sábado, 24 de fevereiro de 2024

Carlos Alberto Sardenberg - Governo de anúncios

O Globo

Trezentos e sessenta e três ianomâmis morreram por desnutrição e malária em 2023, mais que os 343 óbitos do ano anterior. Revelado o número, a ministra Sonia Guajajara anunciou a criação do primeiro hospital indígena na História do país. Ficará em Boa Vista, mas ainda não se sabe quando começam as obras. Sabe-se, porém, que fracassaram as medidas emergenciais tomadas no ano passado para retirar garimpeiros das terras ianomâmis. Garimpeiros expulsos voltaram para a região.

E agora? O governo decidiu que Forças Armadas e Polícia Federal deverão ter presença definitiva no território. A partir de quando? Não se sabe. Fracassaram também as ações para levar alimentos e cuidados médicos. Não há novos planos emergenciais em andamento, mas há anúncios. Além do hospital, o governo informou que construirá unidades básicas de saúde na região. Prazos? Metas? Nada.

No final de janeiro, o presidente Lula lançou o Programa Pé de Meia, espécie de bolsa para permitir a permanência na escola de alunos mais pobres. A ideia é boa. O presidente tem razão quando comentou:

— Esta política não pode ser de governo, tem que ser de Estado, com a participação da sociedade, porque senão cada governo que entra muda tudo, e as coisas não acontecem efetivamente.

Pois o governo Lula está tentando mudar todas as normas do ensino médio, que haviam sido aprovadas pelo Congresso ainda no período Temer e estavam em implantação. Desde o início do governo, a esquerda luta pela revogação total daquelas normas. Secretários estaduais de Educação e entidades civis entendem que o modelo deveria ser mantido, com ajustes pontuais, que podem ser feitos sem novas legislações.

No meio do debate, o ministro Camilo Santana enviou um projeto de lei ao Congresso. Ali, caiu na relatoria do deputado Mendonça Filho, que era o ministro da Educação quando foi aprovado o novo ensino médio. Claro que resulta numa tramitação complexa. Assim, a votação do projeto do governo Lula ficou para este ano, ainda sem data. Resultado: milhões de alunos não sabem como serão as aulas e as matérias que terão nos próximos anos.

Trata-se de um desvio típico, da mesma natureza do que ocorre com a administração (ou falta de) da crise ianomâmi. Faltam ações concretas, sobram as tais “políticas estruturantes”.

Na questão indígena, o governo federal pelo menos assume que é seu problema. Na educação, há tendência a colocar a culpa em governos estaduais e prefeituras, que, sim, têm papel essencial. Mas, considerando que há problemas comuns em todo o país e que o governo federal tem a maior parte do dinheiro, pelo menos a coordenação deve ser de Brasília.

O problema básico é conhecido: os alunos das escolas públicas têm ensino muito pior que os colegas das particulares. Com essas tentativas de impor novas regras “estruturantes”, existe o risco de o governo atrapalhar a escola privada, como já acontece com o ensino médio, e não melhorar a pública.

Na segurança pública, o governo Lula passou um ano tentando empurrar a coisa para os governos estaduais — de fato, responsáveis primários pelas polícias. Mas é evidente que a crise é nacional. O tráfico de drogas e armas passa por todo o país, a começar pelas fronteiras federais. O crime organizado é nacional, não raro internacional.

Quando a atuação das milícias e facções atingiu momentos alarmantes no ano passado, o então ministro da Justiça e da Segurança anunciou o quê? A preparação de um plano nacional. Sobrou para o novo ministro, Ricardo Lewandowski, que mal assumiu e já topou com a fuga de presos do presídio federal de Mossoró — dois chefes de uma facção nacional.

E a saúde. Os especialistas sabiam que estava por ocorrer um grande surto de dengue. Ocorreu, e o Ministério da Saúde corre atrás. Comprou as vacinas, é verdade, mas elas têm efeito a prazo maior, e a emergência do momento são ações sanitárias. As prefeituras têm de fazer isso? Têm. Mas o governo federal precisa entregar dinheiro, gente e equipamentos. E anúncios. Aqui, sim, uma campanha nacional de esclarecimento teria sido muito eficiente.

 

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