previsão era que o primeiro ano do governo Lula terminaria com baixo crescimento econômico, 0,8%, inflação acima do teto da meta, 5,3%, dólar batendo R$ 5,27 e taxa de juro em 12,25%.

A vida real acabou sendo bem melhor do que projetavam os operadores, majoritariamente críticos ao petista: a economia deverá crescer cerca de 3% neste ano, a inflação está dentro da meta, em 4,5%, o dólar abaixo de R$ 5, e a taxa de juros fechará o ano em 11,75%. Para completar, o desemprego caiu, e a renda média dos trabalhadores subiu.

Nada disso, no entanto, foi suficiente para dar um respiro de popularidade a Lula. De acordo com última pesquisa Datafolha, divulgada na semana passada, os mesmos 25% que se declaravam bolsonaristas no fim de 2002 seguem dizendo-se alinhados ao ex-presidente. Entre março e dezembro, a avaliação positiva do governo Lula manteve-se monotonamente imóvel, em 38%, e os que o consideram ruim ou péssimo oscilaram de 29% para 30%.

Lula navega hoje num mar desconhecido, em que a receita para o sucesso de seus primeiros mandatos — melhora de renda e crescimento econômico resultando em aprovação popular — dá fortes sinais de desgaste.

Dois elementos novos são determinantes. O primeiro é a existência de um movimento popular de oposição que seduz e mobiliza um quarto da população. O segundo, o fato de nove em cada dez brasileiros terem acesso à internet, onde se informam, namoram, compram, conversam — e onde o bolsonarismo navega com muito mais competência que o petismo.

Nesse novo universo, o governo perdeu boa parte de sua capacidade de conduzir a narrativa. A falta de projeto para melhorar áreas decisivas para a população deixa caminho aberto à direita. Ao final do primeiro ano de mandato, as políticas do governo federal em relação às três áreas que mais preocupavam os brasileiros antes da posse — saúde, educação e segurança — são consideradas tímidas até por fiéis aliados.

Não à toa, enquanto a popularidade do presidente não sai do lugar, o percentual dos que dizem que Lula fez pelo país menos do que esperavam saltou de 51% em março para 57% hoje.

Um surrado ditado diz que, na política, não existe vácuo. E é na esteira da inação do governo que a oposição parece começar a descobrir flancos para agir. O alvo agora é a segurança pública.

As imagens de crimes que inundam as redes sociais e os programas de TV incutem na população o temor permanente. De acordo com uma pesquisa Quaest divulgada no início do mês, oito em cada dez brasileiros acham que a criminalidade aumentou nos últimos 12 meses, e o mesmo percentual acredita tratar-se de problema nacional.

Desde a transição, Lula flerta com a hipótese de recriar o Ministério da Segurança Pública, que chegou a ser prometido em campanha, mas não sacramenta a decisão. Entre argumentos favoráveis e contrários à medida, prevalece o temor de avocar para o governo federal a responsabilidade sobre um tema complexo, cuja solução dependerá de dedicação, tempo e enorme esforço — e que hoje formalmente compete aos estados. Resta a inação.

O 8 de Janeiro assegurou a Lula um primeiro ano de relativa tranquilidade no debate público, mesmo numa sociedade polarizada. Com as eleições de 2024 se avizinhando, a tendência é que os ânimos voltem a encrespar. Gastando muita saliva e sola de sapato, Fernando Haddad montou projetos claros, relevantes e conseguiu aprovar quase tudo o que quis neste ano num Congresso conservador. Nísia Trindade, Camilo Santana e o sucessor de Flávio Dino já têm uma picada a seguir. E o caminho nem é tão obscuro assim.

*Paulo Celso Pereira é editor executivo do GLOBO

Um comentário:

PAULO ANDION disse...

https://twitter.com/andion_paulo/status/1733298862217982072?t=Of01v8X4aXe7qKZAKViw-A&s=19